Detidos dois ex-polícias pelo assassinato de Marielle e Anderson

Detidos dois ex-polícias pelo assassinato de Marielle e Anderson


Segundo a investigação, Ronnie Lessa estava no banco de trás do carro que perseguiu Marielle Franco, tendo efetuado os 13 disparos que mataram a vereadora e o seu motorista Anderson Gomes, enquanto Élcio Queiroz conduzia


A divisão de homicídios do Rio de Janeiro deteve ontem o polícia militar reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-polícia militar Élcio Vieira de Queiroz, de 46 anos, acusados do assassinato da vereadora Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e do seu motorista Anderson Gomes, a 14 de março do ano passado. Segundo a acusação, Ronnie Lessa estava no banco de trás do carro que perseguiu a vereadora, sendo o autor material dos 13 disparos, enquanto Élcio Queiroz conduzia o veículo. Está ainda por apurar quem ordenou a execução de Marielle e qual a motivação.

A investigação ao crime foi batizada de Operação Lume, numa referência a uma praça do Rio de Janeiro, conhecida como Buraco do Lume, onde Marielle desenvolvia o projecto Lume Feminista. A investigação revelou que o assassinato foi meticulosamente planeado durante três meses, utilizando a extensa experiência policial dos suspeitos. Ronnie terá feito pesquisas na internet sobre os locais frequentados pela vereadora, assim como detalhes sobre a vida do deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL, colega e amigo próximo de Marielle. 

Após a a prisão de Ronnie, os investigadores varreram com um detetor de metais o seu quintal onde encontraram enterradas armas de fogo e facas. Foram também apreendidos documentos, telemóveis, computadores, armas, acessórios e munições. Durante o resto do dia houveram buscas a 34 habitações pertencentes a outros suspeitos.
O ex-polícia reformado Ronnie Lessa chegou a ser homenageado, aplaudido e condecorado pela Assembleia Legislativa do Rio, em 1998. O prémio refere que Ronnie “vem pautando a sua vida profissional como policial militar do 9 Batalhão” como um “militar discreto mas eficaz”. Já Élcio Queiroz foi expulso da polícia militar em 2015.

Ronnie perdeu uma perna num ataque à bomba, há 10 anos, cujo autor terá sido o mesmo do atentado contra Rogério de Andrade, organizador de um esquema de jogo ilegal e conhecido por ter policias corruptos sob o seu comando. Segundo o G1, o ex-polícia mora no mesmo condomínio onde o presidente brasileiro Jair Bolsonaro tem uma casa, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro.

Marcelo Freixo saudou as “importantes” detenções, em entrevista ao G1, mas criticou a demora na ação da justiça, considerando “inaceitável que demore um ano para ter uma resposta”. O deputado do PSOL relembrou que o caso “não está resolvido”, salientando que falta responder à questão: “A mando de quem?”. Freixo exige que seja conhecida a “motivação política” do crime e garantiu: “A gente não aceita a versão de ódio ou motivação passional dessas pessoas que nem sequer sabiam quem era Marielle direito”. 

Freixo é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania do Rio de Janeiro, responsável por investigar, entre outras coisas, abusos por parte das forças policiais. O deputado vive diariamente sob ameaça desde que presidiu a Comissão Parlamentar de inquérito às milícias, há mais de dez anos, tendo até inspirado um personagem do filme “Tropa de Elite 2”. Freixo afirmou quanto aos suspeitos detidos: “Essa pessoa [Ronnie Lessa] faz parte de um grupo que todo o mundo da área da segurança pública sabe, que é o chamado Escritório do Crime. Porque tem gente que mata a serviço de outros no Rio de Janeiro há anos”. O grupo criminoso em questão é formado por polícias e ex- polícias, levando a Polícia Federal a colocar a possibilidade de haverem fraudes na investigação. Algo que explicaria a demora em conseguir justiça para Marielle e Anderson.

A atividade política de Marielle Franco era direcionada ao combate contra o machismo, o racismo e as milícias. Estes grupos de antigos polícias e militares supostamente combatem o tráfico de estupefacientes, funcionam como máfias em muitas favelas do Rio de Janeiro. Muitas vezes têm ligações a políticos eleitos, tendo entre as suas atividade o controlo dos votos nas áreas sob o seu poder. 

Ainda em maio o vereador Marcello Siciliano, do PHS, foi acusado por uma testemunha de ser o mandante do assassinato de Marielle, em conjunto com Orlando Curicica, apontado como o cabecilhas de uma milícia da zona oeste do Rio de Janeiro. O motivo seria a disputa de terras na zona sob controlo de Orlando, que Marielle atrapalharia com ações comunitárias. Resta saber se Ronnie Lessa e Élcio Queiroz terão alguma ligação aos dois suspeitos mandantes.

Outra linha de investigação, surgida em agosto, seria a vingança dos deputados do MDB Paulo Melo, Jorge Picciani e Edson Albertassi, adversários políticos de Freixo e Marielle. Os deputados, que estão presos por corrupção, foram investigados sob suspeita de ordenar o assassinato da vereadora.