Crónica sobre a protecção de um projecto pessoal (algo dinástico nas escolhas) e um caso de recompensa da mediocridade militante


É difícil configurar exercício mais exótico e alucinado do que tentar encontrar no mandato de Pedro Marques como ministro e na sua obra qualquer qualidade que legitime esta escolha de Costa para cabeça-de-lista do PS às europeias


Nos últimos dias, entre as costumadas ideias, muitas delas delirantes, que os nossos políticos nos têm oferecido daquela realidade muito alienada e essencialmente virtual, e que só a espaços quadra com a realidade dos factos e dos números, tivemos oportunidade de ouvir algumas reflexões e afirmações políticas algo desconcertantes.

Num episódio tão ao gosto das verdades alternativas que vamos consumindo sem o devido filtro, do género que nesta legislatura aconteceu o fim da austeridade, que a geringonça é um garante da paz social e do fim da crispação, ou que foi a troika quem deu cabo do SNS, veio o nosso visionário primeiro- -ministro fazer um discurso laudatório ao ex-ministro e cabeça-de-cartaz às europeias Pedro Marques.

Já não bastava o inquietante cidadão ter sido o ministro titular de um cargo meramente honorífico – como o foi durante esta legislatura o verbo-de-encher chamado ministro do Planeamento e Infraestruturas, cujo mandato se pautou por uma execução miserável do plano de nacional de obras 2020, de menos de 10%, e pelo colapso generalizado das infraestruturas e do capital circulante das empresas entregues, por ele, aos sindicatos da CGTP, em que todos ganharam com a reversão das concessões menos os utentes.

Como, ao que parece, resultar da sua enorme capacidade de planeamento, mas também do estado de sequestro deste governo pelos seus parceiros dilectos, que, entretanto, 60% do capital circulante da CP esteja inoperacional e que o concurso de novo material circulante não tenha efeitos antes de daqui a uns três anos; que, entre tantos mais exemplos, a Linha de Cascais esteja em avançado colapso estrutural, ou a operacionalidade das composições com motores de locomotivas se prestem à ignomínia de notícias que dão conta de que os seus motores caem em andamento.

É, pois, este o modelo do ministro das Obras Públicas, sem obra para mostrar, que ao arrepio de qualquer critério minimamente racional e de mérito, Costa escolheu para cabeça-de-lista do PS às europeias.

Independentemente da conjuntura, relativamente à qual, aliás, este governo tem vivido até há pouco em galhofeira e impenitente negação, a verdade é que dificilmente seria configurável, a um tempo, um ministro para quem Centeno tivesse sido mais tóxico, nefasto e esvaziador da função e da utilidade, e, a outro, em termos absolutos, e independentemente das qualidade que dizem que o mesmo tem, que tivesse existido – com a honrosa excepção de ter sido a única cara e pessoa do governo que realmente se apresentou com verticalidade e assiduidade junto das vítimas dos enormes incêndios de Junho e Outubro de 2017 – maior nulidade absoluta a ocupar um tal cargo durante tanto tempo sem nada para mostrar.

Saúda-se, pois, no candidato a lealdade e a resiliência com que fez figura de corpo presente no governo com o menor investimento público da história da democracia, sem uma queixa, um lamento, uma ideia, uma obra ou um bater de porta.

Percebe-se, pois, neste cenário, que Costa enalteça as qualidades indemonstradas que a Pedro Marques nunca deu hipótese de demonstrar e o recompense – sempre naquela lógica de círculo fechado em que a qualidade intrínseca dos candidatos, como as notícias recentes demonstram, tem como referencial não a competência, real, presumida ou presumível, mas antes ter entrado naquele círculo dourado, fechado e crescentemente consanguíneo da corte de Costa, dando o seu corpo, calado, leal e normalmente mudo, às balas dirigidas ao governo – oferecendo-lhe uma prateleira dourada em Bruxelas.

No mundo real, porém, e ultrapassadas quaisquer simpatias partidárias, é difícil configurar exercício mais exótico e alucinado do que tentar encontrar no mandato de Pedro Marques como ministro e na sua obra qualquer qualidade que legitime esta escolha de Costa para cabeça–de-lista do PS às europeias.

E por isso, quando um jornal de ontem tinha como título “Costa: Pedro Marques ‘faz’, os outros ‘falam’”, tive a certeza de que os episódios alucinados de Costa passaram de esporádicos ao estado de demência permanente.

É esta, pois, a política que temos, e qualquer semelhança com a realidade, mais que coincidência, deve ser azar.

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990