A cidade do Sado tem hoje uma nova cara e está a ser procurada por franceses, italianos, belgas e brasileiros. “Temos mil franceses com residência em Setúbal”, disse em entrevista ao i a presidente da Câmara de Setúbal, Maria das Dores Meira. Mas, num futuro próximo, a transformação ainda vai ser mais profunda. O mercado imobiliário “está muito forte”, com uma procura elevada, mas avizinham-se projetos de habitação que vão trazer uma nova vida a duas zonas da cidade, sublinha Maria das Dores Meira. Além do boom do mercado imobiliário, a autarca lembra ainda que o centro da cidade está a recuperar comércio e a acordar para o turismo, com projetos para cinco novos hotéis nos próximos cinco anos. Um deles será de seis estrelas e ficará no cimo da serra da Arrábida, na 7.a bataria. Mas nem tudo é um mar de rosas. No meio deste cenário vão decorrer obras para alargar o porto de Setúbal, de forma a receber navios de maior capacidade e cruzeiros. Para que isso aconteça estão previstas dragagens para retirar do fundo do rio Sado seis milhões de metros cúbicos de areia. A obra levantou um coro de críticas dos setubalenses, com os ambientalistas a alertarem para o risco de desaparecimento das praias na Arrábida. No i, Maria das Dores Meira responde aos críticos.
Já se mostrou favorável à obra no porto de Setúbal e às dragagens. Mas tem havido muita contestação e muitas críticas. Mantém a sua posição?
Sim.
Porquê?
No âmbito do estudo de impacto ambiental demos o nosso parecer, onde explicámos porque deve haver o desassoreamento, mas também alertámos que tem de haver prudência e cautela em relação à proteção da fauna e flora, das pradarias, dos peixes, dos roazes-corvineiros. O nosso parecer é muito cuidadoso em relação a isso. Nada de descurar o acompanhamento muito cuidadoso em relação às espécies.
Como vê as críticas?
Desde que existe o porto de Setúbal, sempre existiram dragagens. Não percebo qual é o drama. Se é pela maior profundidade, as dragagens estão sustentadas em estudos de entidades e de gente credível em quem confio. Portanto, tenho de esperar para ver o que vai acontecer. Não há uma grande cidade sem um grande porto, a menos que essa cidade tenha tido desde sempre vocação para outra área que não o porto. A cidade de Setúbal foi, de facto, uma cidade piscatória, industrial, portuária. Erradamente, nunca foi uma cidade de turismo. Neste momento, é uma cidade que se está a virar para os serviços e para o turismo, mas não deve esquecer que é também uma grande cidade portuária.
Mas as dragagens podem trazer risco precisamente para o turismo porque os ambientalistas alertam para o desaparecimento das praias. O Grupo Pestana é uma das vozes que fazem críticas. Teme que o investimento de grupos hoteleiros venha a desaparecer?
Mas qual foi o investimento dos grandes grupos hoteleiros turísticos? Gostava de saber. O que é que o Grupo Pestana investiu em Setúbal? Gostava de saber. O Pestana investiu há bem pouco tempo com verbas e projetos que ficam muito aquém daquilo que deveria ser, de facto, um investimento de um grupo hoteleiro que estivesse muito preocupado com Setúbal. Se a câmara municipal não tivesse investido na reabilitação e requalificação desta cidade, o Pestana não estava cá de certeza absoluta. Por isso, estou muito mais preocupada com aquilo que a nossa comunidade e com o que o nosso município têm conseguido fazer sem o Grupo Pestana, sem estar a subestimar o Pestana, como é óbvio. Porque faz falta, como todos os outros. Queremos que o Grupo Pestana fique cá, tal como todos os outros que estão a chegar. Mas temos de ser responsáveis. E este porto é muito, muito importante e dá uma estabilidade económica não só ao município como à região de Setúbal. Precisamos deste porto.
Há um ano disse que estavam na calha vários investimentos de grupos hoteleiros e que num horizonte de cinco anos iam ser construídos cinco novos hotéis em Setúbal. Esses investimentos mantêm-se?
Ninguém desistiu. Mantém-se tudo.
Mas o grupo Macau Legend Development desistiu do projeto que tinha para a marina…
Mas não tem nada que ver com as dragagens. Os macaenses foram a mola para a marina que procurávamos há muitos anos. O Macau Legend Development colocou à câmara municipal, à Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS) e ao governo uma ideia que transmitiu no papel. Por causa dessa ideia, hoje temos uma série de grupos que querem investir na marina. E o projeto dos macaenses continua em cima da mesa.
Continua?
