Portugal é um dos países mais otimistas no que diz respeito ao crescimento de crédito ao consumo nos próximos anos. O maior aumento será sentido no crédito pessoal. Esta é uma das conclusões do estudo da Roland Berger – empresa global de consultoria estratégica sediada em Munique –, que elaborou um relatório sobre tendências e desafios no setor.
Os dados são animadores. Mais de um terço dos portugueses inquiridos acreditam num crescimento acima de 10%, diz o estudo que avaliou as expetativas e tendências para o crédito ao consumo para o ano de 2021, envolvendo 92 entidades financeiras de 13 países.
Quando questionado pelo i sobre o porquê de os portugueses estarem mais otimistas, Luís Baptista, da Roland Berger, explica que “apesar de o survey não questionar ou aprofundar as razões por detrás de cada resposta dada pelos participantes, do que temos falado com diversos players de mercado, temos a perceção de que as instituições financeiras nacionais estão otimistas não só porque existe um clima económico mais favorável, com o crescimento do PIB e uma taxa de desemprego em valores mínimos, o que se traduz num clima mais propenso ao consumo”, refere. No entanto, o responsável lembra que “se compararmos com os valores pré-crise, o crédito ao consumo encontra-se ainda significativamente abaixo desses valores”.
Além disso, a Roland Berger acredita que a “vertente digital – que é uma clara tendência e aposta em todos os mercados europeus – em Portugal, como o estudo demonstra, apresenta ainda valores de adoção efetiva relativamente baixos quando comparados com outros países europeus, o que nos leva a perspetivar que existe uma significativa margem de colocação através destes canais”, avançou.
O responsável explicou ainda ao i que o crédito ao consumo registou um ajustamento muito forte no período pós-crise e, a partir de 2014, começaram a ser levadas a cabo um conjunto de decisões de consumo “que durante alguns anos foram adiadas devido a uma maior incerteza e pessimismo sobre o futuro mais imediato”, dando como exemplo a troca de carro.
E os números falam por si. De acordo com os últimos dados divulgados pelo Banco de Portugal (BdP), a concessão de crédito tem vindo a bater recordes atrás de recordes. No crédito pessoal foram concedidos 248 milhões de euros em janeiro, o que representa um aumento de 1,8% face a igual período do ano passado. Já no crédito automóvel foram emprestados 222 milhões de euros – ainda assim, uma redução de 2,9% relativamente ao período homólogo. Já o valor concedido para cartões foi de 96 milhões de euros, um aumento de 4,7% em relação ao mesmo período do ano passado. Feitas as contas, as entidades concederam 566 milhões de euros em janeiro, o que dá uma média de mais de 28 milhões de euros por dia.
No entanto, tendo em conta apenas os valores concedidos pelas sociedades financeiras, o número fica aquém. Em 2018 foi concedido um total de 7350 mil milhões, um novo máximo desde 2013, o que representa cerca de 20 milhões diários. Só o crédito automóvel totalizou 3120 milhões (42%) e um aumento de 12% face ao ano anterior, enquanto o crédito pessoal se fixou em 3069 milhões (42%), um aumento de 11% quando comparado com o ano anterior. Mais de mil milhões de euros (15%) e com um aumento de 0,41% em relação a 2017 são os valores apresentados para cartões de crédito e outro revolving, enquanto os créditos para outros fins apresentaram em 2018 um total de 86,7 milhões de euros, um aumento de 39,5% em relação ao ano anterior.
Conclusões não surpreendem Luís Baptista garante que as conclusões desde estudo não foram fator de surpresa “na medida em que acompanhamos de muito perto a realidade do setor financeiro”, o que permite “ter uma sensibilidade sobre o que as entidades (e os seus clientes) estão a perspetivar e de que forma estão a projetar a sua atividade e estratégia para o futuro. Tem sido clara a aposta da generalidade das instituições financeiras no crédito ao consumo, enquanto alavanca de geração de valor, em particular após os ajustamentos significativos e rentabilidades negativas verificadas durante alguns anos”.
O responsável acrescentou ainda ao i que, para os clientes, o crédito ao consumo, nas suas várias vertentes – automóvel, pessoal, cartões de crédito, entre outros –, é uma forma de antecipar ou concretizar algumas das suas decisões de consumo.
Apesar de os dados revelados serem os que se aguardavam, houve lugar para surpresas. “Ficámos agradavelmente surpreendidos com o nível de ambição da adoção digital de grande parte das entidades que responderam (com destaque particular para Portugal), o que demonstra que a tendência e investimento que já hoje sentimos e verificamos irão conhecer um significativo incremento, confirmando que a forma e os canais de interação entre os clientes e as instituições financeiras estão num ciclo de mudança”, frisou.
Questionado sobre se o possível aumento de juros poderá inverter a tendência revelada por este estudo, Luís Baptista confessa que poderá “ser uma limitação à expansão do crédito ao consumo. No entanto, por outro lado, à medida que as instituições financeiras adotam os novos canais digitais, por inerência mais eficientes do ponto de vista do serviço e do custo, poderão, se assim entenderem, começar a praticar níveis de taxa de juro mais competitivos, assim mitigando um potencial abrandamento”.
Luís Baptista acredita que “o Banco de Portugal, no âmbito do seu papel de supervisor, não irá restringir ou impor limitações ao crédito ao consumo (ou outros créditos) de forma direta”. Contudo, considera que o banco central “irá ter uma postura vigilante de monitorização da realidade, assegurando que as entidades financeiras cumprem com os normativos regulamentares em matérias de solvabilidade e capital e na responsabilidade pela promoção e contratação dos créditos”, disse, acrescentando que “é indiscutível que o enquadramento regulamentar e as exigências de reporte atuais das instituições financeiras são hoje muito mais significativas”.
Regras apertadas A verdade é que o BdP tem vindo a fazer algumas restrições no que diz respeito à concessão de crédito. As novas recomendações do regulador têm como objetivo limitar os empréstimos por parte das instituições financeiras, de forma que as famílias apenas gastem metade do seu rendimento com empréstimos bancários, e também que os bancos não assumam riscos excessivos nos novos créditos, garantindo que os clientes tenham capacidade de pagar as dívidas.
Essa cautela foi também assumida pelo secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, ao chamar, na altura, a atenção para o facto de os bancos deverem ter cautela na concessão de crédito, especialmente ao consumo, para não pôr em causa o trabalho feito para tornar as instituições mais sólidas, e pedir “vigilância”.
Para já, estas regras são apenas uma recomendação – ainda que os bancos que não as cumpram tenham de se explicar – mas, no ano passado, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, avisou no Parlamento que, se os bancos não as respeitarem, poderão passar de recomendações a ordens vinculativas.