Foram às toneladas os emails que nos encheram as caixas de correio com a desconcertante pergunta do aceita ou não aceita receber estes emails.
O medo e, até certo ponto, o pânico de uma ação judicial por violação de privacidade era tanto que todo o bicho-careta que tinha uma newsletter ou emails promocionais desatou a enviar pedidos de consentimento que tiraram muita gente do sério.
O excesso de zelo do legislador europeu contribuiu, e muito, para gerar zettabytes de correspondência eletrónica completamente inútil. E, falo por mim, ignorei e passei longas horas a eliminar emails relacionados com o GDPR.
Não sou jurista nem especialista em matéria de privacidade e proteção de dados, mas tenho para mim que o legislador europeu, ou melhor, o legislador burocrata europeu vive numa caixinha escura e apertada que se alimenta das postas de pescada dos responsáveis por estas matérias dos 27 Estados-membros.
Nessa mesma caixa, o legislador, ao sabor desagregado e descoordenado dos contributos dos 27, esforça–se por redigir um diploma que: satisfaça os egos e opiniões dos membros; proteja alguma indústria e lóbi europeu (ou estrangeiro); e, por último, que tudo no final faça algum sentido – honestamente, esta é a imagem que eu tenho.
Quem já participou em algum processo legislativo europeu pode não concordar com esta descrição (naturalmente irónica), mas deve certamente identificar traços semelhantes nos processos em que participou.
Que o projeto europeu e o seu processo de governação são complicados e difíceis, já todos sabemos.
O que continua a espantar–me é a falta de capacidade de, de uma vez por todas, a Europa ser capaz de legislar de forma clara e, sobretudo, eficaz.
Porquê? Porque a extensa e complicada GDPR elabora profundos considerandos sobre a proteção de dados e a forma como podemos dar autorização para o seu tratamento, e depois simplifica tudo com o instrumento de “dar consentimento”.
Estão a ver aquelas páginas iniciais de quase todos os sites ou os extensos emails que receberam da Google e do Facebook que terminam com uma tick box ou um concordo? É basicamente isso.
E pronto, toda a trabalheira que o pequeno legislador burocrata europeu (o que vive na tal caixinha, lembram-se?) teve na redação do documento final vai por água abaixo.
E podem vocês perguntar legitimamente: mas quem é este iluminado que vem, também ele, para aqui mandar bocas sobre um assunto no qual não é especialista?
A resposta que vos dou é um desafio. Um desafio muito prático para quem usa o Google como motor de busca. E este exemplo é apenas um dos muitos que se encontram disponíveis, fora todos aqueles de que não temos conhecimento.
Então façam o seguinte: abram um browser e digitem sobre ele o seguinte endereço myactivity.google.com/myactivity. Agora façam scroll down e vejam a vossa vida, ou grande parte dela, aí espelhada e na posse do provedor. E aí está toda a vossa informação. Sim, ali, porque já ninguém vai às páginas amarelas, consulta um mapa, abre uma enciclopédia em papel ou vai a uma loja de discos.
Impressionante não é? Assustador, até certo ponto. E agora podem perguntar: para que serve o GDPR? Para que foi a introdução do consentimento?
Mesmo que não sejam especialistas, como eu, não vos faz espécie? Não vos intriga?
Não vos preocupa que a Google saiba passo a passo o que procuram? Para onde vão? Quais os vossos gostos, orientações sexuais ou preferências gastronómicas?
Pessoalmente, não me preocupa muito e, em certos casos, até me dá um certo jeito as sugestões que a Google faz com base no histórico das minhas pesquisas.
Mas das duas uma: ou o legislador não tem noção disto ou alguém o encomendou. Ficam ao vosso critério as conclusões que entendam por bem tirar.
Escreve à quinta-feira