Todos os olhos estarão hoje voltados para Espanha, com o começo do histórico julgamento dos 12 líderes catalães que organizaram o referendo de 1 de outubro de 2017 e proclamaram a independência unilateral da Catalunha. Será um julgamento que vai para lá da justiça e se estende à política espanhola, dividindo opiniões. Para uns, os arguidos são traidores que organizaram uma rebelião contra Espanha; para outros, são presos políticos que lutaram pela autodeterminação da Catalunha. Enfrentam penas de sete a 25 anos de prisão. No banco dos réus não estão apenas os homens e as mulheres que fizeram tremer a ordem constitucional espanhola, mas principalmente o próprio independentismo catalão.
O Ministério Público espanhol pede mão dura para quem, diz, colocou em causa a unidade espanhola ao ameaçar a ordem constitucional. Nove dos 12 arguidos poderão ser condenados por este crime, com seis destes a poderem sê-lo também por desvio de fundos. Os outros três serão julgados por desobediência, tendo aguardado pelo julgamento em liberdade condicional. No entanto, há quem esteja preso preventivamente, a maioria: Oriol Junqueras, Jordi Sànchez, Jordi Turull, Raul Romeva, Joaquim Forn, Dolors Bassa, Josep Rull, Carme Forcadell, Jordi Cuixart. Em liberdade condicional ficaram Meritxell Borràs, Santi Vila e Carles Mundó.
A grande ausência no julgamento será a do antigo presidente da Generalitat Carles Puigdemont, que fugiu para a Bélgica após a detenção dos líderes catalães e a ativação pelo governo popular de Mariano Rajoy do artigo 155.º da Constituição espanhola, com apoio do Ciudadanos e do PSOE, eliminando temporariamente a autonomia catalã. Puigdemont foi o grande rosto do combate independentista.
Espera-se que o julgamento dure vários meses, prevendo-se que o anúncio das sentenças tardará dois a três meses depois de as audiências terminarem. Entretanto, mais de 600 jornalistas, acompanhados por 150 veículos de transmissão televisiva, estão já credenciados para acompanharem os trabalhos do Supremo Tribunal. O julgamento será transmitido em direto por várias televisões – argumento que serviu para o Supremo Tribunal recusar o pedido da Amnistia Internacional e da plataforma International Trial Watch-Catalan Referendum Case para serem observadores internacionais no processo.
“Os acusados promoveram a execução de uma estratégia completamente planificada, concertada e organizada para fraturar a ordem constitucional”, pode ler-se na acusação do Ministério Público contra os líderes catalães, acrescentando que “convocaram os cidadãos a participarem no dia do referendo de 1 de outubro, estando conscientes da ilegalidade do ato e de que, com isso, poderia haver explosões violentas”.
Entre as dezenas de testemunhas da acusação encontram-se ex-governantes e políticos como o antigo presidente do governo central Mariano Rajoy e a sua vice-presidente, Soraya Sáenz de Santamaría, mas também polícias enviados por Madrid para travar o referendo, perfazendo 80% do total das testemunhas.
Há muito que os advogados dos 12 acusados tentam adiar o julgamento, argumentando que não tiveram tempo de analisar todas as provas e documentos apresentados pelo Ministério Público, e que os direitos dos seus clientes estão a ser violados. Não tiveram sucesso e o julgamento vai mesmo começar.
“Podemos ter a certeza de que este não será um julgamento justo”, garantiu o presidente da Generalitat, Quim Torra, em declarações ao jornalistas no sábado, depois de ter ido visitar os “presos políticos” detidos. “Digam ao mundo a farsa que tem sido posta em andamento para sufocar a ideia de liberdade e autodeterminação”, continuou.
O combate judicial não se fará apenas entre as quatro paredes da sala do Supremo Tribunal. Há alguns dias, o ministro dos Negócios Estrangeiros catalão, Alfred Bosch, anunciou que iria fazer um périplo pelas principais capitais europeias para “explicar a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade” aos seus congéneres europeus. Na sua opinião, o julgamento não é nada mais nada menos que um “julgamento político contra presos políticos”, acusados de “crimes que implicam a violência quando não a houve” – o crime de rebelião é caracterizado como “levantamento violento e público” pelo código penal espanhol.
Os líderes catalães sempre apostaram que a Europa sairia em seu socorro se o governo central avançasse com mão dura contra o ímpeto independentista e a verdade é que estavam errados. Ao invés de ir em seu apoio, a Europa colocou-se ao lado de Madrid, ora condenando o independentismo ora dando-lhe uma imagem de perigo para a integridade do projeto europeu.
Mas nem todos os europeus alinharam com Bruxelas ou com os seus governos nacionais. Nos últimos dias, vários protestos pró-independência catalã e em solidariedade com os arguidos foram organizados em mais de 20 cidades europeias em nove países diferentes – Reino Unido, Dinamarca, Alemanha, França, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Espanha e Andorra. Foram convocados pelos braços nacionais da associação independentista ANC para denunciarem a “perseguição e repressão” de Espanha contra quem almeja a independência.