MP pede condenação de chefe do GISP por “abuso de poder”

MP pede condenação de chefe do GISP por “abuso de poder”


O MP considera que o chefe afastou o subordinado como forma de retaliação por ter testemunhado contra si num processo. A leitura da sentença está marcada para hoje, em Matosinhos


O Ministério Público pediu a condenação de um dos chefes do 2.ª Esquadrão do Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP) por um alegado crime de abuso de poder perante um guarda prisional, seu subordinado, que testemunhou no processo interno contra aquele mesmo graduado. Já a defesa do oficial, Licínio Couto, nega a tese e pede a absolvição. A leitura da sentença está marcada para o início da tarde desta segunda-feira, no Palácio da Justiça de Matosinhos.

Em causa estão factos que, alegadamente, aconteceram em 2016, numa operação de buscas no estabelecimento Prisional de Viseu. Nessa altura, Rui Mota, que corroborou a denúncia feita contra Licínio Couto, encontrava-se a fazer a formação cinotécnica do GISP. A 26 de junho, o formando foi chamado a integrar uma operação de buscas levada a cabo pelo Grupo Operacional Cinotécnico do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo à cadeia de Viseu. Durante as buscas, terá sido encontrada numa das camaratas um pacote cujo conteúdo, dizem as testemunhas, terá sido despejado num lavatório pelo guarda prisional Jorge Aires, com a alegada cumplicidade do chefe Licínio Couto, destruindo assim provas.

Quatro dias após a operação, o guarda prisional Cláudio José dos Santos denunciou a situação – e Rui Mota foi uma das testemunhas da queixa. Após esta ocorrência, o formando foi, sustenta o MP, deliberadamente prejudicado pelo seu formador e, após algumas avaliações negativas, eliminado do curso de formação cinotécnica.

A situação já tinha sido noticiada pelo i em julho, tendo chegou inclusivamente até Bruxelas, com os eurodeputados Ana Gomes e José Inácio Faria, que questionaram assim a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, sobre aquilo que estava a ser feito para proteger os guardas que denunciaram os alegados crimes de denegação de justiça, ao não ser promovida a ação penal.

 

“De bestial a besta”

A tese do Ministério Público que fundamenta o pedido de condenação do chefe principal Licínio Jaime Carvalho Couto, é que, sendo Rui Mota seu instruendo e testemunhado em desabono daquele mesmo oficial, terá passado “de bestial a besta”, isto é, desde que ficou a saber-se que era testemunha a sua avaliação passou do melhor para pior, quando deveria ter formalmente solicitado, de imediato, escusa para continuar a avaliar Rui Mota no curso visando integrar o Grupo Operacional Cinotécnico do 2.ª Esquadrão do GISP, instalado no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos. Tal nunca veio a acontecer.

Já a defesa do chefe principal Licínio Santos tem salientado no julgamento que o oficial, em privado e a título verbal, terá sugerido a sua escusa, o que não foi aceite. Defendem ainda que o aproveitamento do formando Rui Mota foi medido por outros dois avaliadores, além do arguido – e que completam o topo da pirâmide hierárquica do 2ª Esquadrão do GISP (com a área de jurisdição no Norte e no Centro), o comissário prisional Carlos Fernando Azeres Guimarães e o chefe José Rolinho Monteiro –, que também classificaram o desempenho de Rui Mota como “inadequado”. Fernando Guimarães e José Monteiro são também testemunhas no julgamento que hoje chegará ao final no Tribunal de Matosinhos, com a sentença a proferir já pelo juiz João Manuel Teixeira, o titular do 1º Juízo Local Criminal.

 

“Obedecer cegamente” e “abuso de poder”

Segundo as alegações do Ministério Público, “consta na informação de Carlos Guimarães [comissário prisional e chefe máximo do 2ª Esquadrão do GISP] que o que se pretendia neste grupo era uma obediência quase cega, e que este senhor [o guarda Rui Mota] não estava em condições, porque não obedecia quase cegamente”, tendo sido este, alegadamente o princípio do fim de Rui Mota na especialidade cinotécnica.

