Um eurodeputado mata-mouros


Rangel está sempre, mais do que irado, iracundo; o seu acinte é permanente; para ele, o adversário só pode ser um inimigo da liberdade e não vale um arrátel de peso político.


Eu cá sou sincero e não poupo nos adjectivos. O eurodeputado Paulo Rangel é, a meu ver, um político impertinente, desconchavado e trauliteiro. Que muito se assemelha a um caso de perturbação narcísica da personalidade. Mas nem sei se será preciso ir tão longe. Talvez seja só um político fanfarrão e quezilento que não precisa de psicanálise. Similarmente, a impertinência das suas investidas não carece de demonstração. Outro tanto se diga do seu desconchavo: Rangel está sempre, mais do que irado, iracundo; o seu acinte é permanente; para ele, o adversário só pode ser um inimigo da liberdade e não vale, politicamente, um arrátel – ou seja, 459 gramas – de peso político.

Quando vejo este eurodeputado mata–mouros a vociferar na TV, a ideia que me ocorre é ou a de uma criança desinquieta a brincar à política com um linguajar de varapau, ou a de um “apalhaçado flautista de Hamelin”, como um esculápio se atreveu a alcunhar Donald Trump ao ouvir o bisonho Presidente dos States num dos seus piores acessos de disenteria verbal. Saúde-se, ainda assim, a exaltação com que o luso eurodeputado vibra cacetadas, mas registem-se os raros danos provocados, apesar da iracúndia do mariola. Sempre que ele entra em acção, faz-me lembrar o “valente” capitão do corpo de Caçadores 3 – por alcunha, o “cabeça de sete comarcas” – que, com uma dezena de sargentos à ilharga, assaltou Camilo na Rua Direita de Vila Real e lhe “ofertou – afirma o escritor – uma dose de chicote”, avisando-o de que “necessitava de uma orelha” sua. Como se não tivesse bastado a Camilo ter sido “traiçoeiramente cacetado pelo famoso olhos-de-
-boi, lugar-tenente do governador civil”, do bando dos cabrais. Ora, quando o eurodeputado ferrabrás desata à cacetada, digo, como Camilo, não “esperar que braço tão robusto, e tão robustamente autorizado, se portasse jamais doutra maneira”. Mas, atenção, longe de mim estar aqui a chamar olhos-de-
-boi ao eurodeputado!

Retomando o tema da perturbação narcísica da personalidade, o psiquiatra americano Allen Frances, que estabeleceu os critérios que definem essa perturbação – e autor do livro O Fim da Racionalidade Americana – um Psiquiatra analisa a era de Trump –, já fez questão de esclarecer, referindo-se ao caso do actual Presidente dos EUA, que “ser um narcisista do pior não faz com que Trump seja psiquicamente doente”. Ele admite que os critérios que fixou assentam em Trump como uma luva – a vaidade incontida; a preocupação de estar sempre a dizer que é o melhor; achar-se alguém especial; fazer-se acompanhar por pessoas que ele considera especiais; sentir-se legitimado; ter falta de empatia; ser abusador, invejoso e arrogante – mas logo acrescenta que, “para um diagnóstico de perturbação narcísica da personalidade, é fundamental a identificação de comportamentos que causem no próprio uma aflição ou deterioração clinicamente significativas”. O que não sucede com Trump. Nem, creio eu, com Paulo Rangel, ainda que quase todos os referidos critérios também assentem neste como luvas.

Todavia, se é verdade que – como afirma Allen Frances – “Trump é uma ameaça para os EUA. e para o mundo, não por ser clinicamente louco mas por ser muito mau”, outro tanto não ousarei dizer do vetusto eurodeputado luso. De facto, não parece que ele seja uma séria ameaça para Portugal, e o seu comportamento agressivo, desalmado e trauliteiro até poderá ser mais nefasto para o PPD-PSD, partido a que pertence, e que continua longe de parecer o que julga ser: social-democrata. Trump é o idiota clássico: fanfarrão, tempestuoso e intimidante, tal como se apresentava no seu reality show. Já o eurodeputado Rangel desejaria que a campanha eleitoral em curso se tornasse um reality show permanente – mas em vão. O “eleitor telespectador” prefere de longe os programas mais escandalosos e picantes dos canais privados de televisão.

Convirá, no entanto, estar atento à inevitável contaminação do discurso “entre-portas” dos actuais dirigentes do PPD-PSD, designadamente do presidente, Rui Rio, pelo estilo excessivo, iracundo e trauliteiro do eurodeputado Rangel. Claro que a necessidade de votos aguça a demagogia! E até o aparentemente tão sábio e prudente Rui Rio já abriu as “comportas” para debitar declarações confrangedoras sobre os “laços de família” de quatro membros deste Executivo, e para responsabilizar o Governo pela meteorologia, a secura das matas e o vento bem forte que, em conjugação, contribuem para o flagelo recorrente dos incêndios neste país. Parece que não há, à direita, quem evite conduzir a delicada inteligência da multidão cor-de-laranja pelas estranhas e dolorosas ruas da amargura e da especulação, onde é fácil inventar cabalas e destruir papões.

 

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990 


Um eurodeputado mata-mouros


Rangel está sempre, mais do que irado, iracundo; o seu acinte é permanente; para ele, o adversário só pode ser um inimigo da liberdade e não vale um arrátel de peso político.


Eu cá sou sincero e não poupo nos adjectivos. O eurodeputado Paulo Rangel é, a meu ver, um político impertinente, desconchavado e trauliteiro. Que muito se assemelha a um caso de perturbação narcísica da personalidade. Mas nem sei se será preciso ir tão longe. Talvez seja só um político fanfarrão e quezilento que não precisa de psicanálise. Similarmente, a impertinência das suas investidas não carece de demonstração. Outro tanto se diga do seu desconchavo: Rangel está sempre, mais do que irado, iracundo; o seu acinte é permanente; para ele, o adversário só pode ser um inimigo da liberdade e não vale, politicamente, um arrátel – ou seja, 459 gramas – de peso político.

Quando vejo este eurodeputado mata–mouros a vociferar na TV, a ideia que me ocorre é ou a de uma criança desinquieta a brincar à política com um linguajar de varapau, ou a de um “apalhaçado flautista de Hamelin”, como um esculápio se atreveu a alcunhar Donald Trump ao ouvir o bisonho Presidente dos States num dos seus piores acessos de disenteria verbal. Saúde-se, ainda assim, a exaltação com que o luso eurodeputado vibra cacetadas, mas registem-se os raros danos provocados, apesar da iracúndia do mariola. Sempre que ele entra em acção, faz-me lembrar o “valente” capitão do corpo de Caçadores 3 – por alcunha, o “cabeça de sete comarcas” – que, com uma dezena de sargentos à ilharga, assaltou Camilo na Rua Direita de Vila Real e lhe “ofertou – afirma o escritor – uma dose de chicote”, avisando-o de que “necessitava de uma orelha” sua. Como se não tivesse bastado a Camilo ter sido “traiçoeiramente cacetado pelo famoso olhos-de-
-boi, lugar-tenente do governador civil”, do bando dos cabrais. Ora, quando o eurodeputado ferrabrás desata à cacetada, digo, como Camilo, não “esperar que braço tão robusto, e tão robustamente autorizado, se portasse jamais doutra maneira”. Mas, atenção, longe de mim estar aqui a chamar olhos-de-
-boi ao eurodeputado!

Retomando o tema da perturbação narcísica da personalidade, o psiquiatra americano Allen Frances, que estabeleceu os critérios que definem essa perturbação – e autor do livro O Fim da Racionalidade Americana – um Psiquiatra analisa a era de Trump –, já fez questão de esclarecer, referindo-se ao caso do actual Presidente dos EUA, que “ser um narcisista do pior não faz com que Trump seja psiquicamente doente”. Ele admite que os critérios que fixou assentam em Trump como uma luva – a vaidade incontida; a preocupação de estar sempre a dizer que é o melhor; achar-se alguém especial; fazer-se acompanhar por pessoas que ele considera especiais; sentir-se legitimado; ter falta de empatia; ser abusador, invejoso e arrogante – mas logo acrescenta que, “para um diagnóstico de perturbação narcísica da personalidade, é fundamental a identificação de comportamentos que causem no próprio uma aflição ou deterioração clinicamente significativas”. O que não sucede com Trump. Nem, creio eu, com Paulo Rangel, ainda que quase todos os referidos critérios também assentem neste como luvas.

Todavia, se é verdade que – como afirma Allen Frances – “Trump é uma ameaça para os EUA. e para o mundo, não por ser clinicamente louco mas por ser muito mau”, outro tanto não ousarei dizer do vetusto eurodeputado luso. De facto, não parece que ele seja uma séria ameaça para Portugal, e o seu comportamento agressivo, desalmado e trauliteiro até poderá ser mais nefasto para o PPD-PSD, partido a que pertence, e que continua longe de parecer o que julga ser: social-democrata. Trump é o idiota clássico: fanfarrão, tempestuoso e intimidante, tal como se apresentava no seu reality show. Já o eurodeputado Rangel desejaria que a campanha eleitoral em curso se tornasse um reality show permanente – mas em vão. O “eleitor telespectador” prefere de longe os programas mais escandalosos e picantes dos canais privados de televisão.

Convirá, no entanto, estar atento à inevitável contaminação do discurso “entre-portas” dos actuais dirigentes do PPD-PSD, designadamente do presidente, Rui Rio, pelo estilo excessivo, iracundo e trauliteiro do eurodeputado Rangel. Claro que a necessidade de votos aguça a demagogia! E até o aparentemente tão sábio e prudente Rui Rio já abriu as “comportas” para debitar declarações confrangedoras sobre os “laços de família” de quatro membros deste Executivo, e para responsabilizar o Governo pela meteorologia, a secura das matas e o vento bem forte que, em conjugação, contribuem para o flagelo recorrente dos incêndios neste país. Parece que não há, à direita, quem evite conduzir a delicada inteligência da multidão cor-de-laranja pelas estranhas e dolorosas ruas da amargura e da especulação, onde é fácil inventar cabalas e destruir papões.

 

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990