“Os governos, que têm explorado as acumulações, para aninhar os incompetentes, amigos seus, explorarão doravante, as desacumulações, para beneficiar os incapazes, seus afilhados. Mera questão de mudança no sistema do arbítrio, de variação no regímen da incompetência, da moda na distribuição do nepotismo. As épocas de servilhismo e prostituição vivem destas superstições. […]”
Ruy Barbosa, 1849-1923 (jurista, advogado, político, diplomata, escritor e filólogo brasileiro) in Obras completas de Rui Barbosa – Publicado por Ministério de Educação e Saúde (do Brasil), 1942.
Ruy Barbosa foi um dos mais ilustres pensadores políticos brasileiros de sempre e era, como se alcança desta sua citação, muitíssimo crítico daquele fenómeno perene que atravessa oceanos e séculos e que nos é, entretanto, trazido para a nossa agenda diária nesta aparentemente recente descoberta do antiquíssimo fenómeno da existência de óbvio e flagrante nepotismo (sucessivamente reforçado) em Portugal e neste Governo de António Costa.
A lucidez assertiva da posição política de Ruy Barbosa pela segunda metade do séc. xix até aos inícios do séc. xx choca com estrondo com a apatia generalizada de quase todos agora, com a candura da crítica amorfa e algo envergonhada de muito poucos, mas também com a impenitente desvergonha dos suspeitos do costume do mundo dos nossos políticos.
Neste tema que ora se arriba, talvez um pouco em linha com aquela inevitabilidade com que Costa mandava o interior do país ser resiliente aos incêndios, por estes dias, fica claro da impavidez dos visados que também parece que teremos de aguentar com a mesma inevitabilidade a vertigem da crescente consanguinidade que invade o Governo e os cargos na suas próximas ramificações, no tal fenómeno vulgar, transversal e costumeiro a que vulgarmente se chama, como acima vimos, nepotismo.
O Anti-nepotism Act, que vigora nos Estados Unidos para o Distrito de Colúmbia, numa norma que faz várias definições e que se aplica transversalmente aos vários graus do poder executivo e às suas nomeações, estatui a certa altura que: “(b) Um funcionário público (no sentido de membro do governo) não pode nomear, empregar, promover, adiantar ou indicar para nomeação, emprego, promoção ou progressão, ou para um cargo na estrutura que ele chefia ou sobre a qual ele exerça jurisdição ou controlo, qualquer indivíduo que seja parente desse funcionário público. Um indivíduo não pode ser nomeado, empregado, promovido ou progredir em ou para uma posição civil nessa estrutura se tal nomeação, emprego, promoção ou progressão tiver sido indicada por um membro de um cargo que preste serviço ou exerça jurisdição ou controlo sobre a estrutura que seja seu parente”.
O mesmo Anti-nepotism Act define ainda a condição de parente impedido de ser nomeado: parente significa, com relação a um cargo político, um indivíduo que lhe é relacionado como pai, mãe, filho, filha, irmão, irmã, tio, tia, primo, sobrinho, sobrinha, marido, esposa, sogro, sogra, genro, nora, cunhado, cunhada, padrasto, madrasta, enteado, enteada, meio-irmão, meia-irmã, meio irmão ou meia irmã.
Esta é a realidade de outras democracias. Por cá, com aquela superficial leviandade a que vamos sendo habituados, já tivemos António Costa a, como de costume, desvalorizar o tema (aguardamos o seu encerramento por decreto); Pedro Nuno Santos a conseguir defender uma tese peregrina de que a sua mulher não pode ser prejudicada na sua “carreira” (????) por ser casada com quem é; e, por último, para termos a certeza que quem está a apontar este tema está carregado de razão, Carlos César, pessoa a quem é já histórica (e, salvo erro, merecida) a acusação de ter empregado toda sua família à volta de cargos públicos, saiu a terreiro em defesa do Governo, respondendo ao Bloco de Esquerda.
De um homem com o peso político actual de Carlos César – a quem acusações destas perseguem há muito; por exemplo, a Sábado online de 27/4/2016 fazia-lhe o “elogio indesmentido” seguinte: “É um caso raro na política portuguesa: toda a família mais directa do líder parlamentar socialista, Carlos César, está em cargos de nomeação ou eleição política”, convenha-se que sem qualquer aparente melindre, engulho ou espécie de conflito de interesses -, apenas os muito crédulos podiam esperar um assomo de dignidade e uma reposição daquela fantasia imaterial, e de existência bastas vezes desmentida pela prática, a que os ideólogos do regime chamaram ética republicana.
Carlos César, porém, relativamente ao tema que tem óbvia substância, decidiu antes retorquir, apenas e só, que no BE também haveria relações familiares com abundância.
Esta discussão estéril de queixinhas incontritos dos desprovidos de índices mínimos de princípios éticos e probos esconde várias outras questões e reflexões políticas, por um lado, a de que é o BE quem apoia o Governo e o mantém, o que torna – como de costume – esquizofrénica a posição de Catarina Martins.
Que aparece outra vez, como que no meio de uma alucinação qualquer, com a costumada teatralidade, a advertir o Governo com a mão esquerda, chamando-o para uma posição de contornos inconsequentes, aquela da tal necessidade de reflexão, ao mesmo tempo que com a mão direita se marimba na reflexão, mantendo em funções o mesmo exacto Governo que acabara de criticar, o que no final nos permite concluir que, afinal, mais não seja por omissão, é uma apoiante consciente deste estado de nepotismo que se confunde sobretudo com o PS de Costa.
A outra reflexão seguinte e muitíssimo relevante é que são os convidados para esta festa frequentada pelos related few de algum PS e que é paga pelos irrelevant many contribuintes, com o apoio da dúbia Catarina e daquela rede de interesses comerciais (que até já pratica despedimentos por delito de opinião) que já foi um partido estalinista chamado PCP e que, do alto destas suas inexistentes virtudes éticas, se permitem legislar inovadoramente sobre temas de igualdade de acesso ao emprego, impondo a todos, menos a eles e às estruturas em que são eles que mandam, regras contra a discriminação, quotas de acesso e todo um elenco de medidas que seriam incapazes de compreender, quanto mais de aplicar.
Em nenhum dos casos, perdidos nos seus labirintos forrados de telhados de vidro, lhes ocorreu também que a TAP, onde o Estado nomeou o alegado melhor amigo de Costa para o conselho de administração com o apoio do BE e do PCP, após negociação por este conduzida, se prepara para, depois das sucessivas reversões operadas e lideradas pelo genial Pedro Marques, oferecer aos portugueses o seu quinhão dos 180 milhões de euros de prejuízos do ano passado, para que Costa e a sua corte continuem a sua festa.
Falta a vergonha, a probidade e a ética, e sobram os incompetentes e incapazes. Ruy Barbosa, mesmo do Brasil, nunca foi, por cá, tão actual!
Advogado na norma8advogados
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Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990