“Tenho a impressão de que já nasci a dançar”. Isto dizia Anna Mascolo numa entrevista ao semanário Sol no final de 2012, o ano em que a Universidade Técnica de Lisboa lhe atribuiu o primeiro doutoramento honoris causa na área da dança em Portugal. Primeiro, Anna Mascolo dançou, depois tornou-se coreógrafa e professora de vários dos mais relevantes intérpretes e coreógrafos da história da dança em Portugal – Vera Mantero, Olga Roriz, Jorge Salaviza, entre muitos outros, e daí vêm as palavras com que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, a recordou numa nota enviada à imprensa, depois da notícia da sua morte, no sábado, aos 88 anos. Como uma mulher com “um percurso que se confunde com a história contemporânea da dança em Portugal”.
À agência Lusa, um dos seus alunos, Vasco Wellenkamp, hoje diretor artístico da Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, lamentou o desaparecimento de uma “professora exigente e carismática”. “Aprendi imenso com ela porque tinha uma formação muito sólida”, afirmou, recordando a ocasião em que lhe disse que “para vir a ser um bom bailarino tinha de trabalhar o dobro do que trabalhava”. Mas, mais do que isso, recordou-a como figura fundadora, a par de Margarida de Abreu (1915-2006), do ballet clássico em Portugal. “Foram as primeiras pessoas que iniciaram a dança clássica em Portugal de uma forma séria”.
Na mesma entrevista, Mascolo falava sobre o panorama da dança em Portugal na década em que, ainda criança, se mudou para Lisboa, vinda de Itália. “Aos 13 anos encontrei um sítio [Escola de Dança do Conservatório Nacional] onde se ensinava – digamos assim – dança. Fui por aí caminhando, até o meu corpo começar a sentir que ali não era o local certo […] Havia pessoas que se diziam bailarinos e havia pessoas que se diziam professores, e ninguém sabia absolutamente nada! Os meus primeiros professores vinham dos mais variados sítios. Havia até uma fulana que era da área da matemática mas que, como gostava muito de dança, acabou como professora de Ballet no conservatório. Agora já não é assim, já há escolas que efetivamente ensinam”.
Os anos que se seguiram foram aqueles em que deixou Portugal, percorrendo a Europa para poder aprender com os grandes nomes da dança clássica – “no Conservatório era proibido dizer-se que queríamos ser bailarinas profissionais, por isso fui para o estrangeiro”. Mas voltaria, e voltaria para deixar a sua marca, ao ajudar a transformar o panorama português da dança.
Uma napolitana em Lisboa Nascida em Nápoles a 18 de dezembro de 1930, Anna Mascolo deixou uma Itália em guerra em 1940, rumo a Lisboa, onde acabaria por passar toda a sua vida. Na capital portuguesa, fez os seus estudos na Escola Italiana, hoje Instituto Italiano de Cultura de Lisboa, e, a partir dos 13 anos, no Conservatório Nacional, onde se formou em Dança Clássica e onde viria mais tarde a dar aulas, bem como na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa.
Foi uma das pioneiras na criação e de-senvolvimento do Círculo de Iniciação Coreográfica e, para lá dos espetáculos de bailado e de ópera, trabalhou ao longo da sua carreira em teatro e em televisão e publicou artigos na área da dança. Foi membro do Conseil International de La Danse, um organismo ligado à UNESCO, do Consiglio Nazionale Italiano della Danza e ainda do Conselho Brasileiro da Dança. Foi ainda fundadora e presidente do Conselho Português da Dança.
Foi condecorada por dois Presidentes da República:por Jorge Sampaio, em 2004, com a Ordem do Infante Dom Henrique, e por Marcelo Rebelo de Sousa, no ano passado, como Grande Oficial da Ordem da Instrução. Numa mensagem de condolências divulgada no site da Presidência da República, Marcelo recordou-a como “um dos nomes fundamentais na formação de várias gerações de bailarinos e coreógrafos portugueses”, pelo seu “cosmopolitismo, influência e visão pedagógica”. E acrescentou: “É uma daquelas figuras que, nascidas embora noutros países, ficam na nossa memória e gratidão como grandes portugueses”.