Paio Pires. O que se passa dentro da SN Seixal?

Paio Pires. O que se passa dentro da SN Seixal?


Às queixas dos moradores, que já deram origem a investigações oficiais, juntam-se denúncias de trabalhadores. O i teve acesso a várias e sabe que a ACT irá em breve à SN Seixal para uma reunião com a direção da fábrica


Tal como noutras fábricas, no interior da SN Seixal (antiga Siderurgia Nacional) existe um pórtico cujo objetivo é o transporte de uma panela com várias toneladas de ferro derretido. No cimo do pórtico há uma cabine, onde os trabalhadores com essa função têm de movimentar o pórtico e a respetiva panela, vertendo-a nos locais certos para a produção de diversos materiais. Um dia, a poluição no interior da fábrica estava especialmente intensa e o funcionário não conseguia ver para o exterior da cabine. Por isso, não conseguia também ver para onde estava a verter o ferro derretido. A solução das chefias não tardou: para contornar a situação e assegurar a continuidade da produção, deram um walkie-talkie ao trabalhador da cabine e colocaram outro trabalhador junto à panela, também munido de um walkie-talkie, para que assim pudessem comunicar. A ideia era o funcionário junto à panela ser os olhos do da cabine, mas o trabalhador da cabine recusou-se a continuar o trabalho, por receio de verter o ferro derretido sobre alguém ou algum equipamento. A resposta da direção? A abertura de um processo disciplinar a ambos os trabalhadores.

Este é apenas um dos casos relatados ao i por trabalhadores e ex-trabalhadores – que não quiseram ser identificados por receio das repercussões – e por moradores de Paio Pires, no Seixal, que em janeiro fez manchetes. Em causa estava a invasão da aldeia por um pó branco – que se juntou ao frequente pó preto – e cuja origem os residentes atribuem à atividade da fábrica SN Seixal, detida pela empresa espanhola Megasa e “especializada no fabrico de fio-máquina” – além de fazer reciclagem para produção de “sucata de aço fragmentada”.

Mas as denúncias não ficam por aqui. O i teve mesmo conhecimento de outro caso em que um funcionário terá sofrido uma queda e terá ficado com uma ferida devido às limalhas de ferro. Acabou por sofrer um envenenamento no sangue e morreu dias depois. Ao i, fonte próxima da empresa atribui a morte a complicações que surgiram em ambiente hospitalar. Fonte oficial confirma esta versão: “A SN Seixal respeita integralmente as normas de segurança e os direitos dos trabalhadores. Em resultado disso os serviços de medicina do trabalho e a companhia de seguros de acidentes de trabalho são quem toma as decisões clínicas quanto à necessidade ou não de incapacidade do trabalhador ou condicionantes ao trabalho, que são sempre integralmente respeitadas pela empresa. No início do ano passado um trabalhador da SN Seixal foi admitido no hospital dias depois do seu último dia de trabalho, tendo vindo a falecer em resultado de uma infeção generalizada. Tivemos posteriormente conhecimento de que o mesmo teria tropeçado dentro das instalações, não tendo, pela aparente insignificância do episódio, dado conhecimento de tal facto aos serviços da empresa nem comunicado nenhum tipo de acidente. De forma cautelar, assim que tivemos conhecimento desta situação a própria SN reportou a situação à seguradora de acidentes de trabalho”.

Ainda assim, atuais e antigos trabalhadores da empresa acusam a direção de não gostar que os funcionários envolvidos em acidentes de trabalho recorram ao seguro a que têm direito, porque isso “denigre a imagem” da SN Seixal. E há mesmo relatos segundo os quais, em casos em que os funcionários recorreram ao seguro ou fizeram queixa à Autoridade Para as Condições de Trabalho (ACT), a empresa terá respondido com a atribuição de tarefas que não cabiam àqueles funcionários ou com horas extra.

O i contactou a ACT relativamente às queixas descritas, questionando se tinha conhecimento das situações e se iria abrir uma investigação, mas a entidade não respondeu até ao fecho da edição. Contudo, o i sabe que a ACT vai à SN Seixal no próximo dia 22 para reunir com a administração da empresa, depois de várias queixas de trabalhadores. A reunião estava inicialmente marcada para amanhã, mas foi adiada devido à visita dos deputados da comissão parlamentar de Ambiente à fábrica, entretanto marcada para as 15h desse dia. Na mesma data, os deputados irão também reunir-se com Joaquim Pires, presidente da Câmara do Seixal, com a Junta de Freguesia de Paio Pires e ainda com o grupo “Os Contaminados”, que junta vários moradores preocupados com as consequências que a poluição vinda da fábrica pode ter na saúde pública.

Recolha de provas Ao i, João Carlos Pereira, um dos dinamizadores do movimento “Os Contaminados”, explica que esta semana o grupo tem estado a pedir aos moradores que recolham provas da poluição que acreditam vir da fábrica. Numa publicação do grupo no Facebook é aconselhado aos habitantes da região que não lavem as viaturas, fotografando-as ou filmando-as, e que recolham em sacos de plástico “amostras de limalhas e pó negro que se depositem nas varandas, parapeitos, quintais, bem como nas campas do cemitério”, entregando-os, até hoje, na Sociedade Musical 5 de Outubro. O objetivo é, esta sexta-feira, mostrar as provas recolhidas aos deputados, utilizando-as também numa futura ação popular em tribunal contra a SN Seixal.

Investigações No final de janeiro, a GNR contava já 26 queixas da população local, relativas ao pó que se acumula em carros, roupa ou varandas. O i contactou ontem a GNR para pedir uma atualização do número de queixas que, recorde-se, levaram em janeiro a uma investigação da Associação Portuguesa do Ambiente (APA), mas os dados não chegaram até ao fecho desta edição.

Entretanto, os resultados da investigação da APA – revelados na semana passada pelo presidente Nuno Lacasta numa audição na comissão parlamentar de Ambiente requerida pelo PCP – indicam que o que se verificou no início do ano foi “uma situação de qualidade do ar estacionária, justamente monitorizada na estação de Paio Pires” e que, por exemplo, no dia 1 de janeiro se registaram “valores elevados em Paio Pires e, segundo a empresa, a atividade esteve parada”.

Ainda assim, Lacasta assinalou que há matérias que “vão merecer continuada avaliação”, como o ruído, que os moradores descrevem ser “muito intenso”, especialmente durante a noite. E deixou a garantia: “A empresa alega que alguns dos investimentos são incomportáveis, mas a verdade é que estão previstos nas licenças e não vamos deixar de assegurar o seu cumprimento”, disse, assegurando que a APA irá “estar, literalmente, em cima da empresa para esse efeito”. Dias antes, a Zero tinha alertado que a aldeia ultrapassou o valor-limite de partículas inaláveis durante 13 dias de janeiro.

De resto, à promessa da APA juntou-se o ultimato da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), feito no mesmo dia: a SN Seixal tem 60 dias para cumprir as condições da licença ambiental.