Chegam cada vez com mais frequência e mais avassaladores; arrasam tudo quanto encontram pela frente e deixam um rasto de destruição e morte; são chamados fenómenos climatéricos extremos; são filhos das alterações climáticas, que mais não são do que bramidos de cólera da mãe natureza, cansada de ser maltratada, agredida; incapaz de se fazer ouvir, respeitar, a não ser pela violência dos seus protestos. E nem assim os humanos se mostram resolvidos a arrepiar caminho!
As consequências do ciclone Idai alimentam ainda os noticiários – e a nós, portugueses, toca-nos particularmente a tragédia que se abateu sobre Moçambique –, até que nova catástrofe natural venha ocupar o espaço mediático. O Idai inchou dramaticamente as cheias endémicas moçambicanas, mas a endemia não se ficou por aqui: com o descer das águas chegaram as ameaças de cólera, malária e tifo; o primeiro surto de cólera já foi confirmado. E o mais que se verá…
A propósito de chegada, esta não infeliz, muito pelo contrário, digna de exaltação, chegou a Vila Nova de Gaia, em meados de Fevereiro para ficar até final de Abril, uma exposição de Paula Rego, patente na Casa-Museu Teixeira Lopes, mais precisamente nas Galerias Diogo de Macedo. O museu foi instalado na casa onde viveu António Teixeira Lopes, edifício oitocentista rústico em pleno centro da cidade – projectado pelo irmão do escultor, arquitecto José Teixeira Lopes –, e permite mergulhar na intimidade do artista e admirar o notável espólio que nos legou: não só a sua obra escultórica como também uma interessante colecção de artes decorativas e pintura portuguesa. À casa-mãe foi acoplado um edifício mais recente, as tais Galerias Diogo Macedo, escultor e grande amigo do Mestre, cujo espólio está também acessível ao público. Resumindo, o importante e valioso acervo dos dois escultores acessível ao público através de um projecto de musealização de iniciativa municipal. De louvar! Como igualmente de louvar a excelente exposição, porque inesperada: “Paula Rego 1982-2006: Uma Selecção”, feita a partir da colecção da Casa das Histórias Paula Rego, de Cascais. Lá nos deparamos com desenhos e pinturas que nos remetem para o fantástico imaginário de infância da artista, como que metamorfoseando homens e bichos ao humanizar animais e animalizar humanos – v.g. a série Mulher Cão –, num registo assombroso que nos conduz a um estado de maravilha! Goste-se ou não, é única esta Paula Rego! Um orgulho nacional internacionalmente reconhecido.
E, sempre que possível, prédica com mar ao fundo. Não um mar de escolhos, enlameado, mas um mar limpo, o azul-marinho em contraste perfeito com o azul-celeste. O dia estava luminoso, o azul do mar riscado com vergastadas de verde, a sinalizar o vento que bulia, apenas debruado a branco, num rendilhado de espuma que lambia mansamente a areia da praia. Areal extenso, asseado, e praias de enfiada, cosidas por um longo passeio marítimo, adornadas com passadiços de madeira por sobre o cordão dunar, devidamente protegido, entenda-se. E tantas vezes, até demais, confrontadas com os caixotes de betão que a sanha imobiliária, que a recente crise ameaçou, se encarrega de espalhar. Lamentavelmente, nas belas praias de Gaia.
Gestora
Escreve quinzenalmente, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990