Jordi Sànchez Picanyol está preso preventivamente e sem fiança desde 16 de outubro de 2017, acusado dos crimes de rebelião e de sedição, pelos quais o Ministério Público pediu uma pena de prisão de 17 anos. O antigo líder da Assembleia Nacional Catalã, organização da sociedade civil pró-independentista, é, com Jordi Cuixart, presidente da Òmnium Cultural, o ativista e político catalão há mais tempo detido por causa do referendo de 1 de outubro de 2017 na Catalunha e a posterior declaração unilateral de independência. Professor e ativista político, nunca tinha pensado enveredar pela política institucional até ser preso pelo Estado espanhol. Nestes 16 meses que leva de detenção já foi eleito deputado no parlamento catalão – é atualmente o presidente do grupo parlamentar do Junts per Catalunya – e foi mesmo escolhido para presidente do governo catalão em março do ano passado, não assumindo o cargo porque o juiz Pablo Llarena, do Supremo Tribunal de Espanha, o impediu. Nesta entrevista, realizada por escrito e que sofreu alguns percalços até as respostas chegarem às nossas mãos, Jordi Sànchez mostra-se “confiante” na sua absolvição e na dos outros 11 presos políticos catalães que estão a ser julgados desde terça-feira, dia 12. Mas não deixa de referir que a pena de 17 anos de prisão que o Ministério Público pede para ele “causa vertigens”. Em janeiro foi escolhido para liderar o grande partido de convergência do independentismo catalão, Crida per la República, que criou junto com Carles Puigdemont, ex-presidente da Catalunha no exílio, e Quim Torra, o atual presidente da Generalitat.
Como está a sua saúde depois da greve de fome?
Bem. Estou forte e em forma para assumir o meu lugar no julgamento.
Esteve em greve de fome em dezembro, quais foram os objetivos? Conseguiu o que pretendia quando iniciou o protesto?
Queria denunciar o bloqueio a que o Tribunal Constitucional nos submetia, deixando sem resposta os recursos de amparo. Com este bloqueio impedia-nos de ter acesso ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Depois de 48 horas de greve de fome, o tribunal modificou a sua atitude e começou a resolver os recursos. É triste que a proteção dos direitos fundamentais que corresponde ao Tribunal Constitucional fique submetida a questões políticas e tão distantes do direito.
Tem denunciado que a justiça espanhola recusa sistematicamente os seus recursos e o acesso à justiça europeia. A justiça espanhola não o tem tratado bem, a si e aos outros presos políticos?
Desde a minha entrada na prisão, a justiça espanhola cometeu um sem-fim de violações dos nossos direitos. Em relação a todas recorremos ao tribunal superior e estamos convencidos que mais tarde ou mais cedo se fará justiça. Se não for em Espanha, será na justiça europeia.
O tratamento é igual para todos os presos do independentismo espanhol?
Sim. A incapacidade do governo espanhol para resolver uma questão que é só política, como é o debate sobre a questão territorial, derivou numa judiciarização incompreensível para qualquer democrata. Há mais de um ano que membros do governo catalão estão na prisão e no exílio, e também, como no meu caso, líderes da sociedade civil. E tudo por impulsionar um referendo de autodeterminação em que participaram 2 350 000 pessoas. Sempre foram atividades pacíficas, sem violência.
Como foi viver uma greve de fome? Como reagiu o seu corpo? Como se sentiu psicologicamente?
Foi uma decisão muito pensada em termos pessoais. Sabíamos o que nos propúnhamos fazer. A greve de forme é o último recurso de protesto não violento. Foram 20 dias de greve de fome, perdi mais de dez quilos. Só ingeríamos líquidos (água com sais minerais e 10% de glicose). Física e mentalmente, mantive-me forte durante todo esse tempo.
A Amnistia Internacional considerou a sua prisão e a dos outros detidos ligados ao independentismo catalão como injustificada. Em algum momento do processo político que levou à declaração unilateral de independência imaginaram que a resposta de Madrid seria tão dura?
Nunca. Portugal tem de saber que o parlamento espanhol modificou há alguns anos o código penal espanhol para despenalizar a organização de referendos ilegais e também para retirar do direito penal a aprovação política e sem violência da secessão. Estas foram as duas coisas que fizemos na Catalunha. A nossa prisão é, como disseram organismos internacionais – não só a Amnistia Internacional –, totalmente injustificada. Os tribunais alemães e belgas rejeitaram o pedido de extradição do presidente Carles Puigdemont e de parte do seu governo por não reconhecerem o delito pelo qual a justiça espanhola vai julgar-nos.
