“Eram 3 horas e 41 minutos, exatamente, quando os relógios pararam, os próprios sismógrafos avariaram e o medo assaltou uma população inteira, que na sua maioria veio para a rua aterrorizada”, escreveu o “Diário de Lisboa” às primeiras horas daquele 28 de fevereiro, uma sexta-feira. Ao abalo de 7.5 na escala de Richter com epicentro no Atlântico a 230 quilómetros a sudoeste da capital (mais tarde corrigido para 7.3) seguir-se-ia um abalo mais perto de Lisboa, sentido pelas 5h28. O terramoto que afetou sobretudo a região do Algarve e a área metropolitana de Lisboa, mas chegou a ser sentido a 1300 quilómetros do epicentro em Bordéus e nas Canárias, era o mais forte sentido em 70 anos e tornou-se o quinto mais forte alguma vez registado na zona de Portugal Continental e Atlântico adjacente.
Os danos foram sendo avaliados ao longo dos dias, enquanto se multiplicaram as réplicas. Num relatório preparado pelo Instituto Português de Meteorologia e Atmosfera sobre o sismo, divulgado pelo 45.º aniversário, conclui-se que foram registadas 47 réplicas entre 28 de fevereiro e 24 de março. Em Lisboa, caíram chaminés e paredes pouco consolidadas, que destruíram inúmeros carros, relataram Jorge Miranda e Fernando Carrilho nesta súmula da informação disponível sobre o sismo. Os maiores de 55, mesmo crianças pequenas na altura, recordam acordar de madrugada com os candeeiros a tremer.
No Algarve os danos foram muito superiores, sobretudo nas localidades de Vila do Bispo, Bensafrim, Portimão e Castro Marim. Estima-se que tenham sido derrubadas ou afetadas de alguma forma 400 casas.
Houve 13 vítimas mortais, duas diretas, as restantes por sincopes cardíacas e comoção, relatou nas três edições de sexta e duas edições do sábado seguinte o “Diário de Lisboa”. O sismo, além da sua grande intensidade, “foi particularmente violento pela extraordinária duração: cerca de um minuto – um minuto que durou horas”, continuava o diário vespertino, dando conta das fugas para telhados e para o meio da rua durante a madrugada e do pânico em alguns restaurantes que continuavam abertos à hora do abalo, mesmo já tendo passado a hora de fecho.
Os sismógrafos dos institutos geofísicos de Lisboa e Coimbra falharam e o único registo completo foi o do aparelho instalado na Ponte 25 de Abril, que foi preciso complementar com dados enviados de Berkeley, nos Estados Unidos.
Em Lisboa contabilizaram-se 58 feridos, a maioria atendidos no Hospital de S. José, a braços ao mesmo tempo com uma gigante operação de resgate: dois pisos superiores, à espera de obras há anos, ficaram em risco de ruir e cerca de 247 doentes tiveram de ser retirados, à medida que outros iam chegando pelo seu pé ao banco de urgência, alguns em estado de choque. Depois dos cortes na luz, seguiu-se um sábado confuso, com os elétricos e autocarros na zona da Baixa suspensos por receio de desabamentos – no Chiado, regista o “Diário de Lisboa”, embora nenhum prédio tenha ruído, desprendeu-se a cabeça da estátua de Nossa Senhora de Loureto da frontaria da igreja. Caíram tijolos e varadins. Um cenário não muito diferente do que se viveu no Porto, Coimbra, Setúbal, Santarém ou Portalegre, onde foi notícia a queda da cruz da catedral.
Depois do sismo
Dada a fragilidade dos registos, depois do abalo de 1969 houve esforços para melhorar a rede sísmica nacional, relatou o IPMA no artigo evocativo dos 45 anos, sobretudo no sul do país.
Jorge Miranda, presidente do IPMA, tem apontado como um dos maiores impactos do sismo de 1969 a sensibilização da sociedade para a vulnerabilidade do país. “A sua localização foi perto da localização do de 1755. Foi sempre visto como uma espécie de aviso de que um 1755 estava lá à nossa espera e que um dia vai voltar outra vez. Foi esse sentimento que em 1969 ficou completamente espalhado e criou na população portuguesa uma consciência da necessidade de estudar, monitorizar e compreender melhor os sismos”, resumiu há uns anos o responsável.
Para assinalar a efeméride, o IPMA, o Instituto Superior Técnico e o laboratório associado Instituto Dom Luiz lançaram um inquérito nacional para recolher relatos sobre o que acaba por ser, ainda hoje, o sismo de maior magnitude sentido na Europa desde o grande terramoto de Lisboa de 1755. A ideia é recolher o maior número de testemunhos entre a população afetada para complementar os parcos registos da época, agora que as tecnologias de comunicação o permitem. “Não haverá no futuro outra ocasião com este significado e com real possibilidade de se salvaguardar esta memória”, apelam os autores do projeto, na data em que se volta a lembrar a noite em que a terra tremeu a sério.