SEF. Há vidas penduradas por um visto de residência

SEF. Há vidas penduradas por um visto de residência


No Portal da Queixa há mais de 500 denúncias – só este mês já foram 19 – e poucas foram resolvidas. O tempo para agendar uma ida ao SEF pode equivaler a meses


Não quer ser identificada, mas as histórias que conta espelham o estado atual do atendimento prestado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Luena veio para Portugal em janeiro do ano passado, mas os problemas começaram no início deste ano. O primeiro passo a dar num país que não é o de origem é precisamente tratar de burocracias – os vistos de residência, neste caso. Em 2018, Luena, nome fictício, conseguiu o visto de residência em três dias – entre o momento em que fez a entrevista nas instalações do SEF, em Lisboa, e o momento em que recebeu o cartão.

Este foi um processo rápido quando comparado ao cenário que se vive hoje nos balcões do SEF. Em setembro do ano passado, já a pensar na revalidação do visto – a expirar em janeiro de 2019 –, Luena fez o pedido de marcação, mas só teve uma vaga em janeiro deste ano – esperou quatro meses para poder fazer uma nova entrevista.

Neste momento, registam-se atrasos nas marcações para renovação de vistos de residência. Quem precisa de um, tem de esperar meses. E meses. No balcão de Lisboa, por exemplo, as vagas para atendimento diário de imigrantes é muito inferior ao número de pedidos, devido à crescente procura. Segundo o SEF, são disponibilizadas diariamente 1900 vagas em todos os balcões do país. Tendo em conta que existem em todo o país 38 balcões – incluindo as ilhas dos Açores e Madeira –, basta fazer as contas para perceber que há 50 vagas diárias em cada um deles.

Sobre o elevado tempo de espera, o Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF-SEF) garante que, apesar de os prazos dos agendamentos terem diminuindo ligeiramente, “ainda se mantêm prazos elevados, de meses”. O presidente do sindicato, Acácio Pereira, disse ao i que ainda se fala “em prazos consideráveis”, por exemplo se um cidadão estrangeiro fizer o agendamento agora, “só para junho, julho, ou agosto” é que terá a vaga. Do lado do SEF, foi garantido ontem à agência Lusa que existe “disponibilidade para atendimento para determinados tipos de processos, a nível nacional, para o dia seguinte ou para as próximas semanas”.

Queixas Na plataforma online do Portal da Queixa já existem 530 reclamações, sendo que apenas 90 foram resolvidas. As mais recentes dão conta do elevado tempo de espera e dos obstáculos que os cidadãos estrangeiros têm de ultrapassar para conseguir o visto. “Viajei 200 km para ir ao SEF em Portalegre com agendamento para o dia 25/02/2019 às 15h00, cheguei na unidade às 14h30 (com 30 minutos de antecedência), apresentei o comprovativo de agendamento e os funcionários recusaram-se a atender-me, sob a alegação de que não havia tempo suficiente, pois ainda haviam 2 clientes à minha frente”, pode ler-se no site. Além do tempo de espera, “marcar telefonicamente ou no site é impossível”, dizem algumas pessoas.

Luena está neste momento com o cartão de residência caducado e, enquanto espera pelo novo, tem um papel que prova a entrega dos documentos necessários num dos balcões do SEF para renovação do visto. O SEF tem um prazo de 90 dias para enviar o cartão, mas a folha só tem validade de 60 dias. “O prazo da folha que dão é inferior ao prazo legal para entrega do documento, então isso quer dizer que eu vou ficar aqui, no pior dos casos, 30 dias sem documento nenhum”, diz a jovem.

O documento comprovativo dado nos balcões do SEF não serve de muito, na verdade. Luena veio para Portugal para trabalhar numa empresa de marketing, empresa essa que exige disponibilidade para viajar. Neste momento, Luena não pode viajar, porque não tem documentos e a sua vida profissional está também a levar com as consequências dos atrasos do SEF. “Tinha uma viagem de trabalho e teve de ser cancelada, porque não tenho os documentos para sair, sinto-me mesmo numa situação precária e estou a perder oportunidades de trabalho que não esperam por mim”, diz.

Descentralização As vagas disponíveis em todos os pontos do país não são preenchidas apenas pelas pessoas residentes na respetiva cidade ou nas proximidades. Por exemplo, Luena vive em Lisboa, mas foi a obrigada a ir até Santarém, “porque lá era mais rápido e, mesmo assim, foi preciso esperar quatro meses”, diz. Santarém pertence aos balcões de atendimento de Lisboa, Vale do Tejo e Alentejo – onde está incluido Beja, Odivelas, Cascais, Cacém, Alverca, Évora, Portalegre, Setúbal e Lisboa, com quatro balcões. O tempo de espera na capital – nos quatro balcões – era em setembro muito maior. E o problema é que os processos continuam atrasados.

Em junho do ano passado, o SEF decidiu descentralizar o atendimento dos balcões. Ou seja, uma pessoa que viva na região do Algarve pode ir renovar o seu visto ao balcão da Delegação Regional de Braga – uma forma de acelerar os processos para quem tem possibilidade de se deslocar. Luena contou ao i que uma das suas amigas, que vive atualmente no Porto, foi aconselhada a ir a Vila Real renovar o visto de residência, porque nessa região o processo seria mais rápido.

Sobre a questão da descentralização, o sindicato do SEF vê a medida como um benefício para os imigrantes. “Para o cidadão, naturalmente que é benéfico, porque permite-lhe, de alguma maneira, optar pelos sítios onde a espera nos atendimentos é menor”, diz Acácio Pereira. Para os balcões entupidos pelo excesso de pedidos, o presidente do SCIF-SEF admite que a pressão é menor, logo “também é um ponto positivo”. Por outro lado, “para outros serviços, foi o estender, a todo o país, de um problema que estava mobilizado apenas em Lisboa”.

Mais vagas para março Neste mês de fevereiro, o SEF aumentou o número de vagas nas áreas com maior procura. Na zona de Lisboa, por exemplo, foram disponibilizadas mais 35 vagas diárias. No entanto, parece que os tempos de espera continuam elevados e o SEF anunciou esta semana que, no mês de março, o reforço das vagas vai ser feito através do aumento de funcionários nos balcões de atendimento. Em Lisboa, estarão mais 14 funcionários disponíveis.

Aos olhos do presidente do SCIF-SEF, esta medida é um ponto positivo, mas não é suficiente, até porque além da falta de pessoal, a parte informática é também um problema. “A falta de pessoal já era preocupante, e a acrescentar a isso as questões dos problemas informáticos, claro que tudo aumenta exponencialmente o tempo de espera”, disse Acácio Pereira.

A marcação para revalidação de visto pode ser feita on-line para qualquer balcão do país. Mas, para aceder a este sistema, é necessário um registo que só é válido enquanto os estrangeiros residentes em Portugal tiverem os vistos, autorizações de residência, ou cartões de residência válidos.