Continuam com interesse, claro. Se não houvesse mais interessados, podia ser feita uma concessão. Mas como há mais interessados tem de se realizar um concurso público e tem de haver transparência. A APSS está a preparar um concurso público para a marina no qual os macaenses vão a jogo.
Quem são os interessados?
Não posso revelar. Há vários interessados.
Portugueses?
Portugueses e estrangeiros. E não houve nenhum a pôr uma vírgula de preocupação por causa das dragagens. Nem um.
E o concurso da 7.ª bataria para um hotel de seis estrelas, em que pé está? [edifício do Regimento de Artilharia de Costa de Outão, situado no topo da serra da Arrábida, com vista para o Sado. É uma unidade de defesa do Exército português, construída para defender os portos de Lisboa e de Setúbal. Cessou atividade em 1998 e desde então que o edifício está abandonado]
A 7.ª bataria tem um problema que é o da ocupação efetiva. Tem que ver com a revisão do ordenamento da orla costeira, o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA). Não está ainda feita a revisão por parte do Estado. Mas o ministro do Ambiente e o secretário de Estado mostraram-se disponíveis para apreciarem pontualmente algum projeto para aquela área. Estamos a pensar falar com um projeto que está em cima da mesa para saber se estão interessados ou se querem esperar pela revisão total do POPNA. Ainda não temos a resposta.
Esse investidor é português?
É português com capitais estrangeiros.
E os dois hotéis que estavam previstos para os edifícios das antigas fábricas, na zona ribeirinha?
Temos dois projetos. Na zona do Baluarte da Conceição [junto ao tribunal e nas traseiras do Mercado do Livramento] já está tudo consensualizado com os proprietários desses barracões. Nessa zona, de frente para o rio, vai ser construído um aparthotel, com lojas por baixo, e tudo à volta será para habitação e com jardins.
Fotografia de Bruno Gonçalves
Qual é o outro projeto?
Para a zona do Parque Urbano de Albarquel (PUA), vamos começar este mês a discutir os projetos. Os planos que temos para essa zona é dividir esses barracões com ruas para ficar como a frente da Expo. E nessa zona tem um hotel. Vai ser um processo mais complicado porque vai ter de haver muitas cedências de espaço para se fazerem as ruas.
Mantém-se o prazo de cinco anos para todos estes projetos?
Sim, sim, no máximo. Todos estes investidores querem começar a construir em 2019. Na zona do Baluarte já há um projeto de construção de habitação e submeteram um PIP, um pedido de informação prévia, portanto já está meio aprovado. Para o aparthotel tem de se fazer ainda o projeto de arquitetura.
Há um ano falou-me uma pequena comunidade de 800 franceses que vivem em Setúbal. Essa comunidade cresceu?
Neste momento, já há cerca de mil franceses a terem residência em Setúbal. Mas já não são só franceses. Estão a chegar paulatinamente franceses porque alguns até compraram duas ou três casas e trouxeram as famílias. Mas neste momento já temos também uma comunidade italiana e outra belga.
Porquê esta procura por Setúbal?
Penso que terá que ver com as questões de segurança e do clima. Também estão a chegar muitos brasileiros, que são diferentes dos que vieram na primeira vaga de imigração. Os da primeira vaga tinham uma situação mais precária e vinham sozinhos à procura de trabalho. A maior parte deles, quase todos, regressaram ao Brasil. Agora estão a chegar famílias inteiras que vêm à procura de segurança e de estabilidade. Têm algum dinheiro, compram casas e põem os filhos nas escolas.
Qual é a faixa etária dessas pessoas?
Entre os 40 e os 50 anos. E muitos são quadros técnicos, como engenheiros ou arquitetos.
Os franceses também?
Entre os franceses há mais reformados. Os belgas e os italianos, também.
Estes imigrantes abrem negócios cá?
Alguns abrem negócios, mas muitos deles trabalham para empresas.
E em relação ao comércio, continua a aumentar a procura para abrir comércio na zona centro?
A procura continua muito elevada, sim. Está praticamente quase tudo ocupado. Já não há casas para vender. O mercado imobiliário subiu muito e foi esgotando. Mas há alguns projetos de construção nova para habitação, quer para o centro histórico, na zona do Bairro Salgado [centro da cidade], quer para a Avenida Belo Horizonte, na zona das Fontainhas, no Jardim das Energias [de frente para o rio, na antiga zona fabril]. Já estão a entrar projetos para essas duas zonas.
São os imigrantes que vivem em Setúbal que trazem investimento para o mercado imobiliário? Ou é uma realidade paralela?
Temos as duas coisas. Temos as pessoas que vêm e compram cinco, seis ou sete casas, e depois remodelam para revender. Temos um mercado imobiliário muito forte e que está a gladiar-se à procura de produto.
