O levantamento foi feito pela prestigiada revista gaulesa France Football (exato, a que atribui a tão ansiada Bola de Ouro) e revela os maiores salários das grandes vedetas de futebol – masculino e feminino – em 2018. Como seria de esperar, a desigualdade é verdadeiramente abismal, ainda que os valores auferidos pelas melhores jogadoras da atualidade estejam a anos-luz do que era praticado até há bem pouco tempo.
No que respeita à identidade do futebolista mais bem pago do mundo, a surpresa não é grande: Messi é o homem. O astro argentino, que passou toda a carreira no Barcelona, ganhou um total de 130 milhões de euros – qualquer coisa como 10,8 milhões por mês -, num bolo que engloba salários, prémios e valores decorrentes de patrocínios e direitos de imagem. Em comparação, a jogadora mais bem paga, a norueguesa Ada Hegerberg – que em dezembro último se tornou a primeira mulher a ganhar a Bola de Ouro (da France Football, lá está) -, auferiu 400 mil euros (cerca de 33 mil por mês) no Lyon, de França.
É um valor ‘simpático’, não restam dúvidas disso. Mas, ainda assim, a uma distância colossal dos números que se praticam no futebol masculino: Ada ganhou 325 vezes menos que Messi. Nestas análises, todavia, é sempre preciso perceber os contextos e enquadrar os números: é igualmente gritante a disparidade de audiências e de procura – e de receitas, obviamente – que geram os grandes jogos do futebol masculino em comparação com o feminino.
Um cenário, todavia, que parece estar cada vez mais em mudança. Basta ver as incríveis assistências registadas nas últimas semanas em jogos dos campeonatos femininos de Espanha ou Itália: no dia 17 de março, mais de 60 mil pessoas (60739, recorde mundial a nível de clubes) assistiram ao vivo, no Estádio Metropolitano (que tem capacidade para 68 mil espetadores), ao Atlético de Madrid-Barcelona, para a 24.ª jornada da liga feminina espanhola; uma semana depois, 39 mil pessoas vibraram in loco com um Juventus-Fiorentina, na estreia da equipa feminina da vecchia signora no estádio do clube (com capacidade para 41 mil espetadores).
Aliás, nem é preciso ir tão longe: ainda no último sábado foi batido o recorde de assistências num jogo de futebol feminino em Portugal, com 15204 pessoas nas bancadas do Estádio do Restelo para assistir ao primeiro dérbi de sempre entre formações principais de Benfica e Sporting. É verdade que, neste caso, a vertente de solidariedade contou muito – a receita de bilheteira revertia na totalidade para as vítimas do ciclone Idai, em Moçambique; ainda assim, não deixam de ser números impressionantes para a realidade do futebol feminino no nosso país.
Prémios iguais para os dois géneros A luta pela quebra de tamanho fosso e desigualdade entre géneros tem conhecido grandes progressos nos últimos tempos. São cada vez mais os clubes a avançar para a criação de equipas femininas (temos, em Portugal, precisamente o mais recente exemplo do Benfica, que formou equipa sénior após reconhecer o sucesso das apostas de Sporting e Braga) e há até já países que optaram pela igualdade salarial entre futebolistas masculinos e femininas quando em representação das respetivas seleções nacionais – em 2017, a Noruega adotou essa medida, proposta pelos próprios atletas da seleção masculina, com a Nova Zelândia a anunciar a mesma tomada de posição em fevereiro passado. Recentemente, também a Adidas deu um passo nesse sentido ao anunciar prémios para as vencedoras do próximo Mundial feminino, que se disputará no verão em França, iguais aos que pagou aos seus patrocinados da seleção francesa no último Mundial masculino.
No início de março, as jogadoras da seleção feminina dos Estados Unidos colocaram um processo num tribunal distrital de Los Angeles contra a Federação norte-americana (USSF), ao abrigo da Lei de Equidade Salarial e da Lei dos Direitos Civis, queixando-se precisamente da desigualdade salarial e do que consideram ser discriminação de género para com os atletas da seleção masculina. Após a vitória no Mundial 2015, a seleção feminina norte-americana recebeu um prémio de 3,9 milhões de euros; um ano antes, a equipa masculina tinha-se ficado pelos oitavos-de-final no Mundial do Brasil e recebeu… 12,3 milhões de prémio.
Ada Hegerberg é, ela própria, um símbolo dessa luta na Noruega. A avançada de 23 anos, de resto, optou por deixar de representar a seleção do seu país após a eliminação no Europeu, em protesto contra as desigualdades que diz sentir no tratamento às futebolistas e ao futebol feminino no país. “É preciso fazer muito para as mulheres terem mais condições para jogar futebol. Isto é tudo sobre respeito, e acho que esse respeito não tem existido”, referiu após receber a Bola de Ouro, reiterando a decisão de não participar no Mundial que se jogará este verão em França.
