19 de março de 1966.  Os diamantes não foram os melhores amigos de Martine Carol

19 de março de 1966. Os diamantes não foram os melhores amigos de Martine Carol


Recebeu das mãos do marido um colar no qual se destacava “Slieza”, o diamante que Pedro da Rússia ofereceu a Catarina. Era loira, mas não burra. A Marilyn Monroe de França percebeu que não passava de um pedido de perdão


“These rocks don’t lose their shape/ Diamonds are a girl’s best friend”, atrevia-se a cantar Norma Jeane Mortenson já depois de ser Marilyn Monroe e antes de Elton John cantar, por sua vez, “And it seems to me you lived your life/ Like a candle in the wind/ Never knowing who to cling to/ When the rain set in”. Ah! Uma historieta sobre músicas, pensarão os que têm a suprema paciência de ler estas linhas. Nem por isso! Nem por isso! Mas também. Mais uma historieta sobre diamantes, sejam eles ou não os melhores amigos das garotas. E sobre uma garota chamada Martine Carol Mirron, que nasceu Maryse Mourer e, no que respeita a maridos, foi uma candeia ao vento soprada por Stephan Crane, Christian-Jaque, André Rouveix e, finalmente, Mike Eland, personagem de toda esta tramoia. Martine era cerca de seis anos mais velha do que Norma e morreu cinco anos depois dela, embora não tenha ficado para a lenda.

Marilyn cantava “Happy birthday Mr. President” com aquele beicinho vicioso de púbere e uma lágrima tremelicando ao canto do supracílio, mas não teve nunca a sorte de receber uma lágrima de presente, como aconteceu a Maryse no dia 19 de março de 1966. Lágrima russa, já agora.

Entra agora na narrativa outra mulher que mudou de nome: Marta Helena Skowronska, amante e, mais tarde, esposa amantíssima de Pedro i, imperador da Rússia, com o nome de Catarina. Amantíssimo também ele de tudo quanto era rabo de saia da corte dos Romanov, ao que parece, e regista Simon Sebag Montefiore, no seu livro formidando, tão dada a manifestações libidinosas que já ninguém sabia ao certo quem era amantíssimo de quem. Catarina ter-se-á queixado ao marido das suas ausências contínuas do leito conjugal, apesar de ela própria nem sempre se fazer nele representar. Resumindo: Pedro não deixou de ser o bode lúbrico que a História retrata, mas teve um gesto cavalheiresco com aquela que viria ser a primeira mulher a governar a Rússia, e de que maneira. Com algum requinte, acrescente-se, até porque Catarina deixara entretanto de lhe fornecer acesso ao tal leito conjugal que ele parecia achar de alguma forma desconfortável ou pouco digno da sua coroada cabeça. Depois de uma muito comentada passagem por outro leito, o de uma prima direita da esposa, quis limpar a consciência e ofereceu-lhe, segundo palavras do próprio, uma lágrima bem mais pesada do que todas as que a antiga Marta Skowronska chorara por ele ao longo do atribulado matrimónio – se é que ela chorou alguma, pormenor que os registos não arquivaram. “Slieza”, a palavra russa que significa lágrima, era um diamante de 52 quilates.

Lágrimas “But beware when they start to descend/ It’s then that those louses go back to their spouses/ Diamonds are a girl’s best friend”. No dia 19 de março de 1966, Mike voltou para a esposa Maryse com um embrulho nos braços. Quando o papel de seda escorregou das mãos da espantada atriz que, em Paris, era tida como a versão francesa de Marilyn Monroe, tirando bom proveito disso, ficou exposto um colar de diamantes cujo brilho faria tapar o sol. No total, 52 mais um, valendo este um 52 – quilates, claro. Afinal, era nem mais nem menos do que o Slieza da Catarina Romanova.

Maryse era loira, muito loira, mas não tinha nada de estúpida. Tal como Pedro, Mike estava ali a pedir-lhe perdão por desvios provocados por excessos de luxúria, vá lá saber-se se também com primas direitas da moça que nascera em Saint-Mandé, Val-de-Marne, e que teve ao longo da existência tantos episódios burlescos que meteram um rapto de 24 horas perpetrado por um famoso gangster da época, Pierre Loutrel (a quem chamavam Pierrot le Fou), e que terminou com um arrependimento súbito do meliante, enfeitado com duas dúzias de rosas escarlates.

“Fartei-me de chorar”, lamentou-se Maryse, ainda indecisa se aqueles diamantes todos seriam mesmo os seus melhores amigos. “Percebi pelo ar comprometido com que mos ofereceu que algo de grave se passara e estava a querer reconquistar a minha confiança.” Como veem, tinha a sua dose de sagacidade. E, logo em seguida, tratou de se queixar: “É um colar maravilhoso, mas não posso usá-lo. Seria assaltada. Ou talvez mesmo assassinada.” Sabia do que falava. Já tinha estado às portas da morte após uma tentativa de suicídio.

Mas acabou por usá-lo. Numa soirée francesa em Londres: “Nem dormi. Quando saí da festa era demasiado tarde para ir ao banco fechá-lo no cofre. Tive de o guardar no meu quarto até de manhã. Passei a noite a ouvir passos nos corredores e a imaginar vultos em todos os campos. Foi terrível!”

Não lhe passou pela cabeça que os passos pudessem ser de Mike, claro, numa das suas concupiscentes deambulações noturnas, de porta em porta, a ver o que lhe tocava em sorte. A verdade é que, talvez pela magia dos diamantes, se mantiveram casados até à sua morte. À morte de Marine Carol, quero eu dizer, a tal Marilyn Monroe à francesa que começara a deixar de estar no topo dos sonhos eróticos de muitos dos seus compatriotas pelo aparecimento de outra loira voluptuosa: Brigitte Bardot. Em fevereiro do ano seguinte, o coração explodiu–lhe num hotel de Monte Carlo. A meio das filmagens de uma película chamada “O Inferno Está Vazio”.