Balneários públicos. Os banhos que são para todos e custam um euro

Balneários públicos. Os banhos que são para todos e custam um euro


O balneário do Pátio 13 existe há tempo suficiente para nem estar na memória de quem o frequenta. Em Alfama há pessoas que, mesmo tendo casa, precisam de tomar banho num balneário público. Em 2011, data dos últimos Censos, havia 4000 pessoas a viver em Lisboa em casas sem instalação de banho ou duche.


No Largo de Santo Estevão, em Alfama, quer faça chuva, quer faça sol, ali está ela: com dois chapéus montados junto a um banco verde de jardim. Tem uma mesa e uma cadeira que leva todos os dias do número 28, onde vive, a dez metros do largo. Em cima da mesa está uma garrafa de Ginja e uma dúzia de copos. “Vai uma ginjinha?”, pergunta Alice aos estrangeiros que passam. E fala sempre em português. Aos que não querem, também não faz cerimónia, conta: “não compram, também não tiram fotos, que eu viro-me de costas”. 

Ali perto, umas escadinhas estreitas  dão acesso ao largo onde está o balneário do Pátio 13. Na parede que acompanha essas escadas está uma fotografia desta mulher. Há dois anos que a fotografia, a preto e branco, está ali pendurada, mas Alice desce-as há sessenta anos para ir tomar banho ao balneário público. Antes de começar a servir a sua ginjinha, vai de saquinho na mão, que outrora serviu para a renda, e leva apenas as coisas de que precisa: toalha e champô. É só descer as escadas, pagar um euro, tomar banho e ir embora. 

A tia Alice, como todos a tratam, tem casa de banho em sua casa que, aliás, fica mesmo a dois passos do balneário. Mas prefere tomar banho fora de casa. Primeiro, porque a idade já não perdoa e é mais seguro, depois porque a sua casa de banho é muito pequena e não tem condições. “Se tivesse dinheiro mandava arranjar a casa de banho, claro, mas não tenho”, conta. Alice lembra os tempos em que ia tomar banho fora de casa, ainda na época da sua mãe, “quando não havia água, nem luz”. Ainda faz as contas em escudos, mas paga cerca de 70 euros por mês. “Faço uma confusão com os escudos, pago 16 contos, o resto que sobra dos 200 euros da reforma é para luz, água e medicação”.

Está frio, são nove e meia da manhã e Viriato está de pijama à porta do balneário do Pátio 13. É outro dos utilizadores regulares. Por cima do pijama tem só um casaco e falta-lhe um chapéu de chuva porque o céu está negro. Vive a dez metros dali, mas está em Alfama, no seu bairro, por isso, não se importa de sair com a mesma roupa com que dormiu. Afinal, Alfama é a sua casa. Vive no Largo da Palmeira, não muito longe dali. Enquanto a porta não abre, conta que está ali porque a sua casa de banho não tem condições e a banheira já não serve para banhos. Mas na sua cabeça e nas suas palavras, os banhos nem são um problema, porque tem sempre uma solução. O problema é mesmo a questão dos despejos. Viriato diz que recebe cartas com ameaças de despejo, mas recusa-se a sair. Fala do aumento do turismo e sente-se um resistente: “antes havia as marchas de Alfama, qualquer dia há as marchas dos estrangeiros”.  

Tia Alice e Viriato estão entre cerca de quarenta pessoas que utilizam todos os meses o balneário do Pátio 13. Quem passa por ali, seja para ir ao restaurante, seja para passear por Alfama, nem repara naquele espaço. De facto, para os estrangeiros “o balneário não é para se visitar, porque quem usa é gente pobre e isso os turistas não podem ver”, diz Alice. Está escondido, as escadas ajudam a encobrir a necessidade e a falta de condições daqueles que são obrigados a ir ali. Ao lado está uma loja de indianos, à frente está o aparato que se tornou banal em Alfama: o rasto de obras de reconstrução e remodelação. 

Ao contrário do que acontece nos outros três balneários da freguesia de Santa Maria Maior, onde pertence Alfama, este sítio também acolhe pessoas sem-abrigo, mas recebe sobretudo pessoas que até têm um teto para dormir, mas não têm casa de banho com condições dignas para tomar um banho. Na capital são mais de vinte os balneários públicos espalhados pelas várias freguesias. 

A nível nacional, os Censos feitos em 2011 pelo Instituto Nacional de Estatística apontam para 156 mil pessoas a viver sem instalação de banho ou duche. Na cidade de Lisboa eram então 4096. Em Alfama, ninguém conhece casas que não tenham casa de banho, mas a verdade é que as que existem não têm condições. Aqueles que sempre viveram no bairro do coração de Lisboa têm casas pela metade e encontram aqui o que lhes falta: quatro chuveiros divididos, dois bancos grandes de madeira, lavatórios, espelhos e uma flor – assim é o balneário do Pátio 13.