A repressão policial, o artigo 155, as prisões dos líderes independentistas eram hipóteses que tinham analisado como possíveis da parte do Estado espanhol?
De maneira nenhuma. Houve uma certa ingenuidade ao pensarmos que o reino de Espanha respeitaria as regras do jogo, que eram as suas, do Estado de direito. Não foi assim. Isto mostra uma grande debilidade política do Estado espanhol para abordar o desafio democrático que a Catalunha coloca.
Estavam à espera que o PSOE e o Podemos alinhassem com o PP na resposta ao que se estava a passar na Catalunha?
O Podemos não alinhou. Foi a única formação política de âmbito estatal que não apoiou a repressão, nem a intervenção na autonomia, com o 155. O apoio ao PP foi dado pelo Ciudadanos e pelo PSOE.
E a União Europeia? Ainda deposita esperanças na UE depois de esta ter alinhado com o governo de Mariano Rajoy e com o de Pedro Sánchez contra o independentismo catalão?
A Europa – meios de comunicação, a opinião pública e os governos – vê com preocupação o que está a acontecer em Espanha. Está consciente de que há um problema político e que é preciso canalizá-lo para o diálogo. Não nos deixamos enganar, a UE é um clube de Estados que defende e defenderá o statu quo. Apelamos, apesar disso, à Europa para manter os valores que lhe são próprios, diálogo, democracia e Estado de direito, para resolver os conflitos políticos. E esperamos que ajudem com a sua mediação a reorientar e a resolver a crise política em Espanha.
Tinham esperança de que com o governo do PSOE, por ter sido apoiado por partidos independentistas, a abordagem à questão da Catalunha e dos presos políticos fosse diferente?
Afastar o governo Rajoy, condenado por corrupção nos tribunais, era uma exigência democrática. Escolher [Pedro] Sánchez para presidente [do governo] era uma oportunidade que não podíamos menosprezar. Isso abriu a porta à esperança para encontrar caminhos para, a médio prazo, soluções negociadas para a crise territorial que a Espanha vive.
O que pensou da decisão de Pedro Sánchez de anunciar o fim das negociações com os independentistas? Os catalães deviam mesmo ter retirado o apoio ao governo espanhol e votado contra o Orçamento?
Foi um erro. Posso compreender que Sánchez não apoie o direito à autodeterminação, mas é inconcebível que não apoie um espaço de diálogo político para procurar saídas para o conflito.
Os partidos catalães deviam ter repensado as exigências feitas ao governo?
O que pedimos foi a possibilidade de poder falar de tudo sem outros limites que o de rejeitar a violência e a repressão.
Não é uma jogada demasiado arriscada por parte dos partidos independentistas, tendo em conta que a direita surge nas sondagens com a possibilidade de conseguir a maioria absoluta?
A extrema-direita surge em Espanha como surgiu noutros países da Europa. A direita e o populismo têm espaço eleitoral num momento político que a nível europeu e ocidental se mostra desconcertante, com uma crise económica que castigou e continua a castigar centenas de milhares de famílias das classes média e populares. É preciso estar muito atento ao retrocesso de direitos e liberdades que hoje acontece em diferentes países europeus, entre eles Espanha.
Um governo de Pablo Casado com apoio do Vox não acabará com qualquer esperança de resolver politicamente a questão catalã?
Sem dúvida que é uma má notícia. É uma má notícia para a Catalunha e uma má notícia para Espanha. A crise política que nasce na Catalunha afeta todo o sistema político espanhol. Enquanto não se resolver, a Espanha não conseguirá ter estabilidade nem normalidade. A repressão ou a negação do problema não resolvem a questão, não fazem desaparecer o problema. Hoje, na Catalunha, há muito mais apoios à independência do que havia antes do referendo de 1 de outubro de 2017. É preciso vontade política, e quanto mais se demore, piores serão as consequências para Espanha.
Há quem considere que a questão catalã, com a declaração de independência, acabou por fazer ressurgir o nacionalismo espanhol e dar força a um partido de extrema-direita. Concorda com esta interpretação?
É evidente que houve uma reação, um ressurgimento do nacionalismo espanhol. E posso compreendê-lo. O que não compreendo é a falta de determinação política dos líderes espanhóis para abordar uma solução para a questão catalã que foi levantada.
