O ex-árbitro e comentador do Porto Canal Perdigão da Silva arrasa a decisão da juíza Ana Peres – que decidiu deixar o Benfica fora do julgamento do caso e-toupeira – e no seu recurso vai ainda mais longe do que o Ministério Público. No documento a que o i teve acesso, o ex-árbitro quer que a Benfica SAD vá a julgamento por corrupção ativa e diz que a tese defendida pelo tribunal – de que o clube não tem responsabilidades pelos alegados crimes cometidos por Paulo Gonçalves – é “irrealista”.
Perdigão da Silva é um dos assistentes do processo e-toupeira, tal como o Sporting, mas este último apesar de publicamente ter considerado a decisão da juíza “incompreensível” preferiu não recorrer da decisão – o prazo limite era a última quarta-feira.
No recurso à decisão instrutória, o MP pediu que o clube da Luz respondesse pelos 30 crimes por que está acusado, bem como que o funcionário judicial Júlio Loureiro se sentasse no banco dos réus.
Ao contrário do que constava na acusação – que dava Paulo Gonçalves como um homem de liderança que agia em nome do Benfica – o procurador do Ministério Público defendeu no recurso que, apesar de o assessor jurídico ser um subordinado, a sociedade nada fez para evitar que fossem cometidos crimes – ou seja, a falha no dever de vigilância faz com que seja também responsável por todos os crimes que terão sido praticados por Paulo Gonçalves.
“A sociedade arguida não diligenciou para que, no interesse da sociedade, utilizando os seus bens, os seus colaboradores e estrutura, não fossem praticados ilícitos por parte de colaboradores, neste caso colaborador/subordinado, especial e imediatamente ligado à administração e ao seu presidente”, refere o procurador Valter Alves.
O recurso do ex-árbitro
Perdigão da Silva não pede que todos os acusados vão a julgamento por todos os crimes. Apenas que o Benfica responda por um dos 30 por que foi acusado – o de corrupção ativa. Além das críticas ao entendimento da juíza Ana Peres, o também comentador do Porto Canal recusa a versão que consta no recurso do Ministério Publico sobre Paulo Gonçalves, a de que era um subordinado.
“Paulo Gonçalves determinou José Augusto Silva [funcionário judicial] à prática dos aludidos atos [pedido de informações sigilosas de processos] em nome e no interesse da Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD: afinal, que outro motivo haveria para Paulo Gonçalves o fazer?”, questiona o recurso, adiantando que se as informações interessavam ao assessor jurídico, muito mais interessavam ao Benfica.
“A tese do Tribunal a quo é desprovida de sentido e de qualquer aderência à realidade. Considerar que Paulo Gonçalves – repita-se: o diretor jurídico da SLB SAD e pessoa de confiança do seu presidente –, se tenha disposto a corromper funcionários judiciais para assim obter informações judiciais sigilosas relativas à SLB SAD e aos seus rivais para seu próprio interesse pessoal, de jeito em tudo alheio ao interesse social da própria SAD é conclusão incompatível com as regras da normalidade e experiência comum”, refere a defesa do ex-árbitro, insistindo que a tese que levou à não pronúncia é “irrealista” e que se “torna ainda mais absurda quando confrontada com o cabal acervo probatório junto aos autos, inclusivamente com a prova produzida em sede de instrução”.
Gonçalves era o ‘homem do Jurídico e do Futebol’
Segundo Perdigão da Silva – árbitro assistente até 2005 que um dos árbitros cujos dados pessoais terão sido consultados ilegalmente através do alegado esquema montado por Paulo Gonçalves – os pedidos de informações aos funcionários judiciais não eram feitos para satisfazer a curiosidade do assessor jurídico do SLB: “A sua obtenção fundava-se no interesse da coletividade no âmbito da qual exercia relevantes funções, nomeadamente na área a que tais informações diretamente importavam: a área jurídica.
Sobre Paulo Gonçalves, o comentador do Porto canal diz que “para todos os efeitos […] era, pois, o ‘homem do jurídico’ e, a par com o próprio presidente da sociedade arguida [Benfica SAD], também o ‘homem do futebol’”.
E continua frisando o papel de liderança, contrariamente ao que o MP defendeu no seu recurso: “Dúvidas não há de que os factos dados como suficientemente indiciados na acusação pública […] colocam o arguido Paulo Gonçalves numa posição de liderança na SLB -Futebol, SAD”.
O caso E-Toupeira
Segundo a acusação, a Benfica SAD e Paulo Gonçalves compraram os funcionários judiciais José Silva e Júlio Loureiro com o objetivo de ter acesso a informação sigilosa de investigações criminais e assim poderem antecipar-se às diligências das autoridades, inclusivamente destruindo provas. Estes quatro arguidos foram acusados por crimes de corrupção passiva e ativa, favorecimento pessoal, violação do segredo de justiça, recebimento indevido de vantagem, peculato, falsidade informática e acesso indevido.
De acordo com a investigação, em troca de bilhetes e merchandising do Benfica, tanto José Silva como Júlio Loureiro, que também era um canal de acesso interno a informação sobre arbitragem, o clube da Luz terá conseguido iludir “a investigação ao ter conhecimento antecipado de diligências e atos processuais” que os dois funcionários comunicavam “aos visados Paulo Gonçalves e Benfica SAD”.
“Agiram com o propósito de evitar que o clube e Paulo Gonçalves fossem acusados, julgados e condenados numa pena, permitindo a destruição ou ocultação de prova”, refere a acusação.
A juíza Ana Peres, no entanto, decidiu em em dezembro deixar cair vários crimes, incluindo os 30 por que estava acusada a Benfica SAD. A magistrada do Tribunal Central de Instrução Criminal, que substitui Ivo Rosa, justificou que não se podem imputar ao Benfica os atos de Paulo Gonçalves, dado que este “não fazia parte dos órgãos sociais da pessoa coletiva, nem representava a pessoa coletiva”, sendo, na prática, um subordinado.