A Rádio e Televisão de Portugal (RTP) iria sair a perder se o acordo de cedência de conteúdos com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) se mantivesse de pé. Contactada pelo i, uma fonte da Comissão de Trabalhadores da RTP defende que o fim do acordo – assinado em janeiro deste ano e que estabelecia a “partilha de direitos, meios e recursos, bem como o acesso recíproco aos arquivos das duas entidades” – já era algo esperado. “Na nossa opinião não podia ser levado avante porque violava uma série de preceitos legais e formais da RTP”, declara, acrescentando que o memorando não previa um equilíbrio “entre aquilo que a RTP dava e aquilo que a RTP recebia”.
A mesma fonte estranha no entanto que o Governo não soubesse da existência deste acordo. “Como é possível que a administração da RTP tenha feito isto sem avisar o Governo?”, questiona.
Na terça-feira, durante o debate quinzenal, António Costa revelou que já pedidas explicações à administração da RTP acerca do memorando.
“Tanto quanto nós percebemos, o que está a acontecer é que a RTP está a criar um canal concorrente a si própria com os seus meios. Esta é uma medida gravíssima que lesa o interesse da RTP e que põe em causa, aliás, todo o equilíbrio da comunicação social em Portugal”, disse Catarina Martins, dirigindo questões ao primeiro-ministro sobre esta matéria.
Em resposta à dirigente do Bloco de Esquerda, António Costa mostrou-se estupefacto com o memorando, afirmando que o documento “não foi do conhecimento prévio do Governo”. “Precisamente por isso, o senhor ministro das Finanças e a senhora ministra da Cultura dirigiram uma carta ao Conselho de Administração da RTP, exigindo cinco esclarecimentos fundamentais”, adiantou Costa. Um deles dizia respeito à cedência à federação de instalações e de trabalhadores do Centro de Produção do Norte.
Ao i, a comissão explica que do ponto de vista legal o acordo se dividia em duas partes: a primeira definia que a execução de alguns dos pontos seria discutida mais tarde e a segunda definia o valor contratual de serviços já acordados entre a estação pública e a federação. E dá um exemplo: a RTP comprometia-se a acreditar “equipas do canal 11 como se fossem trabalhadores da RTP” em eventos internacionais. O evento seria transmitido no canal da federação, mas os trabalhadores seriam identificados como funcionários da estação pública. “Se o trabalhador cometesse uma falha, as responsabilidades seriam atribuídas à RTP”, adianta.
A mesma fonte considera ainda que o acordo apresentava um conjunto de pontos problemáticos. “A RTP estaria a apoiar um canal privado em detrimento de todos os outros, estava a dar uma vantagem concorrencial” ao canal 11, defende a mesma fonte. A RTP é o “exemplo que os outros seguem, não pode fazer este tipo de acordos”, conclui.
RTP mantém cooperação com a FPF Contactada pelo i, a RTP afirma que nada mais tem a acrescentar sobre o memorando. A estação pública disse à Lusa que irá manter “a sua relação de cooperação com a FPF, existente há décadas, colaborando em projetos que promovam as competições nacionais e as várias seleções portuguesas no nosso país e junto das comunidades emigrantes, no cumprimento das suas obrigações de serviço público”.
Esta não é a primeira vez que a RTP está debaixo dos holofotes por causa do entendimento com a FPF. No mês passado soube-se que a estação pública atribuiu uma licença sem vencimento a Carlos Daniel, o que terá causado algum mal-estar entre alguns colegas. O jornalista já tinha anunciado no ano passado que ia deixar a RTP para assumir funções de gestão de conteúdos do novo canal da federação.
Questionada pelo i se a licença atribuída a Carlos Daniel estava relacionada com o acordo com a federação ou se teve por base outros motivos – e se o fim do acordo colocava em causa a comissão de serviço do jornalista -, a RTP reiterou que “nada [tem] a dizer sobre o tema”.
Na altura, a Comissão de Trabalhadores referiu que pediu esclarecimentos à administração da RTP, mas que estes não foram “satisfatórios”.
“Não queremos de forma alguma e nunca quisemos criticar as licenças de vencimento seja de quem for […]. Agora uma licença sem vencimento para ir gerir conteúdos para outro canal é fora do comum”, refere ao i fonte da comissão.