Greve dos enfermeiros. Entre a promessa de faltas e uma greve  de fome

Greve dos enfermeiros. Entre a promessa de faltas e uma greve de fome


Sindicatos tomam posições diferentes, governo promete marcar faltas injustificadas a quem fizer greve e Carlos Ramalho faz greve de fome


O braço de ferro entre enfermeiros e governo parece estar longe do fim: de um lado, a promessa de que os enfermeiros passarão a ter falta injustificada se fizerem greve, do outro o presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros Portugueses (Sindepor), Carlos Ramalho, em greve de fome e a pedir que os profissionais não desarmem. 

A Procuradoria-Geral da República (PGR) foi clara e, no parecer publicado ontem, considerou a greve cirúrgica dos enfermeiros – realizada entre os dias 22 de novembro e 31 de dezembro de 2018 – ilegal. Do pré-aviso de greve entregue pelos dois sindicatos – Sindepor e Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) – até aos fundos recolhidos para financiar a greve, a PGR não teve dúvidas sobre “a ilicitude da greve”. 

Depois da decisão da PGR, o Ministério da Saúde divulgou também a sua posição: as ausências passarão a contar como faltas injustificadas. “A partir [desta quarta-feira], tendo em conta que este parecer da PGR representa uma interpretação oficial, serão atribuídas faltas por adesão à greve”, garantiu a tutela de Marta Temido. 

A posição obrigou os sindicatos a repensar as estratégias de protesto, mas neste ponto as duas estruturas sindicais divergiram: se do lado do Sindepor foi pedido aos enfermeiros que não cedam às ameaças da tutela, do lado da ASPE pediu-se a suspensão da greve. Ao i, Lúcia Leite, presidente da ASPE, disse que os sindicatos tomaram “rumos diferentes”. “Compreendo a posição do Sindepor, que iniciou processos judiciais, mas do nosso ponto de vista, esses processos vão trazer resultados daqui a muito tempo, numa altura em que o governo já nem será o mesmo”, garantiu a representante da ASPE. Este sindicato não quer continuar a greve, nem que os enfermeiros sejam prejudicados por exigir direitos. 

Mas isso não significa que tenham deitado a toalha ao chão, afirma Lúcia Leite, acrescentando que apelaram aos enfermeiros para que “recusassem as falsas horas extraordinárias, porque há bastantes anos que estão a assegurar por sua conta e risco o funcionamento do SNS, fazendo horas a mais”. 

A greve de fome Carlos Ramalho, do Sindepor, não admite que se baixem os braços nesta altura: “O Sindepor não vai prescindir daquilo que é um direito legítimo, que é o direito à greve. Vamos manter a nossa posição e dizer aos enfermeiros que temos de nos manter em greve”. O representante do Sindepor assumiu ontem uma postura mais extremista e, além da promessa de greve de fome, garantiu que “cada um tem de tomar a sua posição individual”: “Isso significa que devem lutar”. 
Garcia Pereira, advogado que representa os enfermeiros, segue a linha dos sindicatos e admite que as faltas injustificadas marcadas a partir de hoje a quem fizer greve “é um elemento de pressão e de chantagem”.

O que diz a PGR? O conteúdo do pré-aviso de greve entregue pelos sindicatos é um dos pontos mencionados pelo conselho consultivo da PGR para justificar o carimbo de ilegal. “Será legítimo que se questione a bondade do aviso prévio, desde logo, por desrespeito ao princípio da boa-fé, o que permitirá concluir que a greve é, em si mesma, ilegal”, diz o documento. Além disso, o pré-aviso não mencionava que cada enfermeiro escolhia a hora e o dia em que pretendia fazer greve: “A estratégia desta greve é exatamente o contrário da noção clássica de greve (…) uma vez que corresponde a uma atuação individual desalinhada dos trabalhadores”. 

Os sindicatos não ficam fora do parecer e a eles são atribuídas as maiores culpas, já que “um sindicato não pode ter o mero papel de um anfitrião que se limita a anunciar que a mesa está posta para que cada um dos convidados se possa servir quando entender e do que quiser”. Quanto aos fundos recolhidos para financiar a greve cirúrgica, a PGR fala de “ingerência inadmissível”. O modelo de crowdfunding não está estipulado por lei, nem se rege por qualquer critério, pelo que “a ilicitude desses donativos poderá provocar a ilicitude da greve”.

Desde que a greve começou, foram muitas as queixas das administrações dos hospitais e do governo referentes a incumprimentos dos serviços mínimos. Por este motivo, na segunda greve cirúrgica, o governo decretou uma requisição civil em quatro dos hospitais em greve cirúrgica. O prazo para o Supremo Tribunal Administrativo decidir se a requisição civil  é, ou não, legal já chegou fim, no entanto, à hora de fecho desta edição a decisão ainda não era conhecida.