Há duas semanas, a revista brasileira Veja publicou uma entrevista igualmente sugestiva com Alessa Alves, canarinha que enverga a camisola 10 no Barcelona. Ali, a atleta de 26 anos revelava-se a favor da atitude tomada pelas jogadoras norte-americanas e deixava um ‘lamento’. “Brigamos pelo reconhecimento, por mais valorização, por melhores condições de trabalho. Não queremos ter o salário de Messi ou Cristiano Ronaldo, sabemos que o masculino rende mais dinheiro, mas o que recebemos hoje é muito pouco. É uma vergonha. Queremos mais respeito e que o clube ofereça um pouco mais de estrutura, nada mais que isso. Apenas queremos boas condições para trabalhar, como os homens têm”, pedia, explicando que, se deixar de jogar agora, terá de trabalhar noutra profissão, “ao contrário de um jogador da Série B [do Brasil], que se investir o dinheiro que ganhou ao longo da carreira pode se aposentar”.
No Brasil, refira-se, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), juntamente com a CONMEBOL (organismo que regula todo o futebol sul-americano) exige que todas as equipas que disputam competições masculinas façam um investimento mínimo no futebol feminino e mantenham pelo menos uma equipa de mulheres em atividade permanente.
Há dez anos, Ronaldo era oitavo Voltando ao patamar realmente galático destes números, destaca-se a segunda posição de Cristiano Ronaldo na lista dos mais bem pagos: foram 113 os milhões a seguir para os bolsos do CR7, que no último verão trocou o Real Madrid pela Juventus. Neymar (PSG), com 91,5 milhões, completou o top-3.
Logo abaixo do pódio surgem Griezmann (Atlético de Madrid), com 44 milhões, e Bale (Real Madrid), que chegou aos 40,2 milhões. O primeiro jogador fora do top-5 é também o primeiro a competir fora da Europa: Iniesta, lenda do Barcelona que nos últimos dois anos abraçou a reforma dourada no Vissel Kobe, do Japão – foram 33 milhões de euros em 2018. Em nono aparece Ezequiel Lavezzi, ele que ainda há pouco mais de dois anos era o jogador mais bem pago do mundo: passou a auferir quase 2,5 milhões de euros por mês quando trocou o PSG pelos chineses do Hebei China Fortune. No ano passado recebeu ‘apenas’ 28,3 milhões por ano…
O crescimento dos valores na comparação com o que se praticava há uma década é impressionante. Em 2009, a mesma France Football listava Zlatan Ibrahimovic (então no Inter de Milão) e Kaká (ainda no AC Milan) como jogadores mais bem pagos do planeta, com um rendimento de… nove milhões de euros. Messi recebia 8,4 e era o terceiro da lista, com Cristiano Ronaldo ainda no Manchester United e a aparecer num modesto oitavo posto: ‘apenas’ 6,7 milhões.
Ainda em relação à lista divulgada ontem, da China, mas neste caso do campeão Shanghai SIPG, surgem outros dois nomes algo surpreendentes para uma contabilidade teoricamente fechada aos melhores do mundo: Oscar e Hulk. O médio brasileiro do conjunto orientado por Vítor Pereira ganhou 24,3 milhões de euros anuais – tanto como Aguero, do Manchester City -, e ocupa o 15.º lugar desta lista; o antigo avançado do FC Porto aparece no 18.º posto, com ganhos em 2018 de 23,4 milhões: mais do que Pogba (23,3) ou Sergio Ramos (23).
E, por falar em Vítor Pereira, o treinador bicampeão nacional pelo FC Porto entre 2011 e 2013 foi o terceiro mais bem pago por entre os portugueses: 7,5 milhões, tal como Nico Kovac no Bayern Munique… ou Zinedine Zidane no Real Madrid. Mais acima, em nono, aparece Leonardo Jardim, que no Mónaco recebeu 13 milhões de euros, tanto como Marcello Lippi na seleção da China e Jurgen Klopp no Liverpool.
O melhor português, mais uma vez, é José Mourinho. O Special One, de resto, foi o segundo treinador mais bem pago do mundo em 2018: 31 milhões de euros enquanto orientou o Manchester United. Melhor só Diego Simeone: os ganhos do treinador do Atlético de Madrid andaram na ordem dos 41 milhões de euros. O mais surpreendente nesta lista será mesmo o terceiro: Thierry Henry, que até ao Mundial foi adjunto de Roberto Martínez na seleção da Bélgica e depois teve uma breve passagem como técnico principal do Mónaco, ganhou mesmo assim incríveis 25,5 milhões de euros – mais do que Pep Guardiola recebeu do Manchester City (24) ou Ernesto Valverde do Barcelona (23).