Fixação. Ideias inovadoras para povoar regiões despovadas

Fixação. Ideias inovadoras para povoar regiões despovadas


No passado houve municípios que tentaram travar o despovoamento com a atração de população estrangeira, mas a medida não deu os frutos pretendidos. Apesar dos resultados desencorajadores, o i encontrou um projeto da sociedade civil que pretende ajudar a resolver o problema, enquanto uma autarquia está empenhada na criação de um programa de repovoamento.


Perante o grave problema de despovoamento que várias regiões enfrentam há quem procure e coloque em prática soluções para lidar com o problema. Um dos exemplos mais conhecidos no país acabou por não corresponder às expectativas – é o caso do município de Vila de Rei, em Castelo Branco, onde, em 2006, a autarquia implementou um programa para fixar famílias brasileiras, mas o número ficou muito aquém do desejado. Há, contudo, iniciativas que têm conseguido resultados promissores, como o projeto Novos Povoadores.

“Vivia em Lisboa e a minha mulher arranjou emprego em Trancoso, no distrito da Guarda. Mudámo-nos com a família e lá conheci as pessoas que viriam a ser cocriadoras do programa, o Alexandre Linhares e a Ana Ferraz, que também não eram de lá e foram para lá viver”, explica ao i o coordenador do projeto, Frederico Lucas. Todos trabalhavam em áreas ligadas ao desenvolvimento rural – Frederico estava empregado nas Infraestruturas de Portugal, enquanto Alexandre trabalhava numa associação de desenvolvimento local responsável pela gestão de fundos comunitários, e Ana, por sua vez, exercia funções numa associação comunitária. “A ideia para o programa surgiu de uma frustração. Todos trabalhávamos com áreas relacionadas com o desenvolvimento rural e não víamos a região desenvolver-se, enquanto assistíamos a um despovoamento crescente. Por isso juntámo-nos para tentar perceber como podíamos mudar isso”, recorda ao i. Durante quatro anos fizeram investigação e, em 2009, o projeto arrancou. “Nos primeiros quatro anos, de 2009 a 2013, tivemos o apoio da Fundação EDP e até 2017 o rumo do projeto foi diferente do que é hoje”, conta Frederico Lucas.

Tendo como objetivo a criação do próprio negócio pelas famílias no local de fixação, o programa começou por ter o objetivo central de instalar famílias e conseguiu, até ao fim de 2018, instalar 171, mas ao mesmo tempo o despovoamento foi sendo sempre muito superior. “Percebemos que o que estávamos a fazer não era a solução para o problema, porque nos dez anos do programa, enquanto instalámos as famílias, o despovoamento foi sensivelmente 100 vezes maior”, lamenta ao i o coordenador do projeto. Por isso, a equipa repensou a estratégia. “A nossa ideia foi sempre ajudar as pessoas a criar o próprio negócio no território, mas percebemos que isso era insuficiente e hoje estamos mais orientados para a procura de investimentos para as regiões, superiores a três milhões de euros. Enquanto no passado só trabalhávamos com famílias que queriam ir viver para o interior, hoje trabalhamos fundamentalmente com pessoas que querem fazer investimentos no interior porque isso vai permitir-nos encaminhar famílias que querem ir para o interior, porque há muitas pessoas que querem ir mas não têm dinheiro para criar um negócio”.

Frederico Lucas destaca que procuram maioritariamente capital francês, “de pessoas disponíveis para comprar fábricas ou hotéis em Portugal por exemplo, porque isso vai permitir a um conjunto alargado de pessoas possa ter emprego nessas regiões ou, para as famílias com possibilidade, criar negócios à volta disso”. Desde que mudaram a visão do projeto, em 2017, conseguiram o apoio de quatro investidores – um belga, um francês e dois portugueses radicados no estrangeiro, que investiram num negócio de turismo aventura em Trás-os-Montes, na compra de vários hectares para plantação de citrinos no Baixo Alentejo, em turismo rural em Almendra e num projeto de produção de noz em Celorico da Beira.

