O problema deve estar no queijo


Há coisas que impressionam na nossa vida nacional e duas delas são a falta de memória e a falta de decoro.


1. Impressiona a falta de memória que assalta certos altos dirigentes de setores que envolvem dinheiro público ou de grandes grupos quando são chamados ao Parlamento. Constâncio não se lembra de uma carta de que todo o país ouviu falar a propósito da situação da Caixa Geral de Depósitos – uma missiva que Almerindo Marques diz, no entanto, que enviou. Carlos Costa também não tem bem memória de certas coisas e, há uns anos, Zeinal Bava apresentava sintomas preocupantes de amnésia quando foi depor na Assembleia. Como não passa pela cabeça de ninguém que qualquer pessoa com tamanhas responsabilidades passadas possa simular uma falha memorial, só há uma explicação possível para o fenómeno: é o queijo! É consabido que o queijo faz mal à memória. Serra, Serpa, Azeitão, Nisa, S. Jorge, Rabaçal, Camembert, Brie, Pavin, Bleu D’Auvergne, Reblochon, Emmental, Manchego ou simplesmente Limiano são delícias a evitar a todo o custo quando se está em certas funções. Enfim… sacrifícios feitos a bem da nação que, enternecida, deveria tomar boa nota desse esforço. Talvez bonificando as reformas, quem sabe? Afinal, não comer queijo parece ser fator de desgaste rápido. Talvez Vieira da Silva possa dar um jeito nestes raríssimos casos. Fica a sugestão…

 

2. Nepotismo, endogamia ou seja o que for que lhe queiram chamar, a verdade é que a questão dos parentescos na política saltou para a ordem do dia da pior maneira, por causa dos excessos em que o PS incorreu. A questão é, porém, simples. Não está propriamente em causa a circunstância de pessoas da mesma família, nomeadamente marido e mulher e pais e filhos, terem atividade política ao mesmo tempo, desde que sejam eleitos. Agora, se são nomeados e, por exemplo, tomam assento num órgão colegial como é o caso de um conselho de ministros ou, mais genericamente, um governo, são situações que obviamente se devem evitar. Como aqui já se referiu, no último Executivo de Passos houve um filho que não aceitou ser secretário de Estado porque o pai era ministro. A isso chama-se ética, caráter ou simplesmente decoro, coisas que manifestamente se tornam raras. O que se passa hoje é grave e já se percebeu que pode ter efeitos eleitorais, por muitos passes sociais que se outorguem. Aliás, a questão dos passes também é simples. Se há dinheiro para isso, a medida peca por tardia. A partir de 2020, logo saberemos se havia ou não. Mas é legítimo temer o pior. Basta lembrar os 4,7% de aumento dados por Sócrates aos funcionários públicos, meses antes de a nossa economia estoirar e vir a troika. Quem não come muito queijo lembra-se disso.

 

3. Vista através dos números ou a partir dos distantes centros de análise macro, a economia portuguesa apresenta-se bem. Mas uma coisa é ver fotografias e outra é estar nos sítios. Os dados, em geral e abstrato, são bons, são excelentes e são extraordinários até. Mas a realidade para quem vive no retângulo supostamente maravilhoso é bem diferente. Como o demonstram vários estudos, tudo foi conseguido à conta de mais uma subida monstruosa de impostos (que podem atingir 75% do rendimento, se somarmos IRS, IVA, ISP e mais taxas e taxinhas, a que convém juntar pagamentos tipo comissões à Caixa Geral de Depósitos, parquímetros, etc.).

As contas nacionais apresentam uma saúde que foi feita também à custa de continuados sacrifícios dos portugueses, nomeadamente por cortes na saúde e na segurança social, penalizando reformados e aqueles que estão perto de deixar de trabalhar, os quais continuam a sofrer penalizações como o fator de sustentabilidade, que é uma migalha ao pé do que se dá à banca.

O consumo está assente num excessivo recurso ao crédito, o que pode gerar problemas a prazo, tendo um efeito imediato no crescimento da dívida pública e privada face ao exterior, a qual atinge valores astronómicos. A perspetiva de uma desaceleração económica é uma probabilidade alta na medida em que a Alemanha está a patinar no plano da produção, enquanto o seu sistema financeiro apresenta manifestas dificuldades, demonstradas pela necessidade de fusão dos dois grandes bancos daquele país.

Este raciocínio não é de Velho do Restelo nem pretende comparar a situação atual com a que foi legada pelo megalómano governo de Sócrates e Teixeira dos Santos. Nada é comparável, mas também não o é a forma como as instâncias internacionais olham para os países, depois de terem imposto medidas de ajustamento que se revelaram muitas vezes desadequadas e excessivas. Há, portanto, uma conjuntura de tolerância e benevolência que permite esticar certas políticas e dar aos cidadãos uma ideia de prosperidade aparente que é especialmente empolada quando se aproximam momentos eleitorais. E é esse o caso atual. As contas verdadeiras, para o bem e para o mal, são as do ano pós-legislativas.

 

4. Estamos em seca e não tenhamos dúvida que é da severa. Mesmo que chova alguma coisa, dificilmente a situação se pode inverter. Daqui até outubro ou novembro, o risco potencial de incêndios é enorme, com tudo o que dramaticamente sabemos que isso comporta. Além do problema climático, que parece plasmar a funesta situação de há dois anos, vão-se sucedendo notícias preocupantes sobre a organização de proteção civil e, dentro dela, dos bombeiros. Este ano não houve a mesma mobilização e fiscalização relativamente à limpeza das matas. Era bom que estas preocupações se revelassem exageradas. Mas, caso se repitam situações gravíssimas de destruição, mesmo sem perda de vidas humanas, é importante esclarecer já que não há desculpa para falhas evitáveis por parte das autoridades operacionais ou políticas. E na primeira linha de responsabilidade está o Governo que, à boa maneira do que tem feito noutras áreas, anunciou linhas de crédito para permitir às autarquias substituírem-se a certos proprietários, mas não mandou o dinheiro. Enfim… o costume na cativadora mas não cativante dupla Costa/Centeno.

 

Escreve à quarta-feira