Compatriota, também em viagem de negócios na China, perguntava-me há poucos meses em Pequim se não terá sido este o lugar onde nasceu o capitalismo puro e duro, o génio de saber empreender, produzir e comercializar, de par com a liberdade de investir, inovar e criar riqueza, tal a explosão exuberante, urbana e rural, no comércio, indústria, agricultura e serviços, espalhada por todo o lado. Não é despicienda a questão.
Mesmo na atual circunstância de uma conjuntura económica menos pujante, fruto de vicissitudes sobrevindas das tributações aduaneiras no quadro da nova “guerra fria” comercial (China-
-USA-Europa), tal parece não perturbar nem o comum cidadão chinês nem o empresário destacado, seguros da força do mercado de consumo interno e orgulhosos das posições comerciais adquiridas no mundo global.
A China surpreende quanto ao seu desenvolvimento económico mas, de um ponto de vista da correlação sociológica com este desenvolvimento, importa notar o facto geracional da mudança de paradigma de vida para milhões de jovens, com tudo o que tal implica, assente essencialmente na conexão com as novas tecnologias, sempre integrantes dos bens transacionáveis a custos concorrenciais.
A tal facto – a mobilização da juventude, moderna, arejada, urbana – acresce ainda a criação de uma classe média fortíssima, o que torna este país uma espécie de melting pot que incorpora no quotidiano estilos de vida perfeitamente compagináveis entre diferentes gerações: um observador atento arrisca uma experiência inesquecível ao ver chegar à Cidade Proibida da dinastia dos Ming e Qing famílias inteiras descobrindo o tempo do lúdico e da cultura…
E nas imensas e modernas praças e avenidas pode olhar-se uma loja envidraçada da Apple ou da Samsung, plena de teenagers testando os últimos gadgets da tecnologia americana ou sul-coreana, enquanto, ao lado, depois das sete da noite, pares enlaçados de várias gerações, no passeio público em tempo de after hours, recriam figuras de estilo ao som da música popular chinesa, assim pedindo meças aos passos de tango replicando o enleio e entrelaço numa qualquer rua de Buenos Aires.
E se a geografia física e humana de cidades fantásticas como Pequim (21 milhões), Chengdun (4,6 milhões), Xangai (24,18 milhões) assim é, tal não empalidece a aventura de percorrer o interior fabuloso de muitos milhares de quilómetros sem fim, com imagens de outros espaços e orografias inesquecíveis.
Noutro plano, enquanto na Europa e nos Estados Unidos se clama contra uma espécie de dumping ambiental e se transmite uma ideia da China das cidades poluídas que desprezam o ambiente e a descarbonização, tal não dispensa que se peça licença à justiça para repor a verdade, em homenagem a propostas de salvaguarda do ambiente e defesa da natureza que se testemunham amiúde.
A China dos nossos dias não é passível de instantâneos, neste como noutros setores, que tentem reproduzir em flash a sua complexa realidade. Esta precisa no mínimo de curta-metragem para abarcar, em revelação correta, as preocupações de uma nova China promovida e dirigida por uma nova geração de autoridades políticas e novos quadros de vivência normativa.
Da cidade de Zhuhai, ao tempo de Deng Xiaoping, onde, como se de laboratório se tratasse, se lançou o embrião e se ensaiou a criação de uma nova economia empresarial, até à China dos nossos dias, da Belt and Silk Road Initiative do presidente Xi Jinping, o país conseguiu construir uma síntese extraordinária entre empresariado e autoridades políticas nacionais e regionais, concertados para projetos com escalas e dimensões que surpreendem a cada passo, numa visão de grandeza integrada que raramente esquece a competitividade internacional.
Foi o caso da IMTA – International Mountain Tourism Alliance, com sede em Guiyang, agregação de autoridades mundiais de 29 países, que este ano reuniu em Xingyi, destinada a captar em dez anos para a região de Guizhou cerca de 70 milhões de turistas e o projeto maior, The Belt and Silk Road Initiative.
Este último, dotado de 40 bilhões de dólares USA, pretende criar um corredor de modernidade e ligar a Ásia à Europa, não apenas quanto ao estabelecimento de novas vias de transporte terrestre e ferroviário, permitindo uma maior celeridade na colocação de produtos, mas aplicando parte deste montante em parcerias para o investimento diversificado ao longo do percurso, com os diversos agentes económicos nacionais.
Um dos aspetos mais relevantes e consequência desta iniciativa é a componente de aproximação pela economia e pelo investimento, para uma nova era de paz naquela região do globo. A cooperação entre a China, através da Belt and Silk Road Initiative, e cinco países da União Económica Eurasiática (UEE) – Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão, Arménia e Quirguistão (uma espécie de UE, buscando até 2025 um free flow de mercadorias, capitais e livre circulação de trabalhadores) é exemplo notório.
Mas o projeto The Belt and Silk Road Initiative abrange também a cultura e as suas expressões mais afirmadas da herança chinesa, entrelaçando tradição, inovação, modernidade. Isto é, a China dos nossos dias pretende afirmar-se no mundo global, sabendo da riqueza das suas tradições, constituindo elas próprias elemento acrescido de valorização perante o exterior.
Sem dúvida que a globalização implicou ruturas e desafios para setores da União Europeia e do nosso país, que destruiu muito tecido económico designadamente com a concorrência chinesa; facto, todavia, é que a China oferece oportunidades de mercado verdadeiramente extraordinárias.
Este ano sairão da China em turismo, viajando pelo mundo, cerca de 140 milhões de cidadãos chineses. Um oceano de negócios muito maior, sem dúvida, do que aquele que um meu amigo chinês que veio trabalhar para Portugal descobriu ao tentar vender algo português na China: começou sem ambição e este ano exportará para Pequim mais de 1200 contentores de cerveja produzida em Portugal.
Uma gota num imenso mercado local de 21 milhões de consumidores.
China, uma oportunidade que até os smartphones, deslindando códigos e linguagens instantaneamente, se encarregaram de tornar mais próxima no dia-a-dia.
Sem ideologias de restrição, um outro retrato.
Escreve quinzenalmente