“Viscoso… mas gostoso!”. Os grilos são os tremoços do futuro?

“Viscoso… mas gostoso!”. Os grilos são os tremoços do futuro?


Apesar de ainda não conseguirem comercializar os seus produtos, existem várias empresas em Portugal que se dedicam à produção de alimentos feitos à base de insetos. E há produtos para todos os gostos: bolachas de grilo, massas de besouro e… grilos inteiros desidratados.


Lisboa, verão de 2030. Está um final de tarde perfeito para aproveitar o tempo com os amigos numa esplanada. No menu há várias opções: chips de bichos-da-seda, grilos desidratados ou snacks à base de gafanhoto. Para beber, a especialidade da casa é cerveja de besouro. Já está com água na boca? Se não, comece a habituar-se a esta ideia: muitos defendem que os alimentos feitos com insetos são o futuro.

Em Portugal já existem várias empresas que se dedicam a este negócio, mas ainda não têm autorização para comercializar os seus produtos. Em causa está a regulamentação aplicada pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar. “Quem quiser colocar um produto destes no mercado tem de submeter um dossiê à Comissão Europeia fazendo prova de que o alimento que quer comercializar é seguro para consumo humano. Tendo em conta os prazos que estão definidos pelo regulamento, é expetável que até ao final deste ano haja uma decisão. E quando esta for divulgada, será aplicável em todos os países da União Europeia e a qualquer operador, não apenas aos que submeteram o dossiê. Aí sim, já será possível começar o negócio”, explicou ao i José Gonçalves, responsável pela Nutrix, uma empresa portuguesa que se dedica à produção de uma bolacha gluten-free, com um alto teor de proteína graças a um ingrediente muito especial: o grilo.

Confiante de que no final de 2019 conseguirá colocar os seus produtos à venda no mercado, José Gonçalves continua apostar neste negócio. Mas o que tem a sua bolacha de tão especial? Será que tem um sabor muito diferente das outras? O empresário garante que não e que, se não disser ao cliente que a bolacha é feita com partes de grilos, este nem nota. “Com uma taxa de incorporação do animal relativamente baixa [em média, nestes produtos é de 10%], os insetos não marcam muito do ponto de vista do paladar”, garantiu ao i.

O mesmo é dito por Guilherme Pereira, da Portugal Bugs, empresa de Matosinhos que se dedica à produção de barras proteicas, massas e farinhas. “Na nossa empresa usamos o tenébrio, conhecido como larva do besouro da farinha. Para já, só produzimos produtos com estes insetos. Não consegue notar qualquer tipo de sabor diferente nos nossos produtos, até porque falamos de taxas de incorporação [dos insetos] entre os 10 e os 15%: temos uma barra proteica que é feita com manteiga de amendoim e mel e sabe exatamente a isso; o mesmo se passa com as que sabem a maçã e canela ou a chocolate. Na massa, também não se sente nenhum sabor diferente”, explicou ao i.

 

E que tal uma travessa de grilos?

Há quem vá mais longe e aposte em comercializar o inseto inteiro. É o caso da Gotan Bug, uma empresa nascida no ano passado, em Coruche. O empresário Óscar Silva admitiu ao i que, quando veem grilos desidratados pela primeira vez, as pessoas não têm a melhor reação, mas, depois de provarem, a taxa de sucesso é de 100%.

“Estamos a usar este tempo de apreciação legal para fazer experiências, oferecer amostras e perceber como o público português reage a este produto. Organizamos degustações, sempre de acordo com o que é estabelecido pela Direção–Geral de Alimentação e Veterinária.
A reação tem sido extraordinariamente positiva. A esmagadora maioria, a princípio, cria uma resistência, pois o aspeto é impactante, mas a curiosidade acaba sempre por vencer. As pessoas experimentam e todas elas sem exceção gostam daquilo que provam”, contou Óscar Silva.

Mas a que sabe um grilo desidratado? “Tem um sabor único, mas é associado por muitos aos frutos secos”, explica o empresário. Os verdadeiros apreciadores destes pitéus recusam-se a acrescentar o que seja ao prato: “O inseto tem um sabor discreto e, por isso, qualquer tempero que adicionemos passa a ser o seu sabor”, acrescentou.

 

Uma aposta saudável e sustentável

Há uma ideia que foi amplamente defendida pelos três empresários que o i contactou: se queremos proteger o nosso planeta e viver num mundo sustentável, o futuro passa por abdicarmos de certas produções a que estamos acostumados e apostar neste modelo de negócio. Além de necessitarem de quantidades muito mais reduzidas de água e de não precisarem de grandes áreas de exploração quando comparados com as fontes mais convencionais de proteína animal, os insetos libertam 1000 vezes menos gases com efeito de estufa do que as explorações de bovinos, lê-se no site da Portugal Bugs.

“Para produzir um quilo de proteína de inseto, o consumo de água e ração, o espaço e a emissão de gases são muito menores do que na produção de outros animais que são fontes de proteína. Isto faz com que as pessoas que tenham alguma preocupação com o impacto que a sua alimentação tem no planeta sejam um mercado-alvo”, refere José Gonçalves.

Além das questões do ambiente, existem também as nutritivas: os três empresários garantem que estes alimentos estão cheios de nutrientes essenciais para o corpo humano. “Os insetos são riquíssimos em proteína, atingindo valores na casa dos 60 ou 65% de proteína. Mas não só: possuem todos os aminoácidos essenciais, o zinco, a vitamina B12, que é uma carência de pessoas que seguem um certo tipo de dieta como, por exemplo, os vegetarianos. Explorando esta via é possível aceder, por exemplo, aos desportistas, que muitas vezes procuram um consumo acrescido de proteína.

Como funciona o abate de um inseto? Tal como nas criações de bovinos ou suínos, as produções de insetos têm os seus timings e os produtores têm de ter em conta os seus ciclos de vida. Os grilos da Gotan Bugs, por exemplo, vivem entre “50 e 60 dias” desde que nascem até estarem prontos para consumo. Já os besouros da Portugal Bugs precisam de “três a quatro meses” para estarem preparados para seguirem para abate.

Este último processo é bastante diferente do que é usado nas fontes de proteínas convencionais. E variam de empresa para empresa. A Portugal Bugs, por exemplo, congela os tenébrios. Estes, quando em contacto com baixas temperaturas, hibernam. À medida que estas vão descendo, os tenébrios acabam por morrer. Já a Gotan Bugs usa um processo completamente diferente: os grilos são mergulhados em água a ferver – segundo Óscar Silva, basta o contacto com o ar quente para o inseto morrer, pois os grilos não conseguem sobreviver sequer no seu habitat natural se a temperatura ultrapassar os 35.ºC. Seja qual for o método, o resultado é o mesmo: aperitivos à base de bichinhos que costuma ver no seu jardim.