O novo aeroporto no Montijo vai aumentar a procura de imobiliário em Setúbal?
Houve um anúncio de que o aeroporto iria ser construído, mas faltam ainda procedimentos indispensáveis para que o processo possa avançar. Prefiro pronunciar-me sobre essa matéria depois disso, mas estou convicta da necessidade de construir um novo aeroporto de raiz, e não um apeadeiro…
Mas desde o anúncio do aeroporto aumentou o interesse de empresas para a construção de habitação?
Sempre recebemos, e não foi por causa da expetativa de construção de um novo aeroporto.
Esse crescimento do mercado imobiliário é um reflexo de Lisboa?
Também é um reflexo, porque estamos próximos de Lisboa – 40 quilómetros não é praticamente nada. Acho que há muitas pessoas a perceberem isso e vêm visitar Setúbal. Por isso, aos fins de semana já é uma loucura para se conseguir almoçar num restaurante. Mas também penso que não é só isso. Porque, antigamente, também estávamos perto de Lisboa e não vinha cá ninguém.
O que mudou?
Trabalhámos muito para mudar a cidade. Reabilitámos e virámos a cidade para o rio. Não só a zona ribeirinha e o centro histórico. Na freguesia de São Sebastião, por exemplo, onde estão concentrados 13 bairros sociais, todos estão a ser reabilitados. No Bairro da Bela Vista há um museu ao ar livre, o “Museu Está na Rua”, com estátuas de João Limpinho, feitas com desperdícios de máquinas industriais. Tem mais de cinco anos e nunca foram destruídas. A cidade é tudo isto. Não é só a Praça do Bocage. Não é uma crítica, à época era assim. Tínhamos uma cidade piscatória que vivia de 140 fábricas de conservas. Muitas estavam localizadas no centro histórico e junto ao rio. E depois havia as empresas que reparavam os barcos dos pescadores. Hoje já não temos as fábricas, infelizmente. Mas há uma que quer abrir.
Ah é?
Sim, estamos nessa negociação. Uma fábrica de conservas.
Onde vai ficar localizada?
Na zona fabril, na Mitrena.
Vai abrir este ano?
Sim, em 2019.
Além das conservas, em Setúbal, o mercado das ostras também é forte…
Está a crescer muito, sim. A maior parte da ostra que entra em Paris é de Setúbal.
Outro dos grandes projetos da cidade é o Parque da Várzea, que será um dos maiores do país, com 40 hectares verdes e com lagos. Há verbas comunitárias em falta. Qual é o ponto de situação?
A primeira fase acabará agora entre abril e junho, e contabiliza um investimento de 3,9 milhões de euros. Já houve muita movimentação de terras, foram instaladas as tubagens e ficou resolvida a parte mais importante, que é a parte da bacia de retenção das águas e uma ETAR nova que foi construída no início da Ribeira do Livramento, que vai regularizar todos os saneamentos ilegais que existiam. Já foi feito um esboço da segunda fase do projeto que foi apresentado à câmara, à assembleia municipal, aos vereadores e às juntas de freguesia. Foi feita uma apresentação pública. E toda esta parte custará mais 4,5 milhões de euros. Vamos recorrer a fundos europeus para ter o financiamento.
Os 4,5 milhões de euros em falta é a verba total ou a autarquia vai avançar com alguma parte do investimento?
É o custo total. Quando há fundos comunitários há sempre uma comparticipação de verbas nacionais. Estamos a tentar uma comparticipação de 80% mas, como estamos na região de Lisboa e Vale do Tejo, normalmente a comparticipação é mais baixa e anda entre os 45% e os 50%.
No pior dos cenários, qual o valor que será suportado pela autarquia?
No pior dos cenários, a autarquia vai suportar 50%, cerca de 2,2 milhões de euros.
Sobre as contas da autarquia: a taxa de proteção civil gerou uma receita de quatro milhões de euros. Estão a devolver essas verbas?
Foram faturados cerca de quatro milhões de euros, mas só recebemos à volta de metade desse valor. Houve algumas empresas que não pagaram. A nossa taxa era diferente do que foi aplicado em Lisboa, onde pagaram todos os que pagavam IMI. A nossa taxa foi aplicada apenas a comércio e indústria, de acordo com uma tabela de risco. Uma Sapec ou uma Tanquisado, por exemplo, não pagava o mesmo que um café. Vamos fazer a devolução das verbas, mas vamos entrar em negociação com as empresas para que essas verbas passem a ser um crédito. Há serviços que a proteção civil e os bombeiros prestam às empresas, sobretudo às da zona da Mitrena, que são pagos. Vamos tentar fazer com que o valor que temos de devolver passe a ser um crédito a favor dessa empresa para pagar esses serviços. A haver devolução é uma fatia muito pesada para o município.
Qual o valor que têm de devolver?
Temos de devolver cerca de 2,8 milhões de euros. Estamos preocupados com isto. Os nossos bombeiros não podem continuar a ter única e exclusivamente o financiamento do município. Antigamente tínhamos uma contrapartida dos seguros: quando as pessoas pagavam, havia uma percentagem que era canalizada para os bombeiros. Agora, o governo passou essa percentagem apenas para os bombeiros voluntários. E os sapadores estão a ser pagos única e exclusivamente pelos municípios. Mas quando as pessoas pagam não diz no documento se as verbas são para os voluntários ou se são para os sapadores, diz apenas que é para os bombeiros. Foi para encontrar verbas para os sapadores que o governo criou a taxa de proteção civil.
E a regularização dos precários, como está a correr?
Muito bem. Tínhamos 138 funcionários que estavam em situação precária e com o PREVPAP [Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública] já estão regularizados 130. Alguns dos que estão em falta é por causa de documentação solicitada que ainda não foi entregue.
Qual foi o encargo salarial com esses casos?
Mais dois milhões de euros em salários.
Quais as qualificações desses funcionários?
Todo o tipo de qualificação. Desde arquitetos até um pintor ou um pedreiro. Durante muitos anos não pudemos contratar ninguém para os quadros. Por exemplo, para que um funeral se realizasse tivemos de contratar pessoas para enterrar mortos. Só temos quatro coveiros e temos três cemitérios. Isto é altamente preocupante. Não conseguimos mão-de-obra.
Em média, há quantos anos estavam esses funcionários a trabalhar na autarquia?
Há cerca de quatro ou cinco anos.
Como está o processo de descentralização?
Está muito complicado. Diz a lei que temos de receber as competências e que já passou o tempo da discussão.
Mas, entretanto, os partidos chamaram ao parlamento alguns diplomas setoriais…
Pois, porque há coisas que não se entendem. Mas a partir de 2019 há a descentralização na área dos transportes. O município de Setúbal vai comparticipar com cerca de 1,2 milhões de euros para os passes sociais.
Quantas competências vão herdar com a descentralização?
Para já, rejeitámos todas as competências. Mas em 2021 vamos ter de assumir todas. As praias, por exemplo, fomos nós que solicitámos. Andávamos há anos a tentar assumir as praias porque não eram limpas, não tinham segurança a não ser o que faziam os concessionários na época balnear. Do ponto de vista do saneamento e do ambiente não tinham quaisquer condições, nem fossas as praias tinham. Em 2017 fizemos um protocolo e assumimos essa gestão. Agora estamos a construir ETAR’s, fossas, casas de banho, acessos à praia, a limpar o areal. Além do ponto de vista ambiental, também temos tratado do acesso às praias, que passou a estar condicionado. Esse era um problema que nos causava muita aflição. Porque podia haver ali algum acidente e não haver forma de socorrer as pessoas. Em 2018, acho que correu bem, com aspetos que ainda temos de retificar e de melhorar.
Fotografia de Bruno Gonçalves
Qual foi o pacote financeiro que o governo calculou para todas as competências que vão assumir?
Ainda não temos as contas fechadas.
Ainda não?
Não. Temos umas contas por alto.
Há autarquias que dizem que faltam verbas…
Pois. Também nos faltam verbas.
Quanto?
Pelas nossas contas, precisaríamos de 18 milhões de euros e o governo só iria enviar 13 milhões. Em traços gerais, os números não batiam certo. Há uma diferença de cerca de cinco milhões e, quando fomos analisar as especificidades, ainda era pior. Por exemplo, com as escolas EB 2/3 [do 5.o ao 9.o ano de escolaridade] e do secundário vamos assumir mais 504 trabalhadores.
Onde há mais diferença entre os vossos números e os do governo? É nos salários dos trabalhadores?
Não só. Para a manutenção dos edifícios das escolas, o valor previsto pelo governo, em alguns casos, nem chega a 20 mil euros por ano. Só pode haver equívoco. Com esse valor pintamos só duas salas de aula das escolas de 1.o ciclo. Uma escola secundária ou uma EB 2/3 não tem o mesmo número de salas de aula de uma escola de 1.o ciclo. Tem 12, 14 salas de aula, mais os refeitórios, as casas de banho, os ginásios. São estes números que fazem a diferença de milhões.
Já rebateram as contas do governo?
Já rebatemos.
Qual foi a resposta?
Ainda não houve resposta. Mas dissemos logo que não íamos assumir nenhuma competência enquanto não for obrigatório. E se as contas não forem acertadas, depois logo se vê.