A situação na província moçambicana de Sofala tem vindo a agravar-se de dia para dia, desde que o ciclone Idai atingiu Moçambique, tal como os países vizinhos Malawi e Zimbabué, na madrugada de sexta-feira. Ainda há pelo menos 347 mil pessoas em risco, só em Sofala, tendo sido resgatadas mais de 40 mil, segundo o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades de Moçambique (INGC).
“A devastação é total”, contou ao i Vítor Gonçalves, do jornal Sol do Índico. O jornalista acrescenta que na cidade da Beira – a capital de Sofala e a segunda cidade de Moçambique em termos de desenvolvimento económico e de população – “não há energia, não há serviço de água e começa a escassear a comida”. As imagens que vão chegando são dramáticas e mostram a extensão dos danos, com boa parte da cidade inundada. Os dados oficiais estimam que quase 90% dos edifícios da cidade estejam em ruínas. “A maior parte das estruturas edificadas estão destruídas”, confirma Gonçalves.
Na região da Beira vivem cerca de 2500 portugueses, segundo informações do gabinete do secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro. Até ontem, não havia registo de nenhum cidadão português morto ou ferido, mas há cerca de três dezenas de desaparecidos e muitos desalojados, que procuram abrigo em casas de familiares ou em hotéis absolutamente lotados.
O secretário de Estado está neste momento em Moçambique, juntamente com responsáveis do INEM, da Proteção Civil, do consulado português na Beira e do Instituto Camões, encarregue das ações de cooperação internacional. O objetivo é verificar os meios necessários para o socorro das populações, e não apenas da comunidade portuguesa, dadas as relações próximas entre Portugal e Moçambique.
Apesar da dimensão da tragédia, “ainda não houve nenhuma intervenção de fundo a nível de infraestruturas” na Beira por parte do governo, revela Gonçalves. O jornalista explica que a cidade continua “isolada por terra”, dado que “a única estrada que liga a Beira ao norte e ao sul do país está cortada devido à queda de uma ponte” que tinha sido construída há menos de um ano – algo que torna “muito difícil fazer chegar os bens materiais necessários”.
Este cenário tem levado ao açambarcamento de materiais e ao surgimento de um mercado paralelo que procura lucrar com a miséria geral. “Já pude testemunhar a especulação que começa a existir”, relata Gonçalves. “Os materiais de construção tornaram-se nos últimos dias bens de primeira necessidade. Coisas simples como tijolos, etc., viram o seu preço aumentar muitas vezes”.
Apesar de ser complicada na Beira, “verdadeiramente trágica é a situação nos arredores”, nas zonas rurais, onde os transportes já são difíceis em circunstâncias normais, considera Gonçalves.
As iniciativas de apoio à população são dificultadas pela quebra nas comunicações – a região ficou completamente sem internet e só muito esporadicamente há sinal telefónico -, que tem impossibilitado por vezes a localização e salvamento das comunidades mais isoladas.
“Há milhares e milhares de pessoas na província de Sofala” que estão “completamente isoladas de tudo” e que “não têm recebido praticamente nenhum apoio”, afirma Gonçalves, concluindo: “Há equipas do exército sul-africano no terreno, mas com meios limitados. Há organizações não governamentais a movimentarem-se, mas não há meios logísticos para salvar essas pessoas”.
Estão no terreno pelo menos 120 especialistas de busca e resgate, com o apoio de 11 helicópteros, 15 barcos, dois aviões, duas fragatas, oito camiões e 30 telefones-satélite, que, segundo o INGC, já terão resgatado mais de 40 mil pessoas na região. Muitos dos habitantes salvos foram levados de helicóptero para o que resta da Beira.
A situação pode agravar-se ainda mais com a continuação de pesadas chuvas a montante da região, que ameaçam levar até à abertura das comportas de várias barragens. A subida do caudal dos rios Búzi e Púngè, que atravessam a província de Sofala, provocaria mais enchentes. Neste momento, pelo menos 10 mil pessoas ainda estarão cercadas pelas águas no distrito de Búzi.
Há cada vez mais urgência nos trabalhos de resgate do INGC, entidade que não tem meios suficientes para uma calamidade desta dimensão.
O Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, já avisou que o número de mortos relacionados com o furacão Idai pode chegar à casa do milhar. E Vítor Gonçalves não duvida de que esta cifra negra seja alcançada, “a menos que haja uma mudança drástica” na atuação das autoridades. “O número de mortos pode elevar-se muito rapidamente”, afirma o jornalista.