Chamem o Pogo!

Chamem o Pogo!


Falta-nos preparar as populações para mudanças mais profundas, um novo tipo de equilíbrio ambiental, económico e social, para que percebam como e porquê o seu comportamento ameaça a sustentabilidade do planeta.


Em 1970 realizou-se a primeira celebração do Dia da Terra. O cartoonista Walt Kelly apresentou um cartoon com o conhecido boneco Pogo olhando no espelho, assustado, com a legenda “We have met the enemy and he is us”.

Nada mais atual: o inimigo que está na origem das alterações climáticas somos, de facto, nós, cidadãos do mundo, com particular responsabilidade nas ações locais. Este alerta começou um pouco antes, em 1962, com o trabalho seminal de Rachel Carson, Primavera Silenciosa, que dá um importante ímpeto à questão ambiental, focando-se no uso descontrolado de pesticidas e tendo subjacente a discussão sobre as formas e efeitos do progresso tecnológico. A publicação espalhou-se por todo o mundo com tradução em várias línguas. Em Portugal foi publicado no próprio ano de 1962.

Em 1968 forma-se em Itália um grupo de pensadores (industriais, investigadores, educadores, etc.) com considerável poder económico, de dez países, liderado pelo industrial italiano Aurelio Peccei. Este grupo, mais tarde conhecido por Club de Roma, encomenda ao MIT (USA) um estudo com as seguintes preocupações que, paradoxalmente, se mantêm nos dias de hoje: pobreza; degradação do ambiente; perda de confiança nas instituições; crescimento desordenado das áreas urbanas; instabilidade no emprego; alienação da juventude; rejeição de valores tradicionais; inflação; outras disrupções económicas e monetárias. Esse estudo vem a ser publicado em 1972, com o título Limits to growth, tendo as suas projeções sido revistas 30 anos depois, numa nova edição do livro. A mensagem era clara: a sociedade tem de alterar os seus comportamentos e processos de desenvolvimento para que o planeta e o mundo sejam sustentáveis, e este era e é um problema de todos os países e cidades, tanto no mundo desenvolvido como no mundo subdesenvolvido.

Em 1987, a primeira-ministra da Noruega, Gro Bruntland, estabelece e chefia uma comissão que lança o conceito de desenvolvimento sustentável num relatório intitulado Our Common Future. Este documento é um marco importantíssimo na consolidação das políticas europeias relacionadas com as alterações climáticas. As premissas de consenso global são: a atividade humana é a principal causa das alterações climáticas; a temperatura global média não pode ultrapassar 2 oC em relação aos níveis pré-industriais; as alterações climáticas vulnerabilizam as infraestruturas de suporte das nossas sociedades. Analisando os vários planos de ação adotados, o problema parece ser que o enfoque nesta última premissa dominou tudo o resto e acabou por comprometer os resultados finais que se pretendem atingir.

A ênfase é quase absoluta em medidas de contingência para assegurar a resiliência dos atuais processos e infraestruturas, numa lógica totalmente reativa, como se estivéssemos perante uma crise. A grande questão é que não estamos…

Desde 2000, 21 países reduziram as suas emissões de gases de efeitos de estufa, mantendo o crescimento das suas economias. A China vai ter o seu pico de emissões em 2025. Muito bom!.. O compromisso era para 2030! Em 2018, na Polónia, os países acordaram compromissos de reporte de redução de emissões. Muito importante!.. Até agora, já foram introduzidos mecanismos de penalização da emissão de carbono em 45 países. Há novas tecnologias a serem desenvolvidas e já em fase de teste, para retirar o carbono existente no ar (as NETs – negative-emission technologies).

Ótimo, mas não chega !

É necessário incentivar quem desenvolve soluções de redução de carbono e premiar inventores e investidores que para isso contribuem. É indispensável criar um mercado global de créditos de carbono. O transporte aéreo vai dar os primeiros passos com o programa CORSIA (Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation), no qual todas as companhias dos Estados aderentes (já 100 países) vão reportar emissões já em 2019.

Mas continuamos a falhar, na presunção de que estamos perante uma crise. O conceito de crise pressupõe um estado ultrapassável. A situação que vivemos não é ultrapassável; pelo contrário, tende a agravar-se, sobretudo se adotarmos apenas estratégias defensivas. Falta-nos preparar as populações para mudanças mais profundas, um novo tipo de equilíbrio ambiental, económico e social, para que percebam como e porquê o seu comportamento ameaça a sustentabilidade do planeta. Neste domínio, muito pouco tem sido feito.

É necessário mudarmos de vida e deixarmos de ser o nosso próprio inimigo. Chamem o Pogo!

 

Professora e investigadora em transportes

Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico