SNS ou privados? Os portugueses


É bom assinalar, para princípio de análise, que a nossa ADSE como commumente é referida ou, de forma mais polida, o nosso subsistema de saúde cujos beneficiários só podem ser funcionários públicos, foi criado há mais de meio século, decorria o ano de 1963. Não está em fase embrionária, mas os dias atuais demonstram que…


Para melhor compreensão, convém realçar que, em anos recentes, a ADSE ganhou um "estatuto" especial e passou a Instituto Público de Gestão Participativa. O que mudou? Hoje, a ADSE possui autonomia financeira e administrativa totalmente financiada pelos contribuintes que descontam 3,5% do seu vencimento com objectivo de ter uma alternativa ao SNS. Assim, em números, do universo de 1.2 milhões de beneficiados da ADSE  cerca de 900 mil recorrem aos serviços privados. 

É uma percentagem esmagadora. Não há volta a dar ou ideologia que derrote este facto. 

Mas vamos directos ao caso bicudo, que não é novo, sendo que a única novidade é ter ganho agora atenção superior do Governo, que se ausentou de ouvir os avisos antigos que os grandes grupos privados – que detêm gestão hospitalar – têm vindo a trazer a público. Sabendo que dos 1500 prestadores privados com que a ADSE tem convenções são 5 os que ponderam sair, parece evidentemente ser pouco. Porém, estes 5 grandes grupos de saúde, que representam 0,003% do universo total de prestadores, valem 75% da totalidade de oferta privada para os beneficiários da ADSE.
O que me causa maior estranheza é, tendo em conta que o semanário Expresso referia esta possibilidade há precisamente 7 meses, só agora o Primeiro-Ministro, Ministra da Saúde e Secretário de Estado da tutela andem de candeias às avessas.

Vejamos o que o Governo anda atrapalhado a dizer e contradizer a si próprio.

António Costa veio a público dizer que se "recusava a deixar capturar pelos privados" e, infelizmente, dias depois e mantendo a irresponsabilidade reiterou e reforçou esta  opinião. Poderia adjectivar depreciativamente, mas vou apenas explicar de forma pacífica o erro subjacente a esta opinião de António Costa.
A ADSE é um Instituto Público mas o dinheiro que gere é privado porque é fruto dos descontos dos funcionários públicos. Não é no Orçamento de Estado que vemos alocada a verba, é mesmo cada um dos beneficiários que opta por privar-se de 3,5% do seu ordenado para sustentar este subsistema de saúde. Logo, é uma boçalidade o que foi dito pelo governo português e logo por quem tem mais responsabilidade executiva no país, o primeiro-ministro.

Num programa da RTP, o "Prós e Contras", Portugal ouviu a senhora ministra da saúde dizer, seguramente sem pensar muito sobre o assunto, que a saída dos grupos privados da ADSE "não é o final do mundo porque o SNS nunca deixou ninguém à porta". Seguramente não pensou no aumento da pressão sobre o SNS que isto colocaria e consequentemente o rombo sobre a qualidade da prestação de cuidados de saúde a todos os portugueses. Dias depois ouvimos novamente o primeiro-ministro vir colocar água na fervura – bem! –  rejeitando tais declarações ao deixar uma palavra de conforto aos beneficiários da ADSE, a prioridade e sustentabilidade deste subsistema de saúde e todo o seu universo.

Esta semana, após este ziguezague socialista, surge nova prova de esquizofrenia: no passado fim-de-semana, o Secretário de Estado da Saúde veio abordar a possível privatização da ADSE.

Então, em que ficamos?! Mas não se fala sobre o assunto no Conselho de Ministros ou no Ministério da Saúde? 

Que maior prova de desnorte queremos nós?

Se isto significa um claro erro de percepção da esquerda, não deixa de ser uma oportunidade de ouro, não apenas para a direita, mas para os defensores da justiça social no sentido de repor o que à data de hoje estaria certo: um seguro de saúde para todos os portugueses, ou seja, a base que temos do SNS deveria ser uma ADSE alargada a todos. 

Sim, sem medos e sendo progressistas.

Poderia apresentar desde logo várias vantagens pontuais e estruturais, mas vou apenas apresentar as mais óbvias. Seria um sistema muito menos dispendioso, iria potenciar ao Estado a articulação entre os grupos privados e a gestão hospitalar, iria tornar a nossa sociedade focada na liberdade de escolha das pessoas e não no peso das corporações.

Sim, acho que todos os portugueses deveriam descontar 3,5% do vencimento para esse seguro de saúde e seria um imposto, claro, mas um imposto que jamais se iria perder pelo Orçamento de Estado porque seria aplicado directamente à pessoa. 

Perguntarão alguns: e os que não têm possibilidade? Olhemos para o sistema subsidiado aplicado por Barack Obama e temos a resposta de como o Estado auxiliaria esse grupo de portugueses.
Mas, em suma, que se veja esta matéria sem encarar de forma leviana e com excesso de peso ideológico. Este exemplo errático de gestão do atual Governo pode ser a forma de abertura a uma reforma de personalidade liberal mas de finalidade conservadora, à direita dirão os europeus e da ala mais à esquerda da direita diriam os americanos, porque assenta na liberdade e num Estado Social com foco na sociedade.

Ficarei a torcer, não como funcionário público que hoje sou mas como português que sempre serei, pelo futuro risonho do nosso SNS.

