Mishlawi. “Podes ter uma canção a explodir por si mesma mas uma carreira precisa de ajuda”

Mishlawi. “Podes ter uma canção a explodir por si mesma mas uma carreira precisa de ajuda”


“Solitaire” só tem edição digital, mas é distribuído globalmente. A 9 de março é apresentado no Coliseu dos Recreios


Com que idade vieste para Portugal?

Quando tinha dez anos. Nasci em New Jersey e, com meses, mudei-me para Phoenix, Arizona. É a minha cidade. Vivi lá até aos oito anos e passei lá a parte mais importante da minha infância. Depois fui para Itália, onde vivi durante dois anos, e vim para Portugal. 

Porquê Portugal?

O meu pai veio para cá trabalhar. A empresa onde ele estava começou a abrir escritórios noutros países. Eu, a minha irmã e a minha mãe fomos com ele. Ficámos por cá mas, nesta altura, estou em Portugal porque quero. Ainda voltei para os EUA e vivi em Londres durante uma fase, mas agora é aqui que quero estar.

Porquê ?

Porque adoro. A vida é muito descontraída, os meus amigos estão todos aqui e eu já não me sinto tão bem como dantes nos EUA. Estive tantos anos fora que já não me sinto tão americano. 

Que diferenças notas?

A cultura, talvez. Voltei para os EUA pela primeira vez quando tinha 15 anos. Estive lá um ano, porque o meu pai voltou a trabalhar lá. Andava numa escola em New Jersey e já não percebia as piadas e a maneira de as pessoas falarem. Senti-me um outsider.

Sempre viveste em Cascais?

Sim.

É um dos melhores concelhos do país para se viver.

Sim, a qualidade de vida em Cascais é bué alta. É bué fixe viver lá, mas também vou a outros sítios. O [rapper] Plutónio é dos meus melhores amigos e estou sempre no bairro dele. O meu produtor, o Prodlem, vive na Zona J, em Chelas, onde também passo bastante tempo. Assim consigo perceber a visão de outras pessoas. Mas, claro, venho de uma família privilegiada. 

Quando começaste a ser o Mishlawi que conhecemos?

Para aí com 14 ou 15 anos, quando comecei a escrever canções. Foi aí que decidi que queria fazer esta música. Mas ainda ouço todos os tipos de música. E tenho fases. Dos nove aos 16, e ainda hoje, ouvia muito rock. Os Pink Floyd são a minha banda favorita. Cada vez que uma banda de tributo a Pink Floyd vem a Lisboa, vou ver. Quando o Roger Waters trouxe o “The Wall” ao Altice Arena, estava lá. Fui ver os Iron Maiden. 

Se gostas de rock, o que te fez seguir algo entre o rap e o r&b?

Não sei. Foi a forma mais fácil que encontrei de me expressar. E de o fazer sozinho. A minha cena não era estar numa banda, era estar sozinho. Há muitas formas artísticas que aprecio, mas a forma que encontrei de me expressar é esta, a mais natural. 

Quando é que se tornou um projeto de vida?

Quando saiu a “All Night” (single de final de 2015 com um vídeo de janeiro de 2016 que leva mais de 12 milhões de visualizações) percebi que as coisas estavam a acelerar. Foi quando comecei a levar isto a sério. Antes do “All Night”, estava nos EUA a estudar na faculdade, em Washington, mas não curtia. Tinha saudades de Portugal. Decidi voltar e passei muito tempo em estúdio a pensar que estilo queria fazer. O “All Night” saiu e chegou a pessoas que não conhecia. Vinham falar comigo na rua porque me reconheciam. Quando saiu o “Limbo” (outubro de 2016) é que percebi que tinha aqui uma cena e talvez isto pudesse ser a minha vida. 

O que estudavas?

Cinema. E fazia vídeos. Era aquele gajo que curtia estar sempre a criar, mas a música foi sempre uma parte da minha vida. As outras iam e vinham. 

De repente, e sem um álbum, estás no top da Rússia.