Para o MP, “Cláudio Ribeiro diz que viu o que viu, Rui Mota diz que viu esse plástico a ser manuseado e a ser destruído, mas agora querem-nos fazer querer que nada disto teve influência na passagem de bestial a besta de Rui Mota”. Os investigadores questionam ainda se “alguém procurou saber se aquilo que Rui Mota dizia era verdade?”.

Nas suas alegações orais, o MP questionou ainda quais as verdadeiras razões do chumbo do formando. “Se Rui Mota, no processo interno de averiguações, não respondeu por falsas declarações, porque tem de ser punido com um chumbo no Grupo de Operações cinotécnicas? Qual foi a razão afinal?”.

Para o MP, é aqui que se encontra a chave do alegado crime. “É aqui, senhor juiz, que reside o abuso de poder. O crime de abuso de poder é a válvula de escape: foi abuso expulsar Rui Mota, ao fazê-lo chumbar no Grupo de Operações Cinotécnicas”.

 

Tom Cruise e “Uma Questão de Honra”

O Ministério Público usou ainda um paralelismo com o filme “Uma Questão de Honra”, protagonizado por Tom Cruise, em que “discutia exatamente isto –até que ponto é que os militares deverão obedecer cegamente e se os fins justificam os meios”? Mas ainda assim, continuaram, alguns chefes de guardas “estão enganados”. “Eles não são militares, são uma Guarda, são uma Guarda, que tem que se reger com os princípios democráticos, como em todas as outras instituições deste país”. “Mencionem uma falta de respeito a um formador – não, ninguém veio aqui dizer isso. Mencionem uma falha no terreno – não houve. Mencionem uma incompetência técnica: zero, absoluto zero. É nas relações interpessoais, onde se pede obediência cega, e aqui reside o abuso de poder, senhor juiz”, conforme acrescentou o procurador do Ministério Público. “E o que despoleta isto, e o que despoleta a passagem de bestial para besta, é Rui Mota ter prestado declarações: vai-se a ver as declarações e Rui Mota não diz que assistiu a qualquer tipo de crime – diz que viu um plástico, que viu alguém a manusear um plástico e a dar o destino ao próprio plástico que ele desconhece. Rui Mota não disse que viu estupefaciente naquele plástico, são coisas diferentes”, enquadrou o magistrado.

“Alguém, senhor juiz, alguém veio aqui dizer que Rui Mota não tinha competência para integrar o Grupo de Operações Cinotécnicas? Alguém, senhor juiz, veio dizer que Rui Mota não sabia lidar com cães, que não sabia lidar com as operações no terreno ou que não tinha competência para integrar o grupo? Ninguém, senhor juiz”, destacou durante as alegações o magistrado do Ministério Público pedindo, a condenação para Licínio Couto.

 

Os “Ninjas” do GISP

O GISP é o grupo de operações especiais que tem como missão principal adotar ações preventivas ou repressivas anti-distúrbio nos estabelecimentos prisionais, tomar medidas protetivas de escolta a reclusos perigosos ou de alto risco, efetuar remoções de reclusos, designadamente as de longa distância, e assegurar a condução das viaturas oficiais em que é transportada a direção superior. São conhecido pelas escoltas e seguranças que fazem nos julgamentos de maior risco – e a formação cinética é uma das parte integrante deste grupo operacional. No passado, as atuações algumas atuações do GISP já tinham sido criticadas, como uma célebre intervenção no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira – cujas imagens percorreram as televisões – ou uma outra vez, em que proibíram um arguido de beber água em pleno Tribunal de Guimarães.

A primeira intervenção do GISP, que por equipar de negro, começou por ser conhecido a título de “Ninjas”, foi no Estabelecimento Prisional de Braga no início da década de 1990, começando por ter apenas instalações em Lisboa, onde está o 1º Esquadrão. O 2.ª Esquadrão, criado no Norte, iria ter a sua base em Paços de Ferreira, até que escolheram como seu quartel a casa do antigo diretor do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, situado na quinta que foi colónia penal e tem nome originado por ser ali que, naquelas paragens de Matosinhos, em tempos remotos, passava as suas férias o Bispo do Porto.