Sofia Figueiredo é cuidadora da avó e presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, um movimento que deu os primeiros passos pelas mãos de um grupo de pessoas que se conheceram nas redes sociais e que partilham um modo de vida: cuidam de doentes de Alzheimer. Amanhã, a Assembleia da República discute propostas de vários partidos sobre os cuidadores informais e o seu estatuto, dois anos depois de o movimento liderado por Sofia ter entregue uma petição com 14 mil assinaturas nesse sentido. “É falta de vontade política”, lamenta ao i a responsável da associação, que considera as propostas dos partidos agora conhecidas são incompletas e insuficientes. “Eu tenho uma esperança: é que a propostas desçam todas à especialidade para depois serem reformuladas e formarem um só documento que responda às necessidades. Acredito que na especialidade haja hipótese de fazer melhor, pelo menos”, diz.
Pediram o estatuto do criador informal numa petição que conseguiu 14 mil assinaturas. As propostas que vão ser levados à Assembleia da República amanhã são incompletas?
Sim. Para nós é fundamental que seja reconhecida a carreira contributiva dos cuidadores. Há pessoas que deixam de trabalhar para cuidar e essas pessoas não fazem descontos para a Segurança Social. Essas pessoas mais tarde vão empobrecer porque nem direito a uma reforma vão ter. Houve partidos que implementaram nos seus projetos medidas em que consta o seguro social voluntário, para que os cuidadores possam fazer descontos. Concordamos com isso, mas discordamos da forma como vai ser implementado, ou seja: os cuidadores que estão desempregados não vão ter rendimento para pagar o seguro social voluntário, portanto a maioria dos cuidadores vai ficar na mesma porque não tem dinheiro para suportar essa despesa. O que pedimos é que seja reconhecida a carreira contributiva.
O que mais está em falta?
Seria importante também termos direitos laborais. Nem o PSD nem o governo falam nas suas propostas de um estatuto, falam em medidas de apoio, e o que nós pretendemos é um estatuto porque só o estatuto vai abranger as diversas dimensões que nós pretendemos – nomeadamente a área laboral, a área social e a área da saúde. O PSD e o governo querem implementar medidas que não são um estatuto, sendo que nas duas propostas – do PSD e do Governo – fala-se de estudar as medidas para os direitos laborais num período de 120 dias. Só que 120 dias a nós não nos interessa, porque isso é atirar para a próxima legislatura. É continuar a adiar e portanto as propostas relativamente aos direitos laborais não nos servem.
Que direitos laborais estão em causa?
Estão em causa a redução ou a flexibilidade do horário de trabalho, para permitir que as pessoas possam prestar os cuidados. Além disso, também pretendemos que nos incluam no regime de jornadas contínuas, que já há para o Estado. Depois, há ainda outra questão, que só um projeto de lei prevê: a possibilidade de os cuidados serem prestados no domicílio para o descanso do cuidador. Imagine que o cuidador precisa de descansar; esse cuidador vai ter de integrar a pessoa na rede nacional de cuidados continuados para o internamento. Mas há pessoas, muitas crianças, que já passam muito tempo no hospital e os pais não querem colocar as crianças no hospital para poderem ir descansar. Portanto, esse descanso deveria ser feito no domicílio, devia ser possível optar entre utilizar a Rede Nacional de Cuidados Continuados ou o cuidado no domicilio.
Falou na Rede Nacional de Cuidados Continuados. Os cuidadores defendem algum tipo de melhoria em relação à rede?
Sim, e é algo que nenhuma das propostas dos partidos refere. Quando os cuidadores precisam de aceder à Rede Nacional de Cuidados Continuados, isso é um serviço pago, e os cálculos não podem continuar a ser feitos como estão a ser neste momento: estão a ser contabilizados os rendimentos do agregado familiar e não estão a ser contabilizadas as despesas desse mesmo agregado, o que significa que há pessoas que acabam por ter de optar entre ter o descanso do cuidador ou pagar a renda de casa.