Sim, foi a “All Night”. Rebentou na Rússia e fomos lá dar concertos – já demos três e vamos voltar este ano. É estranho, não consigo explicar. Acho que havia uma modelo com muitos seguidores que publicou um vídeo dela e do marido, que creio que jogava na seleção de futebol da Rússia, a cantar a música no carro. A seguir houve uma série de modelos e atores a publicar. Foi um fenómeno viral. 

Fez-te pensar numa carreira internacional a partir de Portugal?

Sim. No início, nem sequer pensava que pudesse ter impacto em Portugal. Fazia música apenas porque gostava. Quando a “All Night” começou a funcionar foi uma surpresa. E quando rebentou na Rússia foi tudo demasiado rápido. Eu nem sequer tinha tido ainda oportunidade de viver isto na minha terra. Dei os primeiros dois concertos em Portugal e o terceiro na Rússia! Foi muito estranho. Quando cheguei à Rússia, [o concerto] encheu e as pessoas conheciam as canções. 

Quantas canções tinhas?

Cinco. Toquei cinco músicas na Rússia e toda a gente conhecia tudo.

Lembras-te de reações inesperadas através das redes sociais?

Um amigo da Dua Lipa publicou um vídeo dela e da irmã a dançar a “All Night”. Nunca falei com ela. A Bebe Rexha enviou–me uma mensagem a dizer que adorava o “All Night”. “‘Bora fazer um som juntos.” E eu: “Ah!” Esperei umas horas para não parecer excitado e respondi-lhe com um calmo “o que é que tens em mente?”. E ela nunca mais me respondeu. (gargalhada) Devia ter respondido logo. Ela segue-me no Instagram. 

Como chegas ao Richie Campbell e à Bridgetown?

Foi muito antes do “All Night”, em 2014. Tinha 17 anos. Estava num centro comercial com amigos, o Richie passou e eu pedi-lhe para mostrar as minhas canções. Ele ficou surpreendido por eu não ser português e deu-me o mail. Ele curtiu e começámos a falar. 

Já tinhas uma consciência da indústria? Na geração da internet, nem sempre há essa noção, nem o pensamento de fazer um álbum. 

Por acaso, eu sempre quis fazer um álbum. Fazia sentido. Antes de começar a trabalhar com a Bridgetown, eu tinha bué discos [feitos] (como a mixtape “Wizkid”, entretanto apagada, de 2014). No secundário fiz vários. Não queria saber da qualidade da música nem se ia ficar famoso. Só queria fazer música e era bué rápido. Fazia uma música por dia, ao fim de dez dias tinha dez e dava aos meus amigos, a colegas da Escola Inglesa e da Escola Alemã. Fiz uns seis CD. Quando saiu a “All Night”, pensei em fazer um álbum. Quis fazer em 2016 e não consegui. Quis fazer em 2017 e não consegui. Fiz em 2018 e sai agora. Não estava preparado. Conseguia fazer canções, mas queria a minha sonoridade e uma linha de pensamento do início até ao fim, com um equilíbrio de temas que as pessoas pudessem ouvir e reconhecer. Ainda tenho canções para divertir e de amor, mas este é um álbum muito pessoal sobre aquilo que vivo como artista e como jovem. 

O que pode trazer a indústria tradicional a quem tem tantos seguidores e um impacto tão grande? 

Dantes, não era possível um artista independente publicar uma canção na internet e explodir. Por outro lado, podes ter uma canção a explodir por si mesma, mas para construir uma carreira de dez anos é preciso ajuda. Precisas de pessoas que conheçam a indústria e saibam de estratégia. E eu não sei. Eu só me preocupo com a música. Não quero explodir agora e não ser ninguém depois. Quero construir uma carreira. Penso no que vou fazer daqui a dois anos, daqui a cinco anos…

Nunca te deslumbraste? 

Nunca pensei “está feito”. Mesmo o assinar pela editora para todo o mundo é uma oportunidade para chegar mais longe. Nunca pensei chegar aqui e ao chegar é que percebi que há muito mais para conquistar. E também sou naturalmente insatisfeito. Não consigo ouvir as músicas que fiz e, ao ver os vídeos, não gosto. Quero sempre mais. É bom e mau porque às vezes não fico feliz. Penso e stresso muito, mesmo quando as coisas estão a ir bem. Ser perfeccionista é uma bonança e uma cobrança.