Idosos. Vítimas têm “medo” e “vergonha” de denunciar alguém da família

Idosos. Vítimas têm “medo” e “vergonha” de denunciar alguém da família


Especialistas dizem ao i que a violência contra idosos é um fenómeno “escondido”. Muitas vezes deve-se ao facto de as vítimas estarem dependentes do seu agressor e, como tal, acabarem por “minimizar ou mesmo negar comportamentos agressivos”


A violência tem estado na ribalta. Se, nos últimos dias, as palavras “violência doméstica” têm estado na boca de tudo e de todos, este sábado, os alarmes voltaram a soar mas por motivos diferentes. Em Ribamar, na Ericeira, concelho de Mafra, foi encontrado um idoso com cerca de 80 anos, nu, dentro de um caixote do lixo.

O filho – que sofrerá de distúrbios mentais e mora com o pai – terá agredido o idoso, obrigando-o a despir-se e a entrar num caixote do lixo público, noticiou este sábado o “Correio da Manhã”. Passadas duas horas, alguém que passava por aquele local ouviu os gritos de ajuda e chamou o INEM. A vítima foi levada para o hospital de Torres Vedras, mas já regressou a casa. O mesmo jornal adianta ainda que este não é um caso isolado porque já tinham sido apresentadas várias queixas. O caso está agora nas mãos da GNR.

Contactado pelo i, Mauro Paulino, psicólogo clínico e forense e coordenador do livro “Maus-Tratos a Pessoas Idosas”, explicou que, em Portugal, este tipo de violência tem uma “alta componente em contexto familiar”. “Podemos estar a falar de situações de violência física, mas não só, há também um grande predomínio de violência psicológica que muitas vezes é desvalorizada e pode estar associada a contextos de negligência”, completou.

Existem três fatores que podem originar este tipo de violência: o desrespeito pelas necessidades dos idosos, a sobrecarga do cuidador e a psicopatologia do cuidador, defendeu o psicólogo, acrescentando que este tipo de violência passa muitas vezes despercebida porque as vítimas têm dificuldade em denunciar os seus agressores.

“Além do medo, da vergonha que pode ser estar a expor alguém que é muitas vezes da família (…), há uma tentativa de minimizar ou mesmo negar comportamentos agressivos”, afirmou. Ainda que aquela pessoa seja “uma figura maltratante”, na maior parte das vezes é a única que o idoso tem e, por esse motivo, este acaba por se sujeitar a determinados comportamentos agressivos “por receio de que a situação fique pior”, explicou.

Marta Carmo, jurista e técnica de projetos na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), partilha da mesma visão de Mauro Paulino. Ao i, a especialista revelou que este tipo de crime “tem vindo a crescer”, defendendo que este tipo de violência é “muito escondido”.

“Estamos a falar de vítimas que muitas vezes estão dependentes do agressor e sem as quais não conseguem fazer coisas normais que outras vítimas conseguiriam fazer como, por exemplo, dirigir-se à polícia ou a uma organização”, considerou, acrescentando que há vários fatores na balança que levam a que este tipo de situações aconteçam de forma silenciosa.

“Existe, por parte da sociedade em geral, uma tendência para infantilizar as pessoas idosas e estas podem tentar explicar a sua situação” e não serem levadas a sério, defendeu. A falta de conhecimento sobre este fenómeno também contribui para o silêncio, acrescentou a responsável, dando o exemplo: haver agressões verbais contra o idoso, “privarem uma pessoa idosa de sair à rua, de lidar com o seu próprio dinheiro, limitar as suas refeições, são tudo formas de violência que não são entendidas como violência”, alertou.

Números Os números demonstram que a violência filioparental tem registado um aumento nos últimos cinco anos. De acordo com as estatísticas da APAV, entre 2013 e 2017 foi registado um total de 3387 processos de apoio a pais vítimas de violência por parte dos próprios filhos. O pico registou-se em 2016, tendo sido abertos 827 processos de apoio.

Os dados revelam ainda que cerca de 48% das vítimas tinham mais de 65 anos. E, desse total, 28,2% eram viúvas e 30,5% pertenciam a um tipo de núcleo familiar que incluía o filho.

Lisboa é o distrito onde se registaram mais casos de violência filioparental (20,2%), seguida do Porto (14,7%) e de Faro (11,4%).

Em cerca de 68% dos casos, os agressores eram do sexo masculino e tinham idades compreendidas entre 36 e 45 anos, indicam as estatísticas.

Além disso, os números revelam ainda que em cerca de 80% dos casos, os agressores agrediam continuadamente as vítimas, com um duração média dos maus-tratos entre dois e seis anos.

Mais de metade dos crimes ocorreram na residência comum da vítima e do agressor (55,2%), seguindo-se a residência da vítima (31,5%).

Ao i, Marta Carmo referiu que os números relativos ao ano passado deverão ser publicados este mês, mas confirmou que a tendência de aumento deste fenómeno se mantém.

As estatísticas preocupam e o panorama parece ter vindo a piorar ao longo destes anos. Contudo, nem tudo são más notícias: os especialistas dizem que algumas coisas podem ser feitas para combater o fenómeno.

Medidas preventivas Ao i, Marta Carmo afirmou que um dos caminhos que devem ser seguidos para diminuir a dimensão deste fenómeno é alertar as pessoas e consciencializá-las. “É preciso dar a conhecer o fenómeno para que as pessoas estejam mais alerta e as próprias vítimas saibam melhor como enquadrar aquilo por que estão a passar”, afirmou. A responsável explicou ainda que esta consciencialização ajudará as pessoas a perceber se existem ou não situações de violência. E dá o exemplo: a consciencialização servirá para que “os vizinhos saibam perceber se a pessoa idosa que vive no seu prédio não sai de casa, não anda sozinha, está a ser muito controlada, etc.”, levando a que os casos sejam denunciados.

Também para Mauro Paulino, o papel dos que vivem em redor dos idosos é essencial. Para o psicólogo, se um vizinho ou um profissional que tenha entrado em contacto com o idoso desconfiar que está perante uma situação de violência, deve de imediato denunciar a situação às entidades competentes. “Não é preciso ter certeza” de que aquela pessoa é vítima de violência, explicou, acrescentando que, depois de ser apresentada queixa, as autoridades vão investigar o caso para tentar confirmar se de facto de trata de uma situação de violência contra idosos.

O psicólogo considera ainda ser importante que o país invista em medidas que promovam o envelhecimento ativo. Aos olhos de Mauro Paulino, essas medidas vão fazer com que os idosos “possam cada vez mais estimular as suas competências e habilidades, potenciando esse processo de envelhecimento ativo que as torna menos vulneráveis”. É esse estímulo que vai fazer com que a dependência do outro seja adiada.

“Por mais ativas que sejam essas políticas, a evolução da idade acaba sempre por acontecer, mas é tornar as pessoas mais conscientes das respostas, das alternativas que existem e, por outro lado, adiar essa dependência”, finalizou.