Em Portugal, a eutanásia – ou morte medicamente assistida – continua a ser ilegal, não obstante as várias tentativas para a despenalizar. Em 2016, uma petição a pedi-lo deu entrada na Assembleia da República, dando origem a quatro projetos-lei nesse sentido – do PS, BE, PEV e PAN. Foram todos chumbados pelos deputados, numa rara aliança entre PSD, CDS-PP e PCP. Agora, só na próxima legislatura.
Quase um ano depois do chumbo, duas das figuras de proa do movimento cívico Direito a Morrer com Dignidade já não estão entre nós. Laura Ferreira dos Santos e João Semedo, antigo deputado e coordenador do Bloco de Esquerda, faleceram de doença prolongada. Lutaram até ao fim pelo direito a morrer com dignidade, não apenas para eles próprios, mas para todas as pessoas. Com o movimento tentaram combater as situações de muitos doentes em fase terminal e que se viam impedidos de pôr fim às suas próprias vidas, vendo-se desesperados e com poucas alternativas a não ser o suicídio.
“Os doentes recusaram-se a fazer mais tratamentos, mas a família insistiu tanto que aqueles pacientes, já em novo tratamento, acabaram por se suicidar. Não há estatísticas: nos casos que me contaram, muito pouca gente soube a verdadeira razão daquele suicídio, são realidades que ficam muito escondidas”, denunciou Laura Ferreira dos Santos, em 2016, ao i.
Uma realidade que, com o movimento, deixou de ser tão ignorada para ficar no centro do debate público por largas semanas. Debates televisivos, reportagens, vigílias, projetos-lei e conferências tornaram-se comuns. Um caminho foi feito, ainda que os projetos-lei tenham acabado por ser chumbados.
Os líderes dos movimentos sabiam – e sabem – que é uma questão de tempo até a eutanásia ser despenalizada, mas, ainda assim, não há tempo a perder. “Independentemente do que irá acontecer, é uma primeira vitória. Pelo menos estamos a dar voz a pessoas que não a tinham, e isso, só por si, é algo bom”, disse Ferreira dos Santos na mesma altura.
“Ajudar a morrer serena e tranquilamente, acabando com o sofrimento inútil, é uma atitude muito nobre, de elevado valor moral e de grande humanismo que não podemos deixar que seja desvalorizada, caricaturada ou comparada como um homicídio”, escreveu o médico bloquista numa nota que enviou para ser lida na apresentação do livro Morrer com Dignidade, apresentado na Assembleia da República em maio do ano passado. “Despenalizar [a morte assistida] é colocar a tolerância onde até hoje tem estado a prepotência de alguns impondo-se a todos os outros”, criticou no mesmo texto.