1. Foi uma semana verdadeiramente terrível e embaraçosa. Terrível, porque a falência do atual sistema democrático português ficou à mostra de todos – só por puro fanatismo ideológico ou cegueira política qualificada se poderá (sequer) tentar legitimar a promiscuidade mais pornográfica que alguma vez se verificou em Portugal entre Estado e uma agremiação de interesses privados especiais (ainda é um partido?) chamada PS. Embaraçosa, porque, afinal de contas, independentemente do Governo em exercício de funções e da respetiva força política de apoio, somos todos portugueses. Devemos todos respeito às instituições político-constitucionais que dão corpo aos valores democráticos que tanto prezamos e dos quais não prescindimos nem tão-pouco discutimos – o Governo de António Costa e da sua trupe geringonçada é o nosso Governo. É o Governo da pátria que tanto amamos; são eles que decidem em nosso nome, são eles a cara do poder político (pelo menos, formal) português lá fora.
2. A vergonha de António Costa é a nossa vergonha coletiva. Com uma diferença: é que António Costa é o exemplo mais lídimo de um político que não tem um pingo de vergonha, que não sente embaraço e que não nutre o mínimo sentimento de patriotismo. Para Costa, ser primeiro-ministro da República Portuguesa ou ser primeiro-ministro da República Socialista das Bananas é exatamente a mesma realidade. Porventura, confessamos, António Costa até gostaria mais da República Socialista das Bananas (é mais o seu estilo e está mais próximo da sua ideologia política); no entanto, o que realmente preocupa e motiva o “geringonça boy” supremo é o poder. Tem uma obsessão pelo poder, custe o que custar. E fará tudo o que for necessário para construir (ou melhor, reforçar) a sua rede imensa de poder, perpetuando na administração pública o que eventualmente vier a perder pelo voto do povo português. Controlando a administração pública, António Costa sabe que as eleições – essa coisa que socialistas e a esquerda odeiam tanto! – são uma mera formalidade para entreter o povo, dando-lhe a sensação de que ainda retém algum poder.
3. Ora é este contexto que explica a palhaçada – pedimos desculpa: não há outra adjetivação possível face à gravidade daquilo a que assistimos na semana transata – das nomeações familiares em catadupa; seguida de um passa-culpas entre Carlos César (olhem só quem!) e membros do PSD (com Luís Marques Mendes e a irmã a serem trazidos para o debate); e, para compor o ramalhete, uma discussão pública entre o atual Presidente da República e o anterior sobre quem é que nomeou os membros do Governo, os seus familiares e os familiares dos familiares desses mesmos membros do Governo. Marcelo Rebelo de Sousa provou, mais uma vez, que não sabe lidar com a pressão e com momentos políticos difíceis: então não foi este Presidente Rebelo de Sousa que, em setembro, a propósito da substituição da procuradora-geral da República, afirmou que Cavaco Silva revelara falta de sentido de Estado por criticar a sua decisão – e que nunca faria o mesmo ao seu sucessor? Pois… Não sabemos se fará ao sucessor; o que sabemos é que Marcelo, em pleno exercício de funções, aplicando o seu critério, já mostrou falta de sentido de Estado face ao seu antecessor. Mais: quando Rui Rio, a propósito da última remodelação governamental, suscitou o problema do excesso de ligações familiares no Governo, Marcelo desautorizou o líder do PSD, asseverando que não havia problema algum: as pessoas em causa eram muito meritórias. Como pode agora, sem cair em flagrante incongruência, vir assacar as culpas das nomeações familiares socialistas a Cavaco Silva? Marcelo, ao dar então o sinal errado, perdeu espaço para intervir e permitiu que os socialistas usassem a máquina do Estado como mero prolongamento da agência de emprego do Largo do Rato. Atenção: não sabemos se o filme já está todo visto ou se não haverá uma família mais alargada por entre a monstruosa máquina do Estado. Parece-nos que, por ora, conhecemos apenas o (Largo do) Rato escondido que pôs o rabo de fora… Não admira que o PS ande sempre a dar-nos música sobre os méritos da intervenção pública. Pudera! Caso contrário, a enorme família socialista perderia o seu sustento…
4. Dito isto, o mais desconcertante é que, volvidos mais de 40 anos da instauração do regime democrático, Portugal, em 2019, ande a discutir ligações familiares entre membros do Governo e altos cargos da administração pública – para além da captura do Estado por um partido político. Esta discussão é própria de um regime do quinto ou sexto mundo, de uma democracia ainda incipiente. António Costa, Carlos César, as várias personalidades que tentaram convencer-nos de que esta promiscuidade familiar é absolutamente normal, o próprio Presidente Marcelo, por inação em tempo devido, demonstraram–nos que a democracia portuguesa ainda é a de um país subdesenvolvido. Já nem nas democracias do leste europeu – cujas democracias são mais jovens que a nossa – esta questão de confusão entre o Estado e o partido político se coloca com a intensidade que constatamos hoje no nosso país. Por isso, Portugal – logo, todos nós, portugueses – é motivo de chacota em Espanha (em diferentes jornais, mesmo com ligações ao PS), nos EUA, mesmo no Brasil e em Itália. Portugal, um país que se quer afirmar lá fora como uma nação moderna, cosmopolita, dinâmica, jovem, sem fraturas políticas, depois é notícia por um problema típico do quinto-mundismo que se julgava resolvido, pelo menos, desde o séc. xix. António Costa envergonhou os portugueses. Ele não quer saber, pois, de uma forma ou de outra, ficará sempre bem; resta descobrir se nós, povo português, (ainda) queremos saber da credibilidade das nossas instituições e da dignidade da nossa República.
5. Não nos venham, no entanto, com a conversa – iniciada por Marcelo Rebelo de Sousa e depois repetida acriticamente pelos seus acólitos – de que não há democracias iliberais. Sim, há democracias que não comportam elementos de liberdade material – Portugal é um desses casos. Temos democracia, mas não temos verdadeira liberdade. O domínio asfixiante do PS e da esquerda radical é avassalador, diminuindo as condições efetivas da liberdade de cada um de nós. Só nós – o povo – poderemos acabar com esta bandalheira e restituir a racionalidade às instituições democráticas que tanto prezamos. Não percamos mais tempo.
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Escreve à terça-feira