O movimento Chega, liderado por André Ventura, lança hoje uma petição online para recolher mais de 60 mil assinaturas com um objetivo: tentar colocar na agenda a proposta de um referendo nacional para travar a nomeação de familiares para o governo e para os grupos parlamentares. O contexto da iniciativa resulta da polémica sobre o número de familiares no executivo, que foi arma de arremesso nas últimas semanas, após a quarta remodelação no executivo, com a promoção a ministra de Mariana Vieira da Silva, filha do também ministro José Vieira da Silva.
As ligações familiares no governo existem desde a sua tomada de posse, com a entrada de marido e mulher – Eduardo Cabrita e Ana Paula Vitorino – para ministros. Mariana Vieira da Silva também foi governante desde o início do consulado de António Costa, mas como secretária de Estado Adjunta. Para André Ventura não está em causa o mérito das pessoas. Mas na política não basta ser, também é preciso parecer, como no velho aforismo popular, “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.
O antigo autarca do PSD, que se desfiliou do partido em 2018, defende ao i que a iniciativa surge em nome da “ética republicana” e que este tipo de travão na lei “só lá vai com um referendo” para, depois, ganhar força de lei. Problema? Primeiro, o movimento precisa angariar, pelo menos, 60 mil assinaturas válidas para as submeter à Assembleia da República. Após este processo terá de garantir que é aceite na casa da democracia, que chega à Presidência da República para pedido de convocação e que passará também no crivo do Tribunal Constitucional. Por fim, como a tradição revela no passado, os referendos em Portugal não têm sido vinculativos.
A esta última dificuldade, André Ventura responde: “Estamos convencidos que os portugueses têm uma opinião muito vincada, sobretudo por causa destes conluios familiares que têm afetado um pouco todos os níveis governativos, desde a nível nacional como local. Este é um tema tão sensível para os portugueses que um referendo será a melhor forma de o fazer. Assim haja coragem para se aprovar”.
Questionado pelo i se não teme também algumas dificuldades ou dúvidas constitucionais, André Ventura acrescenta que a sua proposta pode ser entendida como um tema sobre “direitos, liberdades e garantias, mas já tivemos referendos sobre direitos, liberdades e garantias, por exemplo, a interrupção voluntária da gravidez”.
O responsável do Chega prefere colocar a questão sempre na ótica republicana e repesca o exemplo francês, das últimas eleições presidenciais, para explicar o que pretende ver discutido em ano eleitoral na praça pública. Nas últimas presidenciais francesas, o candidato do partido “Os Republicanos”, Francois Fillon, não desistiu da corrida, apesar da polémica sobre a contratação de familiares enquanto esteve no parlamento. O caso acabou por resultar na criação de uma lei para proibir a contratação de familiares.
“A lei [em Portugal] não proíbe que um governo seja todo da mesma família. Mas faria algum sentido que um governo fosse todo da mesma família? Mais valia chamarmos o rei novamente”, atira André Ventura para justificar a sua iniciativa.
O Chega não dá prazos para concluir a recolha de assinaturas para a convocação de um referendo, mas Ventura lembra que o objetivo é tentar fazer uma consulta popular “até ao início do próximo ano” ou fazê-la coincidir com um dos atos eleitorais de 2019. E as perguntas já estão prontas.
“Concorda com a proibição de nomeação de membros do governo que sejam familiares até ao 3.º grau de outros membros desse governo? “, será a primeira questão a colocar na consulta popular. A segunda é a de se “concorda com a proibição de nomeação ou contratação de familiares de membros do governo para cargos de assessoria nesse mesmo governo?”. Por fim, o Chega quer também ouvir os portugueses sobre se “concorda com a proibição de nomeação ou contratação de familiares de deputados para cargos de assessoria junto dos respetivos grupos parlamentares?”.
Para André Ventura, o “ PS tem dado um mau exemplo: temos marido e mulher no mesmo governo, temos um secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que também é irmão da secretária-geral adjunta do PS, temos agora pai e filha como ministros. É um absurdo em relação à ética republicana”. E conclui que o tema terá adesão porque os “portugueses estão fartos” deste tipo de situações e é preciso “evitar que haja poderes ocultos” nas nomeações. Ventura esclarece ainda que a sua iniciativa não se aplicará a cargos eletivos.