Arrependeu-se de algumas das suas decisões e das decisões dos partidos independentistas catalães? Se fosse hoje, o que teria feito de diferente?
Como presidente da principal entidade cidadã independentista (Assembleia Nacional Catalã), aquilo que fiz foi exercer (e liderar) o meu direito de reunião, mobilização e liberdade de expressão. O Estado teve medo do facto de milhões de cidadãos catalães se manifestarem, ano após ano, a exigir o direito à autodeterminação. Eu não concebo política democrática sem os movimentos sociais e de cidadania, nem sem o exercício pacífico do direito à manifestação e ao protesto.
Acha que a estratégia dos independentistas que resultou no referendo de 1 de outubro deveria ter sido outra?
Ofereceu-se e pediu-se sistematicamente diálogo e mediação. O governo catalão envolveu mediadores internacionais para facilitar o diálogo. A única resposta foi a repressão. Desde 1 de outubro até finais de outubro foram muitas as tentativas de diálogo. O parlamento catalão aprovou a declaração de independência só depois de constatar que o governo espanhol rejeitava definitivamente o diálogo e que ia aprovar a intervenção no autogoverno. É essa atitude que precipita a declaração de independência na Catalunha.
Acreditavam que a União Europeia iria responder de outra forma? Ficaram desiludidos com a resposta de Bruxelas aos passos dados pelo independentismo catalão?
Alguns esperavam um pouco mais, fundamentalmente esperavam que aquilo que se dizia em privado – no sentido de que era preciso as pessoas sentarem-se a dialogar – se manteria em público.
Pensavam que na Espanha do séc. xxi, integrada na Europa, e tantos anos depois da ditadura, não haveria espaço para presos políticos?
Estávamos convencidos disso. Acreditávamos que a Espanha era uma democracia com todas as suas garantias.
Acha que o governo de Pedro Sánchez negociou de boa-fé com os independentistas? E os com catalães?
Sim. Não acho que a questão seja de boa ou má-fé. Acho que o problema está em se tem ou não capacidade de liderar um espaço de diálogo com os independentistas num ano eleitoral (municipais e regionais no mês de maio) e com uma oposição de direita muito ativa contra esse diálogo.
O que podia ter sido considerada uma vitória para os independentistas catalães nas negociações com o governo de Pedro Sánchez?
Não se trata de contabilizar vitórias. Trata-se de abrir espaços de diálogo. Isso seria uma grande vitória para todos nós.
Ainda que esteja em prisão preventiva, não tem deixado de participar na vida política da Catalunha e foi agora eleito presidente do Crida Nacional per la República. Esta escolha é apenas simbólica? Um sinal de que os independentistas não esquecem os seus presos? Uma mensagem para Madrid?
Não é simbólica. É a demonstração inequívoca do meu compromisso com a política democrática e a vontade de continuar comprometido com o estruturar de uma maioria social que, no final, consiga o direito à autodeterminação.
Qual será a sua importância na luta independentista se continuar preso?
Eu confio que se fará justiça e sairemos absolvidos deste processo.
Que estratégia política tem para o futuro mais próximo? Será candidato nas eleições de maio?
Não estou a pensar nisso neste momento. De qualquer maneira, acho que o importante é consolidar o projeto cívico e político independentista. Colaborarei em tudo o que me pedirem e acredite que possa ser útil.
A sua participação no Crida é um sinal de que as suas divergências com Carles Puigdemont foram ultrapassadas?
Eu nunca tive divergências com o presidente Puigdemont. Ele é o presidente legítimo que foi destituído, que voltou a obter uma maioria parlamentar para ser eleito presidente, e o Tribunal Constitucional impediu-o. Graças ao seu exílio, hoje já sabemos que os tribunais europeus não partilham a tese da rebelião que nos querem impor.
Em que se distingue o Crida per la República dos outros movimentos que lutam pela independência?
O Crida é um espaço de confluência, uma plataforma ou frente ampla onde cabem opções ideológicas que vão desde a nova esquerda e a esquerda democrática até posições de centro e sociais-liberais. Acreditamos que a união faz a força e que o independentismo terá a ganhar se formos capazes de procurar o que nos une e acordar um programa social e económico amplamente partilhado.
A chama do independentismo catalão continua viva?
