Caxemira. Um atentado que dá muito jeito para tema de campanha

Caxemira. Um atentado que dá muito jeito para tema de campanha


A pouco mais de dois meses das eleições gerais na Índia, o primeiro-ministro nacionalista hindu não vai abrir mão de aumentar a tensão com o Paquistão por causa do atentado


Para o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o seu partido nacionalista hindu, o atentado à bomba da passada quinta-feira em Caxemira, que matou 40 soldados, é uma dádiva sangrenta para as eleições de maio. Depois das derrotas do Partido Bharatiya Janata (BJP) nas eleições de dezembro em três estados importantes, Rajastão, Chhattisgarh e Madhya Pradesh, e apesar de continuar como favorito para a reeleição, Modi não irá abrir mão desse trunfo para ganhos políticos. Para já, garante que deu carta branca às forças de segurança em Caxemira para vingar os seus camaradas mortos no atentado de Pulwama, reivindicado pelo Jaish–e-Mohammed (Exército de Maomé), o primeiro desta dimensão em três décadas.

“Desta vez não é um governo do [partido do] Congresso que está no poder. O governo do BJP de Narendra Modi não transige em matéria de segurança nacional”, disse o presidente do partido, Amit Shah, num comício no domingo passado. “O governo do BJP extirpará completamente o terrorismo”, acrescentou.

Na segunda-feira, o primeiro-ministro garantiu que “o brutal ataque terrorista mostra que o tempo do diálogo acabou” e que o seu governo não hesitará em voltar a fazer incursões em solo paquistanês para atacar células terroristas, como aconteceu em 2016, quando levou a cabo um denominado “ataque cirúrgico” no Paquistão, em retaliação por um atentado contra um campo militar de treino em Caxemira.

O primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, negou qualquer envolvimento do Paquistão no atentado e mostrou-se disponível para ajudar nas investigações. “Se tiverem alguma informação de inteligência para agir, agiremos”, disse Khan, que se mostrou disponível para dialogar: “Estamos disponíveis também para falar de terrorismo. Acham que podemos resolver a questão com guerra? Este assunto será resolvido pelo diálogo, como no Afeganistão.”

Face à sua incapacidade para melhorar as condições de vida nas zonas rurais e criar emprego para os milhões de jovens indianos que entram no mercado de trabalho todos os anos, o governo do BJP não parece disposto a que o assunto da campanha eleitoral se desvie da segurança nacional, onde sabe que pode inverter a tendência de queda de popularidade demonstrada pelas eleições de dezembro. Para o ativista político e antigo especialista em sondagens Yogendra Yadav, citado pelo “Business Today” indiano, a consequência do atentado “será a de trazer para a ribalta os assuntos de segurança nacional, que é exatamente aquilo que o partido no poder queria”.

A resposta, em comunicado, do Ministério dos Negócios Estrangeiros indiano ao diálogo proposto por Imran Khan mostra que o governo do BJP quer manter a tensão em vez de aliviá-la. “Exigimos ao Paquistão que se deixe de enganar a comunidade internacional e tome medidas concretas e credíveis contra os autores do atentado terrorista de Pulwama e contra outros terroristas e grupos de terroristas que operam nas áreas que controla”, disse o ministério.

Os nacionalistas hindus até apelam ao boicote a Caxemira, como escreveu no Twitter o governador do pequeno estado de Meghalaya, Tathagata Roy, coronel reformado do exército indiano: “Não visitem Caxemira, não vão a Amarnath nos próximos dois anos. Não comprem artigos de lojas caxemirenses ou a comerciantes caxemirenses que vêm todos os invernos. Boicotem tudo o que seja de Caxemira.”

O BJP incita ao ódio, à vingança. Não é a primeira vez, fê-lo noutras ocasiões para ganhos políticos. Fomenta as manifestações antipaquistanesas um pouco por toda a Índia. E na fúria nacionalista, qualquer comentário mais crítico das forças armadas ou da posição do governo indiano é tratado com dureza. Vários estudantes no Uttar Pradesh enfrentam processos na justiça por posts nas redes sociais e um professor no estado de Assam foi suspenso por comentários no Facebook, refere o “Washington Post”.

“Abaixo o Paquistão”, “sangue por sangue”, “queremos vingança do Paquistão” têm sido slogans habituais nas manifestações. Para Rashed Kumar, professor no estado do Rajastão, se Modi “der uma lição ao Paquistão, o seu apoio irá subir”, acrescentando, em declarações à Reuters, que “se trata de uma questão de segurança do país”.

Os ânimos exaltados e o puro ódio ao inimigo visceral, com quem a Índia teve quatro guerras e inúmeras escaramuças, podem ajudar à subida de popularidade do BJP e de Modi (ainda não foi publicada nenhuma sondagem pós-atentado que a ateste), mesmo que a sua política em relação ao Paquistão e a Caxemira não seja propriamente uma bandeira de coerência a desfraldar nestes cinco anos de poder. Até na sua coligação local com o Partido Democrático do Povo, formação política caxemirense que chegou a ser acusada de separatista.

O site independente de notícias Scroll.in escrevia esta terça-feira que os dados mostram o fracasso do BJP em Caxemira, com um aumento das mortes de civis e de membros das forças de segurança. Desde 2015, o número de atentados terroristas em Jammu e Caxemira tem subido sistematicamente, tal como as vítimas mortais. O governo pode dizer que também tem subido o número de membros de grupos terroristas abatidos devido às ações das forças de segurança. Mas o que dizer, no entanto, da capacidade de recrutamento dos grupos terroristas em Caxemira, que disparou depois de ter chegado quase a zero em 2013? Apesar do atentado de Pulwama ser o mais sangrento em três décadas, não surgiu do nada: vem na sequência de um 2018 violento, o mais sangrento dos últimos dez anos.