E como é que atraem investidores? “Em feiras internacionais e temos o apoio da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP)”, esclarece Frederico Lucas. O método é simples: se em determinado local há uma fábrica têxtil desativada, a equipa vai a uma feira do setor têxtil internacional para perceber quais são as fábricas que estão a crescer e que podem ter interesse em comprar uma fábrica em Portugal para aqui produzir determinado tipo de tecidos, fazendo depois o contacto. A principal vantagem dessa captação de investimento é, como assinala o responsável, a criação de postos de trabalho. Já quando as famílias procuram o Novos Povoadores, a abordagem muda: “As famílias procuram-nos a dizer que querem mudar de vida e ir para o interior e a nós perguntamos quais são as áreas de negócio que a família domina e depois procuramos perceber então onde há oportunidades de negócio no país para essa família, para que essa família instale o seu negócio no interior ou possa procurar postos de trabalho em investimentos que captamos. “Desde que começamos o projeto, as famílias instalaram 178 negócios”, refere Frederico Lucas, 165 dos quais continuam hoje em funcionamento. Hoje, há um total de 2165 famílias inscritas no programa e 20% dos contactos feitos por famílias estrangeiras, predominantemente brasileiras, holandesas e francesas.

Depois de tantos anos à frente de um projeto destes, Frederico Lucas recusa algumas ideias atribuídas ao problema. “Existe a ideia de que a falta de desenvolvimento rural se relaciona com a falta de apoios financeiros, mas a verdade é que existem estudos que mostram que não há uma relação entre o investimento e o desenvolvimento económico. Não é atirar com dinheiro público para o interior que vai provocar desenvolvimento. Mas com um privado, é diferente: quando investe numa fábrica por exemplo, quer retorno e cria postos de trabalho. O Estado investe e o objetivo não é ter retorno, é melhorar condições. O interior precisa de capital, sim, mas não público, mas sim privado”, defende. “Ainda não se percebeu qual é a ruralidade do futuro”, lamenta o coordenador do projeto.

Um projeto municipal em preparação Além de iniciativas da sociedade civil, há um município do país empenhado na criação de um projeto de povoamento: Arcos de Valvedez. A iniciativa, designada “Repovoar Arcos de Valvedez”, tem como objetivo “dinamizar o território, criando emprego, atraindo investimento, gerando rendimento e fixando a população”, explicou ao i a vereadora Emília Cerdeira, e de momento a autarquia está a preparar o regulamento de candidatura.

À semelhança de outros no país, o município tem sofrido um decréscimo demográfico significativo e a implementação do projeto pretende responder a isso. Das medidas em prática, Emília Cerdeira destaca que o município, “na educação, apoia as refeições escolares e os transportes escolares, a aquisição de livros e material didático, realiza de atividades de enriquecimento curricular com oferta de material didático, apoia as famílias com crianças no pré-escolar através do prolongamento do horário e os alunos do Ensino Superior através da atribuição de bolsas de estudo”. A iniciativa estende-se ainda à “inclusão social de pessoas em situação de maior vulnerabilidade, cria parcerias com instituições de solidariedade do concelho, comparticipa o pagamento de dívidas com rendas de casa e bens de primeira necessidade, apoia à realização de obras de melhoria nas casas de pessoas desfavorecidas e no realojamento em habitações sociais e dinamiza o Plano Municipal do Idoso, visando um envelhecimento ativo e saudável no concelho”, explica a vereadora. As famílias e os jovens não foram esquecidos e têm direito a uma série de regalias: a câmara “reduziu para 4% a participação variável do IRS, isenta de IMT a aquisição de habitação para jovens até aos 35 anos de idade, fixou o IMI em 0,35% e sua redução para as famílias com filhos e reduziu em 50% as ligações de água e saneamento em moradias unifamiliares”.

Para captar ainda investimento, a autarquia “reforçou os incentivos e regimes de benefícios fiscais”, disse ao i Emília Cerdeira.