Na viragem do séc. xix para o xx, nove em cada dez mulheres russas eram analfabetas e os maridos detinham o direito de vida e morte sobre as suas filhas e esposas. Esta realidade social parece–nos distante porque muito foi feito na primeira metade do séc. xx. Partindo do contexto russo, tudo começou a mudar quando as mulheres e a igualdade de direitos foram parte fundamental do programa político que dá origem à Revolução Bolchevique de 1917. Como consequência, logo em 1918 é legislado o direito ao divórcio desde que solicitado por uma das partes e são criados os subsídios de parto e de maternidade. A URSS é o primeiro grande país a decretar o sufrágio universal, sendo imediatamente seguida pelos EUA, em 1920 (apesar de o reconhecimento do direito de voto a afro-americanos – homens ou mulheres – ter sido muito posterior). A partir do fim da ii Grande Guerra, e com a criação das Nações Unidas, passa a ser criado um largo consenso internacional no sentido de encorajar os países a adotarem o sufrágio universal. Em Portugal, apesar de alguma abertura ao voto de mulheres de certas classes no decorrer da i República e mesmo em 1931, durante o Estado Novo, ele só passou a ser definitivamente praticado a partir de 1976.
A proposta de que o dia 8 de março se transformasse no Dia Internacional da Mulher foi realizada por Clara Zetkin, em 1910, na Internacional das Mulheres Socialistas que decorreu em Copenhaga. A ideia não era criar um dia de prendas, consumo e flores, mas de luta pela igualdade e pela transformação da sociedade como um todo.
Apesar das duas grandes guerras, colonialismos/imperialismos e enormes atrocidades de caráter regional e local, atrevo-me a escrever que a primeira metade do séc. xx foi um momento histórico de incomensurável progresso do ponto de vista da igualdade de direitos entre homem e mulher. Esses processos encontraram o seu caminho natural na segunda metade do séc. xx e, parece-me, não devemos orgulhar-nos muito do que está a acontecer nestes primeiros anos do séc. xxi.
Ainda que consciente de que estas avaliações não devem ser feitas a quente e que a minha opinião não é indiferente ao facto de em Portugal, desde o início do ano, morrer uma mulher vítima de violência a cada cinco dias, não é indiferente às notícias sobre as mais recentes decisões judiciais e não é indiferente às imagens que nos chegam de Kiev, onde a marcha das mulheres foi atacada por nacionalistas ucranianos, parece-me que podemos estar a viver um momento histórico de retrocesso nas conquistas alcançadas.
Mas este receio que aqui partilho também é o reflexo de acompanhar a vida das minhas filhas em diferentes níveis de ensino. A marcação de género em toda a publicidade ao consumo parece-me estar cada vez mais agressiva, a modelação comportamental de homem e mulher ou de relações é descrita de forma uniforme nas séries televisivas e os novos canais de comunicação da internet não trazem qualquer novidade neste aspeto. Isso tem um reflexo na escola, no trabalho, no espaço público e em cada lugar ocupado por seres humanos.
Escreve à segunda-feira