Fotografia de Miguel Silva

Cabides, corações e respeito Quem quiser pode entrar. Maria de Lurdes tem orgulho na organização e limpeza do “seu” balneário. “Entre e veja, se quiser tomar banho, esteja à vontade”, diz a quem chega. Maria de Lurdes toma conta deste balneário há três anos, está a recibos verdes e já esteve no Balneário de São João da Praça – a cerca de 500 metros do Balneário do Pátio 13 – mas não gostava: “o outro era mais pequeno, estava ainda mais escondido”. No tempo que lá trabalhou teve um AVC, conta.

Mudou para o Pátio 13 e até decorou a entrada onde se senta agora todos os dias. Cortinados cor-de-rosa, autocolantes em forma de coração colados na parede, uns paninhos de renda, uma almofadinha onde se agarra para estar confortável e até um caderno onde aponta “os nomes de quem não paga logo” – é assim o pequeno gabinete onde são cobrados os banhos e que Maria de Lurdes ocupa das nove e meia às cinco e meia, de segunda a sábado. E até há quem diga que desde que Maria de Lurdes está naquele balneário, o espaço ganhou mais vida, e mais clientes, claro. 

Raramente há fila na rua – às vezes é preciso esperar para tomar banho, mas os fregueses ficam sentados no banco à entrada do balneário, onde se penduram as toalhas, onde está quentinho e onde se conversa com a dona Lurdes. “Nunca vêm tomar banho todos os dias, só o senhor Paulo é que vem sempre”, diz a anfitriã. 

Nesse preciso momento, entra Paulo. Com 59 anos, não tem uma banheira capaz de lhe dar o que outras dão: um banho confortável. “Tenho um problema nas costas, preciso de uma cadeira para me sentar e como vivo sozinho, não consigo fazer essas coisas”, explica. Maria de Lurdes arranjou uma cadeira para Paulo poder tomar banho e, além disso, “se acontecer alguma coisa está aqui sempre gente”, diz o homem. 

O ritual é o mesmo todos os dias: chega com um saco e com uma mochila, mas antes de entrar na zona dos banhos, pendura a camisa que vai vestir e deixa-a à entrada. Não gosta das camisas amarrotadas, porque é “vendedor e os clientes reparam nessas coisas”. Às vezes também pendura a toalha ao lado das camisas e esquece-se de a levar. Aí, Lurdes entra em ação e dá-lhe a toalha. “Este balneário é muito bom, muito limpo e eu gosto de andar sempre limpo”, conta. Paulo gosta de ir sempre ao balneário do Pátio 13. Se encontrar a porta fechada, que normalmente acontece ao domingo, vai logo a outro e escolhe o de Xabregas. pela proximidade.

Os balneários do Pátio 13 são mistos. Têm dois andares, mas um deles está em obras. Por isso, os quatro chuveiros são utilizados por homens e por mulheres. “Há muito respeito aqui, quando está, por exemplo, a dona Alice lá dentro e chega um homem, eu digo para esperar e ninguém entra enquanto ela não sair”. Depois de meia hora, Paulo sai do banho e concorda com a questão do respeito. Acrescenta ainda que este é “o balneário mais limpo”. 


Fotografia de Miguel Silva

De longe para um banho São nove da manhã de um sábado quando o telefone de Maria de Lurdes toca. “Estou, é para saber se estás lá hoje”, perguntam-lhe. “Oh mulher, ainda nem desci do elétrico e já me estás a perguntar se estou lá. Estou lá, estou, podes ir”, diz.

É Tânia Duarte ao telefone. Liga todos os sábados para saber se pode, ou não, ir tomar banho. Ao contrário dos outros utilizadores, Tânia e o irmão vivem em Xabregas. Já viveram em Alfama, mas a febre do turismo atirou-os para a Vila Dias, uma vila operária não muito longe dali, – o prédio onde viviam foi transformado num hostel.

Em Xabregas têm casa de banho, mas não podem usar, caso contrário “a vizinha de baixo leva com a água toda dos banhos”. O seu irmão, Álvaro Duarte, explica que prefere ir ao Pátio 13. “Também há dois balneários em Xabregas, mas são frequentados, maioritariamente, por sem-abrigo e como são muitos, a rapariga que está lá não consegue ter sempre aquilo limpo”, explica o homem que trabalha numa empresa de contabilidade. “Já para não falar das doenças que às vezes apanham lá”, completa Vânia. Já frequentaram outros sítios para tomar banho, mas a presença de Maria de Lurdes parece contar muito para quem lá vai e, normalmente, acompanham-na se muda de balneário. 

Ao sábado, ainda o balneário não abriu e passa Alice, de casaco preto comprido de mala na mão – vai montar a banca da ginjinha. Encostado às escadas está Viriato de pijama, já à espera de Maria de Lurdes. Ao fundo vem Paulo, de camisa e polo na mão. Na rotina do Pátio 13, há sempre boa disposição. “As tristezas não pagam dívidas, muito menos banhos”, sorri Viriato.