Como descreve o terramoto de 1969?
Faz hoje 50 anos que ocorreu e foi o terramoto com maior magnitude em toda a Europa depois do de 1755. O terramoto ocorreu a Sul do Algarve, a Sul do Cabo de São Vicente e foi sentido em todo o país, até no Porto. É um bocadinho difícil dizer exatamente quantas vítimas causou porque naquela altura havia censura e sabemos que há coisas que foram abafadas, no entanto não morreram muitas pessoas – diz-se que 13. Várias delas, com ataques cardíacos, por causa do medo. As zonas que ficaram mais destruídas situam-se no Algarve: a zona de Vila do Bispo, Lagos. E aí houve algumas aldeias que sofreram uma grande destruição, porque as casas também eram muito frágeis.
Imagino que fossem casas cuja construção não teve qualquer tipo de preocupação antissísmica.
Sim, claro, nem hoje.
As casas construídas hoje em princípio já são antissísmicas, ou não?
Não necessariamente. Ou seja, se fossem respeitadas todas as boas regras de projeto, todas as boas regras de construção, as casas seriam seguras. Poderiam sofrer alguns danos, mas não colapsavam e não matavam pessoas. O problema é que não se faz, do nosso ponto de vista – da comunidade técnica e científica – um bom controlo da qualidade da construção, a começar pelo projeto. Se for um engenheiro calculista de uma estrutura, como se costuma dizer, eu assino os cálculos do projeto, digo que fiz tudo bem e ninguém mais vai fazer nenhuma verificação – exceto em construções muito importantes, como pontes, que têm verificação por outras pessoas ou outras entidades.
Disse que foi o terramoto com maior magnitude em toda a Europa depois do terramoto de 1755. Isso parece sugerir uma tendência: Portugal é o país com maior risco?
Há uma tendência na zona a Sul do Cabo de São Vicente para sismos de grande magnitude e bastante espaçados no tempo. Não há outra zona da Europa, tirando talvez a Turquia, onde haja tendência para haver sismos de magnitude tão grande.
Mas por que motivo foi então o maior e só causou 13 mortos? Já houve outros em Itália, por exemplo, em que morreram mais pessoas.
Esses terramotos, como em Itália, ocorrem mesmo por baixo de localidades e não são gerados a cerca de 200 quilómetros do continente como o de 1969. Ocorrem debaixo das casas e portanto, embora com uma magnitude menor, acabam por ter uma maior intensidade local. O que nos vale é que tudo indica que este tipo de terramotos que afeta Portugal vai continuar a ocorrer sempre a uma distância relativamente grande do continente, no mar.
Falou da falta de preparação das casas, mas a verdade é que também na sociedade não há preparação para lidar com este fenómeno, não é?
Obviamente, não estamos bem preparados. Há muitas pessoas até que não acreditam que haja sismos, acham que foi uma coisa do passado: 1755 já foi há 250 anos, 1969 há 50, portanto isso são coisas que só ocorrem noutros lados, pensam. Outros admitem que vão acontecer, mas que não se pode fazer nada e depois ainda há outros que acreditam que o Estado trata disso tudo, ou seja, que a construção dita antissísmica – eu prefiro chamar-lhe sismo-resistente – é aplicada. Mas não é assim e o Estado não trata.
O que falta então fazer?
É necessária uma maior sensibilização das pessoas, para estarem preparadas. Além disso, é preciso exigir-se mais nas construções. Por exemplo, há infraestruturas importantes, como hospitais e escolas, nas quais compete às entidades públicas assegurar a segurança. Ora, têm sido feitas algumas melhorias e intervenções de viabilização nalgumas escolas, mas na maioria isso ainda não foi feito. Outro aspeto é, no momento da compra de casa, as pessoas querem saber qual é a cor dos azulejos, se tem jacuzzi, se tem boas madeiras, etc., mas ninguém se preocupa se a casa está segura ou não. E sobretudo em construções mais antigas, que deviam ser reabilitadas. A lei que está em vigor – e foi aprovada há quatro ou cinco anos – diz que, do ponto de vista da segurança estrutural e sísmica, a única coisa que o projetista tem de garantir é que não piora aquilo que está. Ora, não piorar aquilo que está significa que, se estiver muito mal, continua muito mal. Não é eticamente admissível.
Que soluções existem ao nível
da engenharia sísmica?
Hoje, com a regulamentação que temos, com as normas e as técnicas que existem, se as coisas fossem feitas bem, as pessoas podiam estar totalmente seguras. Ou seja, a engenharia tem respostas credíveis para solucionar o problema da resistência das construções aos sismos. O problema coloca-se relativamente às construções antigas, se não forem reabilitadas. E, relativamente às novas, se não forem bem construídas, ou seja aplicando as normas devidas.
E o problema passa também
por não existir uma fiscalização?
