O fim dos carros a gasóleo?


Portugal tem uma das taxas mais baixas de penetração de veículos elétricos e apenas tem conseguido taxas de crescimento altas recentemente porque parte de valores muito baixos


A mobilidade nas cidades e nos países está a mudar. Várias cidades têm introduzido e promovido formas de mobilidade alternativas e têm restringido ou mesmo parcialmente proibido formas de mobilidade convencionais.

A necessidade destas mudança advém de duas notórias falhas de mercado na área da poluição (quantidade de emissões de GEE e partículas) e do congestionamento, já que o preço do serviço de transporte ou de mobilidade não inclui todos os custos que são suportados pelos indivíduos ou pela sociedade. Muitas das medidas que vemos serem introduzidas por governos a nível central e local não são mais do que tentativas de corrigir ou colmatar essas falhas de mercado.

Em cima disto, ou se calhar em parte como causa disto, tivemos o Dieselgate e a quebra de confiança entre compradores de veículos e construtores automóveis (em particular, os alemães), e que para muitos significaram uma perda de valor das marcas envolvidas em particular e dos veículos movidos a gasóleo (maiores emissores de partículas) em geral.

Apesar disto tudo, Portugal está atrasado nesta transição da mobilidade. Apesar de sinais promissores desde que a Grande Recessão terminou, o hiato entre nós e os que lideram nesta transição é notório. Onde este hiato se nota mais é na adoção de veículos elétricos.

Não tinha de ser assim. Portugal tem uma produção elétrica bastante descarbonizada graças à energia hidroelétrica e, mais recentemente, à aposta no vento. No início deste século houve investimentos e medidas de promoção dos veículos elétricos e até fomos pioneiros na introdução de postos públicos de carregamento rápidos e nos incentivos financeiros e fiscais à sua aquisição.

Os consumidores, por vários motivos, não responderam a esta chamada. Portugal tem uma das taxas mais baixas de penetração de veículos elétricos e apenas tem conseguido taxas de crescimento altas recentemente porque parte de valores muito baixos.

Devido a uma fiscalidade acentuada e deliberadamente assimétrica (durante muitos anos, a incidência fiscal do gasóleo foi muito inferior à da gasolina, o que, entre outras consequências, leva a que Portugal seja exportador de gasolina) e pelos seus consumos historicamente mais baixos em litros/quilómetro (hoje já não é tanto assim), os veículos a gasóleo foram adotados em larga escala. Hoje dominam o nosso parque automóvel e tornaram Portugal o segundo país da Europa a seguir à Irlanda onde é maior a percentagem de registo de veículos ligeiros de passageiros a gasóleo (61,5% em 2017), apesar do decréscimo de registo de novos veículos a diesel, comum a todos os outros países.

Ao longo do tempo, alguns argumentos pertinentes têm sido utilizados para adiar ou, pelo menos, atrasar a transição energética. Que a produção dos veículos elétricos (por causa das baterias) tem maior impacto ambiental que a produção dos veículos com motor de combustão interna, que a produção elétrica tem de ser integralmente descarbonizada para beneficiarmos integralmente das vantagens dos elétricos, que os veículos com motor de combustão interna estão a ficar mais eficientes energeticamente (e, portanto, por arrasto terão menores emissões). Tudo isto é verdade. Mas também é verdade que relatórios recentes da Agência Internacional da Energia e da Agência Europeia do Ambiente indicam que, com a atual produção elétrica só parcialmente descarbonizada e com medidas de reciclagem das baterias, os veículos elétricos disponíveis hoje no mercado têm menor impacto ambiental (desde que o aumento na quota de mercado de veículos elétricos seja acompanhado pelo aumento da quota de produção renovável no sistema elétrico). E acrescentam que, atendendo às fortes tendências de redução de custos na produção das baterias e aumento da sua capacidade, os veículos elétricos não só são melhores para o ambiente como muito em breve até serão mais baratos (especialmente quando se considera o chamado total cost of ownwership, os custos totais incorridos pelo proprietário de um veículo ao longo de todo o seu ciclo de vida).

Trabalho realizado no Instituto Superior Técnico, quer em artigos científicos quer no projeto MEET2030 (em parceria com o BCSD Portugal e várias das maiores empresas portuguesas), aponta para uma forte relação entre energia (mais concretamente, entre a eficiência na conversão de energia em trabalho) e crescimento económico. É uma relação bidirecional. O aumento da eficiência produz crescimento económico e o crescimento económico leva a uma aumento do consumo de energia (rebound). Apesar desta dificuldade em reduzir os consumos energéticos num contexto de crescimento económico, sabemos agora que quando aumentamos a eficiência energética produzimos mais riqueza. Os motores elétricos têm uma eficiência muito superior na produção de trabalho mecânico. E o setor de transportes, ainda dependente de combustíveis fósseis, é onde a oportunidade de aproveitar este potencial de melhoria de eficiência é maior.

Como podemos ver, não só a transição energética é necessária (e alguns dirão inevitável) como poderá não ser um custo para a sociedade; pelo contrário, se encarada da maneira certa, poderá ser uma oportunidade de aumentar a produtividade da economia e a riqueza do país.

 

Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico