Malmö. O curioso caso dos relógios oferecidos pelo Natal

Malmö. O curioso caso dos relógios oferecidos pelo Natal


Joga agora em Stanford Bridge, frente ao Chelsea, o seu futuro na Liga Europa o único clube sueco que atingiu uma final da Taça dos Campeões. A sua história começou numa iniciativa municipal. Na Suécia faz todo o sentido.


Apesar de o Chelsea de Sarri andar por aí a cair da tripeça, não irão hoje os suecos do Malmö a Stanford Bridge de peito enfunado de esperança. Afinal, perderam em casa, na primeira mão, por 1-2, e a tarefa é assim a puxar para o hercúleo. No entanto, não deixa de ser agradável rever o Malmö Fotbollförening, ou apenas Malmö FF, e recordar o surpreendente finalista da Taça dos Campeões Europeus de 1978-79, a taça de todas as surpresas já que, do outro lado, surgiu o não menos imprevisto Nottingham Forest, vindo praticamente direto da II Divisão para esse decisivo jogo de Munique.

Malmö, cidade, já foi dinamarquesa. Até 1658, quando o rei Carlos Gustavo fez o seu exército marchar sobre os campos da Polónia, gelados desse inverno, e invadiu a Jutlândia. “Eras sobre eras se somem/ No tempo que em eras vem”, escreveu Pessoa n’“A Mensagem”. Hoje, Malmö é a terra das oportunidades, grande centro sueco de absorção de estrangeiros. Dizem as estatísticas que os seus cerca de 300 mil habitantes se dividem em 170 nacionalidades diversas.

O Malmö, clube, nasceu em 1905, na fase de industrialização da cidade. Curiosamente, a ideia da sua fundação foi uma iniciativa municipal na tentativa de que os habitantes se dedicassem a uma prática efetiva de desporto. Ou melhor, a ideia da fundação do Bollklubben Idrott, agremiação juvenil que viveu integrada no Idrottsföreningen Kamraterna Malmö até à cisão que deu finalmente lugar ao Malmö FF.

Foi preciso esperar por 1931 para ver o clube na Allsvenskan, o campeonato sueco, criado em 1924. Mas a rivalidade entre os dois clubes de Malmö levou a um episódio triste. Eric Persson, a quem apelidavam de Hövdingen (o Chefe), um homem que teria papel fundamental na fuga dos judeus dinamarqueses durante a ocupação nazi, dirigente histórico do Malmö FF, resolveu ofereceu um relógio a cada um dos jogadores do seu clube pelo Natal. Alguém fez chegar uma queixa à Federação Sueca – consta que um representante abespinhado do IFK Malmö, que acabara de ir parar à ii_Divisão. Um atentado aos superiores interesses do absoluto amadorismo exigido na altura. A mão da justiça foi dura. O Malmö FF foi relegado e só voltou ao topo em 1936.

 

Sucesso

A década de 1940 marcou o início de consecutivos sucessos. Até hoje, o Malmö FF somou 23 títulos de campeão e 14 Taças da Suécia. Mas o inesquecível ano de 1979 é absolutamente incontornável na vida do clube. E há um inglês fundamental para essa história fascinante que marcou a única presença de uma equipa sueca na final da Taça dos Campeões: Robert Douglas Houghton, mais conhecido por Bob.

Houghton é uma figura cativante e tive a oportunidade de conversar longamente com ele por mais que uma vez. A sua carreira como jogador foi medíocre e, como técnico, começou no Hastings United e no Maidstone United. Ninguém poderia prever que viria a trabalhar por todo o planeta, da Grécia ao Usbequistão, da China aos Estados_Unidos, da Arábia Saudita à Índia.

Bob Houghton chegou a Malmö em 1974 e ficou até 1980. Com o seu compatriota Roy Hodgson (no Halmstadt), protagonizou a revolução do futebol no país. A introdução da defesa à zona e do líbero, com a pressão constante do avançado-centro sobre os defesas contrários e os contra-ataques velozes à base de mudanças de flancos, alterou a forma de jogar das equipas suecas. E com jogadores como Ljungberg, Prytz, Cervan, Kinnvall ou Tapper, deixou pelo caminho o Mónaco (0-0 e 1-0); o Dínamo de Kiev (0-0 e 2-0); o Wisla de Cracóvia
(1-2 e 4-1); e o Áustria de Viena (0-0 e
1-0), numa travessia exuberante até à final do dia 30 de maio de 1979, no Estádio Olímpico de Munique.

Do outro lado, os ingleses do Nottingham Forest, comandados pelo feiticeiro Brian Clough. Aos 45 minutos já os mais de 57 mil espetadores se preparavam para sair para o intervalo, Trevor_Francis decidiu o jogo com uma cabeçada felina.
O sonho caiu por terra, mas a memória não prescreve.