Sim, claro, mas não só. Um exemplo: hoje em dia há uma técnica chamada isolamento de base. Corresponde a colocar as estruturas em cima de uma espécie de ‘patins’ ou de um ‘barco’ para o edifício aguentar com as ondas sísmicas. Noutros países, duvido que ainda se construa uma estrutura mediamente importante sem esse sistema, que garante que as estruturas não colapsam e, por outro lado, que continuam operacionais. Ou seja, se houver um sismo, se calhar em sua casa vão cair prateleiras, partir-se pratos, etc. – a casa pode ficar em pé, mas vai haver muitos danos. Agora imagine um hospital cheio de equipamento médico, vem um sismo, o hospital não cai, mas o equipamento médico cai e parte-se. Há só um hospital com este sistema em Portugal – o da Luz – e nenhum outro que está a ser construído o tem.
Noutros países já é obrigatório?
Sim. A vantagem é que, imediatamente a seguir ao sismo, o hospital está operacional. Sem o sistema, arriscamo-nos a que aconteça o que aconteceu em 1969, que tiveram de evacuar o Hospital de São José, em Lisboa. Ora, na hora em que mais é preciso, é quando não pode estar operacional. Há uma grande falta de bom senso. Estão agora ali a construir um hospital em Alcântara, a CUF, e se um dia houver um sismo como o de 1755 vai haver um tsunami que vai atingi-lo. Está mesmo ali. Quem não estiver acamado ou numa sala de operações foge para os andares de cima, mas isso não faz o mínimo sentido.
Há então irresponsabilidade por parte do Estado nesta matéria?
Eu diria mais: há de todos nós, mas do Estado também, obviamente. Acho que tudo começa na falta de consciência, continua no facilitismo e culmina no pensar que alguém há de vir um dia e resolver – como as pessoas dizem ‘o sismo não vai acontecer na minha vida’, vamos passando entre os pingos da chuva. Não gosto de ser alarmista, não faz sentido andarmos a gritar ‘ó lobo, ó lobo’, temos é de ser realistas e sensibilizar, que estas coisas não são invenções do passado. Há vários estudos independentes que fazem uma estimativa do número de vítimas e das perdas económicas no caso de um terramoto de grande intensidade. Obviamente que não estamos a falar de um terramoto qualquer, estamos a falar de um pior do que o de 1969 e atingindo várias zonas do país. Essas estimativas mostram que teríamos, num ou em dois minutos, 100 vezes o número de vítimas dos incêndios de 2017 e que haveria um impacto económico direto de perto de 40% do PIB. Se isto não assusta ninguém, então…
Porque é que a lei não é reformulada?
Porque foi criada para, teoricamente, facilitar a reabilitação do edificado, com receio de que a reabilitação custasse muito dinheiro – o que é uma falácia. Não se percebeu que, ao ter edifícios pouco seguros e ao colocar lá dentro pessoas, está-se a aumentar o risco. Portanto, legalmente nós estamos a aumentar o risco. O meio técnico e científico já tem manifestado a sua discordância com esta lei, que é uma lei provisória: já foi aprovada em 2014, faz este ano cinco anos e vigora durante sete ou oito anos. Estamos a perder a oportunidade de ir melhorando a segurança das construções.
Quão perto estamos de voltar a sofrer uma catástrofe como a de 1969?
Há uma coisa que posso dizer-lhe: em relação a ontem estamos um dia mais perto. Mas a ciência ainda não consegue prever quando teremos um sismo. Temos uma ideia de probabilidades, mas não podemos dizer que vai acontecer daqui a 20 ou 50 ou 200 anos. Mas uma coisa sabemos: vai acontecer. E, ao Sul do Algarve, temos várias falhas, cada uma com capacidade para gerar um sismo como o de 1755. Os sismos são fenómenos naturais, a energia nas falhas vai-se acumulando e, ao fim de muitos anos, quando atinge um determinado nível rompe a falha e geram-se ondas sísmicas. No dia seguinte ao rompimento da falha, a energia começa a acumular-se de novo e é um fenómeno cíclico… De qualquer forma, o que é que adiantava sabermos que amanhã há um sismo? Nada. Temos é de ter as casas seguras e preparadas.
Em caso de sismo, o que é que as pessoas devem saber?
Há pessoas que morrem não por a casa cair, mas queda de uma estante com livros ou de um objeto muito pesado. Em 1755 houve um senhor que morreu num hospital em Aljezur, se não me engano, porque lhe caiu um tijolo em cima da cabeça. Podemos deslocar coisas pesadas que estejam muito altas para níveis mais baixos e prender os móveis à parede. As pessoas não devem sair do edifício onde estão porque arriscam-se a levar com pedras, chaminés, etc.. As famílias deviam ter, não só para os sismos mas para outras catástrofes, um ponto de encontro definido. O que é que cada um vai fazer? Quem é que vai buscar os filhos à escola? Saber de um descampado para ir a seguir ao sismo, ter alguma água e provisões em casa. Além disso, pôr-se debaixo de uma mesa durante o sismo e saber onde se desliga o gás para evitar um incêndio também é importante. Regra de ouro: tentar manter a calma.