Carlos Gouveia Martins


SNS ou privados? Os portugueses


É bom assinalar, para princípio de análise, que a nossa ADSE como commumente é referida ou, de forma mais polida, o nosso subsistema de saúde cujos beneficiários só podem ser funcionários públicos, foi criado há mais de meio século, decorria o ano de 1963. Não está em fase embrionária, mas os dias atuais demonstram que…


Para melhor compreensão, convém realçar que, em anos recentes, a ADSE ganhou um "estatuto" especial e passou a Instituto Público de Gestão Participativa. O que mudou? Hoje, a ADSE possui autonomia financeira e administrativa totalmente financiada pelos contribuintes que descontam 3,5% do seu vencimento com objectivo de ter uma alternativa ao SNS. Assim, em números, do universo de 1.2 milhões de beneficiados da ADSE  cerca de 900 mil recorrem aos serviços privados. 

É uma percentagem esmagadora. Não há volta a dar ou ideologia que derrote este facto. 

Mas vamos directos ao caso bicudo, que não é novo, sendo que a única novidade é ter ganho agora atenção superior do Governo, que se ausentou de ouvir os avisos antigos que os grandes grupos privados – que detêm gestão hospitalar – têm vindo a trazer a público. Sabendo que dos 1500 prestadores privados com que a ADSE tem convenções são 5 os que ponderam sair, parece evidentemente ser pouco. Porém, estes 5 grandes grupos de saúde, que representam 0,003% do universo total de prestadores, valem 75% da totalidade de oferta privada para os beneficiários da ADSE.
O que me causa maior estranheza é, tendo em conta que o semanário Expresso referia esta possibilidade há precisamente 7 meses, só agora o Primeiro-Ministro, Ministra da Saúde e Secretário de Estado da tutela andem de candeias às avessas.

Vejamos o que o Governo anda atrapalhado a dizer e contradizer a si próprio.

António Costa veio a público dizer que se "recusava a deixar capturar pelos privados" e, infelizmente, dias depois e mantendo a irresponsabilidade reiterou e reforçou esta  opinião. Poderia adjectivar depreciativamente, mas vou apenas explicar de forma pacífica o erro subjacente a esta opinião de António Costa.
A ADSE é um Instituto Público mas o dinheiro que gere é privado porque é fruto dos descontos dos funcionários públicos. Não é no Orçamento de Estado que vemos alocada a verba, é mesmo cada um dos beneficiários que opta por privar-se de 3,5% do seu ordenado para sustentar este subsistema de saúde. Logo, é uma boçalidade o que foi dito pelo governo português e logo por quem tem mais responsabilidade executiva no país, o primeiro-ministro.

Num programa da RTP, o "Prós e Contras", Portugal ouviu a senhora ministra da saúde dizer, seguramente sem pensar muito sobre o assunto, que a saída dos grupos privados da ADSE "não é o final do mundo porque o SNS nunca deixou ninguém à porta". Seguramente não pensou no aumento da pressão sobre o SNS que isto colocaria e consequentemente o rombo sobre a qualidade da prestação de cuidados de saúde a todos os portugueses. Dias depois ouvimos novamente o primeiro-ministro vir colocar água na fervura – bem! –  rejeitando tais declarações ao deixar uma palavra de conforto aos beneficiários da ADSE, a prioridade e sustentabilidade deste subsistema de saúde e todo o seu universo.

Esta semana, após este ziguezague socialista, surge nova prova de esquizofrenia: no passado fim-de-semana, o Secretário de Estado da Saúde veio abordar a possível privatização da ADSE.

Então, em que ficamos?! Mas não se fala sobre o assunto no Conselho de Ministros ou no Ministério da Saúde? 

Que maior prova de desnorte queremos nós?

Se isto significa um claro erro de percepção da esquerda, não deixa de ser uma oportunidade de ouro, não apenas para a direita, mas para os defensores da justiça social no sentido de repor o que à data de hoje estaria certo: um seguro de saúde para todos os portugueses, ou seja, a base que temos do SNS deveria ser uma ADSE alargada a todos. 

Sim, sem medos e sendo progressistas.

Poderia apresentar desde logo várias vantagens pontuais e estruturais, mas vou apenas apresentar as mais óbvias. Seria um sistema muito menos dispendioso, iria potenciar ao Estado a articulação entre os grupos privados e a gestão hospitalar, iria tornar a nossa sociedade focada na liberdade de escolha das pessoas e não no peso das corporações.

Sim, acho que todos os portugueses deveriam descontar 3,5% do vencimento para esse seguro de saúde e seria um imposto, claro, mas um imposto que jamais se iria perder pelo Orçamento de Estado porque seria aplicado directamente à pessoa. 

Perguntarão alguns: e os que não têm possibilidade? Olhemos para o sistema subsidiado aplicado por Barack Obama e temos a resposta de como o Estado auxiliaria esse grupo de portugueses.
Mas, em suma, que se veja esta matéria sem encarar de forma leviana e com excesso de peso ideológico. Este exemplo errático de gestão do atual Governo pode ser a forma de abertura a uma reforma de personalidade liberal mas de finalidade conservadora, à direita dirão os europeus e da ala mais à esquerda da direita diriam os americanos, porque assenta na liberdade e num Estado Social com foco na sociedade.

Ficarei a torcer, não como funcionário público que hoje sou mas como português que sempre serei, pelo futuro risonho do nosso SNS.

Carlos Gouveia Martins