Celebrou-se o Dia Internacional da Mulher. Este ano, a comemoração foi ensombrada pelos números fatais de vítimas de violência doméstica que impressionam pelo curto espaço de tempo em que ocorreram. Tudo indica que estamos a regredir nestas questões mais humanas e comportamentais, com os holofotes apontados para as situações dramáticas que nos surpreendem pela maldade inerente à violência descrita. Homens monstruosos que se denunciam perante a rejeição e usam o seu poder – físico e não só – para aprisionarem a mulher que é “sua”, como se ela não tivesse vontade própria e lhe pertencesse a partir do momento em que se juntaram. Difícil de compreender como funciona a cabeça de uma pessoa assim, mas mais difícil é perceber que temos pela frente alguém com esta disfuncionalidade até ao momento em que se revela este lado negro.
Homens e mulheres. Mulheres e homens. Diferenças evidentes nos seus comportamentos e nas suas funções orgânicas, mas que têm um denominador comum que se sobrepõe às suas características intrínsecas: a humanidade de cada um e o seu valor enquanto tal, independentemente do género ou do sexo.
O debate em torno da ideologia de género não tem sido esclarecedor nem tem cumprido com a reflexão transversal que se requer para matérias de impacto societal, como é o caso. Está latente a intenção de confundir várias matérias com o fundamental desta agenda que ganhou vida própria e se estende a outras áreas, reforçando assim a sua legitimidade e ludibriando com o generalismo corriqueiro que vamos aceitando. Toda e qualquer liberdade questionada cabe dentro do ficheiro da discussão da ideologia de género, enjeitando, propositadamente, a essência da matéria.
A comemoração de um dia reservado exclusivamente às mulheres remonta a 1975, quando as Nações Unidas instituíram o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, evocando os direitos das mulheres, que sofrem variações notáveis de país para país. Contudo, na sua origem estão acontecimentos datados do início do séc. xx, com uma realidade, no que diz respeitos aos direitos, liberdades e garantias das mulheres, configurada em benefício dos homens e submetendo a vontade das mulheres à exigência dos homens.
Os tempos eram outros. A marcha que começou em 1909, em Nova Iorque, pela igualdade nos direitos civis e o direito ao voto, prolongou-se por todo o século e determinou que, hoje, mulheres e homens gozassem de direitos iguais que, no futuro, dissolverão qualquer resquício desta desigualdade que ainda reste. Formalmente, homens e mulheres alcançaram o mesmo patamar, com as mulheres a ocuparem um lugar que lhes estava reservado por direito próprio e natural, e com os homens a reconhecerem este direito como de facto. Uma dança tensa e de domínio, tal e qual um tango, com o corpo colado, sacudido de vez em quando com movimentos de rejeição não desejada. Mas já dizia a canção: “It takes two to tango”.
Tanto eles como elas são responsáveis pela harmonia das próximas gerações. Querer fazer destas grandes vitórias que se alcançaram uma guerra que tem de conhecer o seu fim com a “indemnização” dos prejuízos que as mulheres sofreram durante séculos às mãos dos homens é cair na leviandade consciente e imputar esta cruzada aos homens de amanhã.
Os números são claros. As mulheres estão em maioria – 5,4 milhões face a 4,8 milhões. Mas os problemas subsistem tanto para um sexo como para o outro. Apenas são diferentes. Note-se, por exemplo, a taxa de abandono escolar, que tem maior incidência entre os rapazes que nas raparigas e que vem, mais tarde, a refletir-se nas taxas de frequência no ensino universitário, favorecendo substancialmente as mulheres. Neste contexto, se quisermos ir mais longe, poderemos colocar a questão da intenção de fragilizar as gerações masculinas do futuro, ao nível do conhecimento. Desejável? Porque só assim se compreende que esta preocupação não seja destacada quando se debate a ideologia de género.
Outro dado curioso prende-se com o número de mulheres a viverem sozinhas com os filhos: 387 mil. Apenas 57 mil homens se enquadram na categoria de famílias monoparentais. Uma escolha consciente no feminino, ou uma opção imposta pela narrativa da desconstrução da família que leva à solidão de muitas mulheres que são contagiadas pelo discurso do individualismo e do crescimento pessoal, na esperança de reconstruírem uma família à medida da mulher de hoje e das suas ambições?
Já existe um Dia Internacional do Homem – 19 de novembro –, mas que, por razões inexplicáveis, os defensores acérrimos da igualdade (para as mulheres) ainda não se lembraram de começar a celebrar. Há várias preocupações, referentes aos homens de hoje e das gerações futuras, que se impõe sejam abordadas em nome de uma justa igualdade. A justiça e a igualdade entre todos nós não têm sido a referência-padrão para a discussão de temáticas desta natureza, mas sim o politicamente correto que uns poucos determinaram como sendo o farol e a legitimidade de temas fraturantes da sociedade.
Se é para haver igualdade e discuti-la na sua forma e essência, então passemos a celebrar com pompa e circunstância o Dia Internacional do Homem, porque também eles têm problemas que precisam de atenção dos decisores políticos, para que a sociedade conheça e reflita sobre esta outra metade e para contribuirmos para a promoção da igualdade entre os géneros.
Não há nestas palavras qualquer desvalorização das opiniões que acentuam as dificuldades vivenciadas pelas mulheres e no reconhecimento de desequilíbrios que se perpetuam em alguns meios, mas não consigo excluir a outra parte da igualdade, ainda que por omissão, mesmo não sendo considerada politicamente correta nesta chamada de atenção para o outro género.
Escreve quinzenalmente