Médicos de família. Quanto tempo até chegarem a todos?

Médicos de família. Quanto tempo até chegarem a todos?


O número de portugueses sem médico baixou 33% desde 2015 mas ainda há 692 mil à espera. Presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo adianta ao i que a expectativa é dar médico a cerca 200 mil utentes até ao fim do ano. Ficarão a faltar 300 mil.


A promessa vem da última legislatura, foi repetida nos últimos anos e ontem a pergunta tornou a ser feita à ministra da Saúde por um ouvinte da Antena 1: “Quando é que haverá médico de família para todos os portugueses?”. Marta Temido, que na semana passada assumiu que a meta do final da legislatura não deverá ser atingida, não deu uma data. “Se conseguíssemos que todos os jovens recém-especialistas que terminaram o seu internato agora em março ficassem no SNS, seria possível ter médico de família para todos os portugueses até ao final do ano”, disse a ministra da Saúde, reconhecendo que esse cenário não parece possível. “Ficaremos próximos da meta mas não iremos exatamente atingi-la”, indicou. Os últimos dados do Ministério, referentes a março, dão conta de 692 mil portugueses sem médico. Quanto tempo será preciso esperar?

O cenário traçado com os dados disponibilizados mensalmente pela tutela mostram desde já que que a região de Lisboa é a que tem ainda uma maior carência de médicos. Em março, dos 692 mil utente sem médico, 561 mil são pessoas que pertencem a centros de saúde dos distritos de Lisboa, Setúbal e Santarém. Na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo ainda não existe nenhum agrupamento de centros de saúde (ACES) que já tenha conseguido a cobertura total de médicos de família, o que contrasta com o retrato da região Norte, onde já uma dezena de ACES garantem médico a todos os utentes inscritos. Fora da região Norte, que é a que tem há vários anos a melhor cobertura de médicos de família – 98,9 % da população tem médico – existe apenas um agrupamento de centros de saúde que dá esta resposta a todos os inscritos, o ACES Alentejo Central, que abrange concelhos como Évora ou Vila Viçosa.

Na região de Lisboa, 15% dos utentes não têm médico e há unidades onde as carências deixam uma fatia bastante maior da população descoberta. O agrupamento de centros de Saúde de Sintra é o que regista os piores indicadores, com 79 mil utentes à espera de médico de família (22% dos inscritos). Os dados publicados no portal do SNS permitem ir mais longe na análise. Neste ACES, as maiores dificuldades verificam-se neste momento no centro de saúde do Algueirão – tem 42 844 utentes inscritos, mas os dez médicos de família que lá trabalham só chegam para 17 707 utentes. Os restantes 24 854 estão dependentes de consultas de recurso. O centro de saúde de Agualva, onde o portal do SNS dá conta de cinco médicos, tem 18 mil utentes a aguardar que lhes seja atribuído médico de família e apenas 8 mil com esta resposta assegurada.

Luís Pisco, presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, reconhece ao i que este é um dos ACES com mais dificuldade. É também o maior. O responsável assinala, porém, que o cenário na região está melhor do que há uns anos, quando chegou a haver um milhão de utentes sem médico.

No último concurso para recrutar recém-especialistas, foram abertas 50 vagas na região nos centros de saúde mais carenciados mas só 35 foram ocupadas. “Como nos últimos anos têm aberto mais vagas do que o número de candidatos, ficam sempre a faltar nos mesmos locais, no caso de Lisboa e Vale do Tejo a zona de Setúbal e outros locais da margem Sul e Sintra”. O responsável salienta que o investimento que tem sido feito pela ACSS e pela Câmara Municipal de Sintra em novos edifícios deverá permitir atrair mais jovens médicos no futuro. A expectativa é que seja possível contratar cerca de 100 médicos no concurso que terminará no verão e colocará os médicos que concluíram a especialidade em março. Se cada um dos médicos tiver uma lista de 1750 utentes, deverão garantir resposta a cerca de 200 mil utentes, diz Luís Pisco. Ainda assim, 300 mil deverão continuar à espera. O médico assinala que o balanço, mesmo o atual, é o melhor de que há registo na região. “Entre 2008 e 2014 teremos perdido 900 médicos por reforma e saídas e isso é algo que não se recupera de imediato. De 2015 para cá têm entrado mais médicos do que saem.”

As projeções disponíveis no site do Ministério apontam no mesmo sentido. Depois do aumento das vagas para o internato de medicina geral e familiar no Governo de José Sócrates, quando passaram a representar 30% da oferta formativa no SNS, houve um reforço desta área. Este ano prevê-se que 453 médicos concluam a especialidade, o número mais elevado de sempre. Por outro lado, também se prevê um pico de reformas nos próximos anos – em 2021 está prevista a saída de 483 médicos.

Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), tem dúvidas de que a falta de médicos de família se resolva no curto prazo e responsabiliza o Governo. “Se fossem feitos concursos para assistentes graduados e assistentes seniores e houvesse progressão na carreira, se os concursos para recém-especialistas abrissem mais rápido – foi preciso uma resolução da Assembleia da República para abrirem no espaço do mês, quando chegou a haver esperas de meses – não havia médicos a pensar em sair do SNS logo no internato. Se abrissem mais Unidades de Saúde Familiar do tipo B [atribuem incentivos financeiros aos profissionais em função do desempenho], o problema seria mitigado”, diz Roque da Cunha.

“Se houvesse mais celeridade e mais incentivos, daqui a dois ou quatro anos resolvia-se, assim nem nos próximos dez. A opção de injetar num banco 5 mil milhões de euros ou de dar exatamente o mesmo valor às empresas de transportes públicos, financiando cidadãos independentemente do seu rendimento, em vez de investir no SNS é uma opção política”, diz o médico, salientando que é preciso acrescentar aos 692 mil portugueses que não têm médico os utentes do Alentejo, em que a resposta é assegurada por médicos cubanos, que não são especialistas em medicina geral e familiar.

Roque da Cunha refere ainda os casos em que a resposta é assegurada por médicos reformados que regressaram ao SNS e que dentro de alguns anos sairão. “Um dos aspetos que foi sempre prometido aos sindicatos foi que as vagas ocupadas por estes médicos reformados seriam postas em concurso. Neste momento não faz sentido jovens médicos não se poderem fixar nestes locais.”

Questionado pelo i, o Ministério da Saúde admitiu que neste momento seriam necessários cerca de 450 médicos para garantir a resposta a toda a população. O próximo concurso para colocação de recém-especialistas deverá abrir no espaço de 30 dias logo que sejam homologadas as notas do exame do ciclo que terminou em março, processo que ainda está a decorrer, informou a tutela. O Ministério indica que dos 1427 médicos de família que se formaram no SNS desde 2015, 1254 ficaram a trabalhar no SNS e 173 saíram, uma retenção de 88%.

Consulte aqui uma infografia referente a estes dados.