As taças da UEFA já rolavam a velocidade de cruzeiro na época de 1964-65. De tal ordem que o Benfica até já fora campeão da Europa por duas vezes e perdera uma terceira final consecutiva, para o Milan.
Não deixemos cair o encarnado porque foi precisamente nessa época que os reds de Liverpool participaram pela primeira vez nas competições continentais. E logo na Taça dos Campeões! Ah! Chama-se a isso começar pelo topo. E começar bem: atingiram as meias- -finais, perdendo para o Inter (3-1 em casa, 0-3 fora) e falhando por um triz a final com o Benfica.
Bill Shankly tornou-se treinador da equipa de Anfield em 1959. Escocês, ponta direita, não teve uma carreira de jogador extraordinária: dividiu-a entre o Carlisle United e o Preston North End. Depois tornou-se treinador, em 1949. Até chegar a Liverpool andou pelo Carlisle United, pelo Grimsby Town, pelo Workington e pelo Huddersfield.
“Não encontrei uma grande equipa”, reclamou à chegada a Anfield. Bom, afinal, o Liverpool acabara de passar o tormento de cinco anos na ii Divisão. Não havia razões para euforias. Shankly e o seu braço-direito Bob Paisley foram à procura de reforços. Em 1963-64, os reds voltavam a ser campeões de Inglaterra, como um 5-0 final ao Arsenal. Era tempo de pensar para lá da Mancha.
A cor
Ao contrário do que se possa pensar, a cor original do Liverpool foi a mesma que a do seu vizinho Everton: azul. Camisolas cortadas na vertical: uma metade azul, a outra branca. Até 1894 (a data da fundação é 3 de junho de 1892), quando os seus dirigentes decidiram que um clube com o nome de Liverpool deveria carregar a cor da cidade de Liverpool: o vermelho.
Camisolas vermelhas, calções e meias brancas: desta forma passaram a vestir os reds. E assim foi até essa primeira aventura europeia que depois se repetiria per omnia saecula saeculorum, diriam os antigos romanos, isto é, rematado à letra, num pontapé de primeira, daí para sempre, até hoje.
Para estreia, Bill Shankly não podia ter desejado melhor adversário do que o que lhe saiu em sorteio para a primeira eliminatória da Taça dos Clubes Campeões Europeus, em 1964-65: os islandeses do Knattspyrnufélag Reykjavíkur, que podem provocar cãibras na língua mas não criam alterações ao normal funcionamento do miocárdio. Cinco a zero em Reiquejavique – golos de Hunt (2), Wallace (2) e Chisnall –; 6-1 em Inglaterra – golos de Byrne, St. John, Hunt, Graham e Stevenson.
Seguiu-se, na segunda eliminatória, o Anderlecht. Shankly desconfiava da categoria do campeão belga. Alertou os seus jogadores para as complicações que iriam ter pela frente. E, na véspera do jogo inicial, em Anfield, saiu-se com uma daquelas ideias no mínimo estranhas mas que alterou definitivamente a forma como ainda, nos dias que correm, olhamos para o Liverpool. Decidiu que a sua equipa jogaria toda de vermelho, calções e meias incluídos. Disse aos jogadores que não tinha dúvidas de que tal alteração iria provocar um impacto psicológico relevante no seu opositor. Ian St. John, avançado dos reds, contaria na sua autobiografia: “Ele entrou no balneário e entregou um par de calções vermelhos ao Ronnie Yeats: ‘Veste-os e vê como te ficam! Hum… espetacular! Parece que tens dois metros de altura. É isso mesmo que queremos’. Então, eu perguntei: ‘Porque não tudo, chefe? Meias vermelhas também. Vamos jogar todos de vermelho!’ Ele concordou. Surgiu um equipamento icónico. Vermelho de poder. Vermelho de perigo!”
Foi todo vestido de vermelho que St. John marcou o primeiro dos três golos ao Anderlecht na primeira mão (3-0). Os outros foram de Hunt e Yeats, convencido, se calhar, dos seus dois metros de altura. Em Bruxelas, mais uma vitória: 1-0 por Hunt. Os totaly reds estavam imparáveis e a sorte caminhava a seu lado: frente ao FC Köln, após dois empates a zero, a moeda ao ar caiu a favor dos vermelhos de Merseyside.
Seguiu-se a batalha frente ao Inter, com Shankly a sair de Milão muito irritado com a eliminação, que considerou ter mãozinha arbitral. Tal e qual como o Benfica, que teve de lá jogar a final, contra a equipa da casa. Os italianos não eram para brincadeiras.