É só ver as últimas eleições e todas as sondagens. O projeto independentista é um projeto carregado de futuro. E os que apoiam uma solução acordada com o Estado, mediante o exercício de um referendo, são hoje mais de 75% da população da Catalunha. Entre eles há uma maioria de independentistas – não são todos, mas uma ampla maioria.
E a sua relação com essa luta é hoje diferente da que tinha antes do referendo?
Antes de entrar na prisão, nunca tinha pensado na política institucional. Já na prisão fui eleito deputado e sou presidente do grupo parlamentar de Junts per Catalunya, que é quem atualmente tem a presidência do governo catalão.
O seu julgamento e dos outros 11 líderes independentistas começou na terça--feira. Acha que será um julgamento justo?
Os dois primeiros dias de julgamento demonstraram que este é um julgamento político. Não só porque se está a julgar políticos e líderes sociais pelas suas ideias, mas porque o próprio Ministério Público e a Advocacia do Estado [serviços jurídicos do Ministério da Justiça], nas suas primeiras intervenções, deixaram claro que todo o julgamento gira à volta do debate político sobre os limites do direito à autodeterminação, manifestação e expressão. É o julgamento sobre a democracia em Espanha.
Assusta-o a possibilidade de poder ser condenado a uma longa pena de prisão?
O delegado do Ministério Público pede 17 anos. Evidentemente, é um pedido que causa vertigens. Mas estou confiante na absolvição. Todas as evidências e provas demonstram que não houve nem uma ponta de violência, nem vontade de a provocar. E sem violência não há rebelião nem sedição.
Vai declarar-se inocente dos crimes de que o acusam? Qual será a sua estratégia de defesa?
Sem dúvida. Só aceito a absolvição. Se me condenarem, estarão a condenar o direito à manifestação, reunião e expressão. Não é possível que isso aconteça sem prejudicar gravemente a democracia e o Estado de direito em Espanha.
Tem receio de que este julgamento possa ser usado como exemplo para outras veleidades independentistas em Espanha, condenando-os a grandes penas de prisão para evitar no futuro outras situações políticas do género? Há vontade de instigar o medo nos independentistas com este julgamento?
Sem dúvida que é disso que estão à procura. Castigar, provocar medo. Mas o mais impressionante é que a cidadania se rebelou pacificamente contra esse medo. Quando não há medo, aquele que o quer impor deixa de ter poder para o fazer. É aí que ganham a democracia e a liberdade.
Acha que o julgamento poderá chegar ao fim com todos os presos ilibados?
Se for um julgamento justo, só pode terminar assim. Com a absolvição.
Se assim acontecer, o que poderá representar para o Estado espanhol?
Será uma oportunidade para todos orientarem a crise e os problemas políticos que Espanha e Catalunha mantêm através do debate democrático.
Há mais de um ano detido, o que lhe tem ensinado a prisão? Como é o seu quotidiano?
Já estou detido há 16 meses. Aprendi que a vida na prisão também é intensa em valores positivos, como a solidariedade. Muitos reclusos pagam pelos seus erros e a maioria aceita-o, mas a sociedade também deve saber que muitos desses erros se devem a condições sociais de penúria que nunca deveriam ter sido permitidas. Na prisão vive-se o melhor e o pior da sociedade, da condição humana.
O que lhe tem custado mais por estar preso, para além de, claro, não ter a sua liberdade?
O estar distante da minha família, da minha companheira, dos meus filhos, dos meus pais e dos meus amigos. A prisão também serve para uma pessoa se encontrar consigo mesma, para ser mais tolerante consigo mesma. É uma lição diária de humildade e tolerância.
Como tem reagido a sua família à sua prisão?
Com uma integridade incrível, uma maturidade que nunca antes poderia ter imaginado. Com a prisão, crescemos todos. Mas, como sempre digo, a prisão é sobretudo uma condenação para o ambiente familiar, que sofre muito e imagina sempre o pior em relação a um centro penitenciário.
Acha que esta detenção poderá prejudicar a sua vida académica?
A prisão prejudica muitas coisas, também a vida profissional, sem dúvida.
Como tem aproveitado o tempo na prisão? Escreve? Lê muito?
Reencontrei-me com a leitura. Deixei um pouco de lado a leitura de ensaio e a leitura académica para me centrar no romance e na poesia. Também aproveitei para escrever, ordenar as ideias e manter correspondência. Em 16 meses recebi cerca de 45 mil cartas. Isso diz muito do apoio social que temos na Catalunha.