No fundo, os projetos não respondem às necessidades dos cuidadores informais.
Pois. Mas eu tenho uma esperança: é que a propostas desçam todas à especialidade para depois serem reformuladas e formarem um só documento que responda às necessidades. Acredito que na especialidade haja hipótese de fazer melhor, pelo menos. As medidas não são de todo descabidas, mas não vão ao encontro das reais necessidades dos cuidadores.
A associação foi ouvida pelos grupos parlamentares?
Sim, exceto pelo governo, que não nos responde. Pedimos uma audiência ao senhor primeiro-ministro, que nos encaminhou para o ministro Vieira da Silva. Pedimos duas audiências ao ministro Vieira da Silva e não nos respondeu, bem como às secretárias de Estado, que também não nos responderam.
Vê algum motivo para essa ausência de resposta?
Falta de vontade, achamos que só pode ser isso.
Estão a planear alguma iniciativa para sexta-feira?
Sim, na sexta-feira às nove da manhã os cuidadores vão fazer uma concentração na escadaria da Assembleia da República. Apelámos às várias associações, aos cuidadores associados e não associados, para que se juntem a nós. No fundo, todos queremos o mesmo, que é a defesa do estatuto. Estamos a pedir às pessoas para trazerem balões azuis e rosa para representarem as crianças cuidadas e lilases para os adultos. Queremos que o estatuto seja mesmo um estatuto e não um conjunto de medidas, porque só o estatuto é que vai abranger todas as áreas que nós focamos – e não só a área da saúde ou a área laboral ou a área social. O estatuto é o mais seguro, até porque nós não sabemos por quanto tempo é que os cuidadores o são e de quem cuidam, são realidades muito diferentes, e o estatuto responde a tudo isso.
Quem não está por dentro desta realidade tem tendência a associar os cuidadores informais a idosos, mas é um universo muito maior, não é?
Sim, claro. O cuidador informal não tem de ser associado ao idoso. O cuidador informal é aquela pessoa que presta cuidados a alguém – não só mas também idosos –, geralmente um familiar, com algum grau de incapacidade e que não consegue fazer sozinho as suas atividades de vida diária.
Como surgiu a associação?
Começámos por ser um movimento de várias pessoas. Conhecemo-nos através das redes sociais, na altura éramos todos cuidadores de doentes de Alzheimer e percebemos que todos tínhamos as mesmas dificuldades independentemente do ponto do país onde nos encontrávamos. Depois, surgiu a oportunidade de falarmos com a eurodeputada Marisa Matias, que nos apoiou incondicionalmente, bem como o senhor presidente da República. Fizemos um primeiro encontro nacional de cuidadores informais e depois elaborámos a petição. Em junho de 2018, para termos uma maior representatividade junto da Assembleia da República, formámo-nos enquanto associação.
Desde que entregaram a petição já passaram mais de dois anos. Porque acha que o processo tem demorado tanto tempo?
Sim, de facto tem demorado, andamos nisto desde 12 de outubro de 2016, quando entregámos a petição. É falta de vontade política. Pelo que tem vindo a público, através da comunicação social, todos os partidos concordam, portanto se eles têm tanta concordância agora têm é de passar à prática. Apelo à união dos partidos para juntos criarem uma proposta que vá realmente ao encontro das necessidades que os cuidadores informais efetivamente têm. Acho que a causa merece os esforços de todos, isto é uma questão política mas não tem de ser uma questão partidária. Temos um lema, “é tempo de legislar, não de continuar a adiar”, que vamos levar na sexta-feira para a escadaria. E costumo deixar uma pergunta no ar: o que é que sai mais caro ao Estado, é pagar-me a minha baixa médica ou atribuir-me condições para eu poder trabalhar e cuidar? É que, além dessa questão, o que acontece na prática é que a baixa médica chega ao fim e o cuidador é obrigado a despedir-se porque não tem direitos e vai empobrecer, tendo ainda a agravante dos custos inerentes à patologia que a pessoa de quem cuida tem.