Sinais económicos contraditórios durante o turbilhão político

Sinais económicos contraditórios durante o turbilhão político


Apesar da deslocalização de multinacionais, a taxa de desemprego está em mínimos históricos. Continuam os receios de uma crise pós-Brexit.


Independentemente do rumo que seja apontado ou não pelo Parlamento britânico na próxima semana, por agora o turbilhão político do Brexit decorre num cenário económico aparentemente favorável. A taxa de desemprego no Reino Unido está nos 3,9%, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas britânico, os níveis mais baixos dos últimos 44 anos, com o maior aumento na taxa de novas contratações em mais de três anos. 

Os dados contrariam as preocupações de que o caos e a instabilidade política dos últimos meses levasse as empresas a congelar os seus planos de investimento. Um cenário que parecia cada vez mais provável dado as inúmeras deslocalizações de multinacionais anunciadas. 

Entre as empresas que já saíram do Reino Unido estão a Nissan, que cancelou os seus planos para produzir o novo modelo X-Trail em Sunderland, no norte de Inglaterra, uma decisão que custou 740 novos empregos britânicos, levando o Governo de May a oferecer subsídios de cerca de 100 milhões de euros à multinacional caso ficasse no país, sem sucesso. Numa carta dirigida à Nissan, o ministro dos Negócios britânico, Greg Clark, “reconheceu plenamente a importância do mercado europeu” para a presença da empresa em Sunderland.  

Já a Honda fechou uma das suas principais fábricas no Reino Unido, em Swindon, que produzia aproximadamente 150 mil carros por ano. Uma decisão que custou cerca de 3500 empregos britânicos, e que foi amplamente noticiada como sendo devida aos receios com a possível saída do Reino Unido da UE. Algo que foi negado pelo diretor executivo da Honda, Takahiro Hachigo, que garantiu: “Esta decisão não está relacionada com o Brexit”. Hachigo relacionou o fecho da fábrica com as movimentações do mercado global, notando que também será encerrada uma fábrica da Honda na Turquia, que emprega mais de mil pessoas.

Sejam estas deslocalizações da produção devidas ao Brexit ou não, continua por explicar a descida da taxa de desemprego. Vários analistas vêm este facto como o sintoma de danos económicos a largo prazo, considerando que a incerteza do futuro do Reino Unido levou as empresas a contratar mais funcionários para conseguir responder à procura, em vez de investir em tecnologia e meios produtivos – arriscando a que haja perda de produtividade e um crescimento económico mais lento no futuro. O Banco de Inglaterra reconheceu esta tendência, avisando ainda que as novas contratações tendem a ser mais precárias. 

Além disso, as estatísticas de desemprego no Reino Unido têm sido sistematicamente inflacionadas nos últimos anos, mascaradas pelos aumento dos trabalhos em part-time – que contam para as estatísticas na mesma – e pela manutenção dos britânicos mais velhos na força de trabalho, com o aumento da idade de reforma. No entanto, este aumento do número de trabalhadores assalariados tem feito crescer a receita do Tesouro, permitindo ao ministro das Finanças britânico, Philip Hammond, uma reserva de cerca de 26,6 mil milhões de euros para tentar lidar com os danos económicos de uma saída não acordada da UE. Contudo, apesar destes rendimentos extra, o Governo de May optou por manter os congelamentos das pensões, que até baixaram tendo em conta a inflação.  

Por agora, o otimismo do Executivo de May é temperado pela desaceleração do crescimento económico. O Reino Unido  era a economia com o mais rápido crescimento do G7 quando os britânicos foram a votos em 2016. Desde então o crescimento passou de rondar os 2% ao ano para menos de 1%, de acordo com o Banco de Inglaterra. A perda em volume económico desde o referendo é estimada em 46,9 mil milhões de euros por ano, 938 milhões de euros por semana.

E o futuro não se perpetiva muito melhor nem para o Reino Unido nem para a Europa. Um estudo da Fundação Bertelsmann Stiftung estima que uma saída não acordada do Reino Unido custe aos europeus 40 mil milhões de euros anualmente, devido às novas tarifas que serão necessárias e à desacelaração do comércio, levando ainda ao aumento do preço das exportações britânicas. Já o próprio Reino Unido sofre as maiores perdas, de 57 mil milhões de euros por ano, um custo de 900 euros por britânico. Segundo os investigadores, os únicos países globalmente beneficiados com a saída são a China e os Estados Unidos, que com a perda do Reino Unido e da Europa ganham espaço nos mercados internacionais.

Dentro do Reino Unido a área metropolitana de Londres é a que sofrerá maiores impactos, dado que é uma região altamente dependente dos rendimentos da finança. Com os receios de barreiras ao fluxo de capitais de e para o Reino Unido ficam a ganhar os restantes centros financeiros europeus, como o Luxemburgo ou Frankfurt, estimando-se que entre 750 a 800 mil milhões de euros em ativos serão deslocalizados para instituições sediadas na cidade alemã. Gigantes financeiros como a Goldman Sachs, JPMorgan, Morgan Stanley e o Citigroup já moveram milhares de milhões para a cidade, e é esperado que a manobra deslocalize até 10 mil empregos para a região, algo que começou logo após saírem os resultados do referendo do Brexit.

No que toca a Portugal, a consultora Oliver Wyman estima que o custo de uma saída britânica da UE possa chegar aos 420 milhões de euros por ano. A consultora indica que o Reino Unido é o quarto maior destino de exportações portuguesas na União Europeia, no valor de quatro mil milhões de euros em 2016. Como tal, Portugal figura entre os dez países da União Europeia que serão mais afetados pelas restrições comerciais na sequência do ‘Brexit’.

 Os setores mais afetados serão os do grande consumo (92 milhões de euros), automóvel (90 milhões de euros), agroalimentar (57 milhões de euros), químicos e plásticos (36 milhões de euros) e industrial (35 milhões de euros), que concentram entre si cerca de 75% do impacto. Mas segundo a análise da Oliver Wyman, estes custos “podem ser mitigados até 80 milhões” através da “opção por fornecedores locais”, assim como a “repatriação de investimentos estratégicos, aproximando assim a produção para níveis mais próximos da procura”.