Armando Vara admitiu ontem em tribunal que recebeu dois milhões de euros em envelopes por serviços que tinha prestado ainda antes de ser administrador da Caixa Geral de Depósitos, assumindo que cometeu crimes de fraude fiscal ao colocar tal dinheiro na Suíça. O MP acredita que metade desse dinheiro foram contrapartidas – cuja transferência foi ordenada por Carlos Santos Silva, amigo de José Sócrates – por ter viabilizado um empréstimo ao empreendimento Vale do Lobo, uma vez que já estava no banco público. Mas o antigo ministro socialista justifica que apesar de os serviços de promoção de empresas portuguesas no Leste terem sido prestados antes, o dinheiro foi recebido quando era administrador da CGD, porque houve um desfasamento entre o tempo em que fez consultoria e o recebimento.
Quando lhe entregaram os envelopes com dinheiro, por não poder receber de outra forma os prémios por resultados, diz, decidiu colocar tudo na Suíça. E mais: ainda terá pensado declarar os montantes ao fisco português, mas acabou por não o fazer, até por ocupar o cargo de diretor – mais tarde viria a ser administrador.
Vara, que ontem chegou algemado para depor enquanto testemunha da filha no âmbito do processo Marquês, no qual também é arguido, garantiu ao juiz Ivo Rosa não conhecer Francisco Canas, conhecido como Zé das Medalhas – que entretanto já morreu e que para os investigadores era o dono de uma casa de medalha na Rua do Ouro que colocava os milhões de vários políticos e empresários em contas offshore na Suíça.
Diz que não conhece igualmente o holandês Jeroen van Doren de onde partiu o milhão de euros que o MP considera serem luvas e que conhece mal Joaquim Barroca, por cujas contas os montantes circularam antes de caírem na sua offshore.
Durante duas horas, o juiz Ivo Rosa ‘bombardeou’ a testemunha, que também é arguido.
Mas Vara não abriu a boca sobre alguns temas, como por exemplo quais os serviços que prestava e a quem, justificando que isso envolve outras pessoas.
O ex-ministro de António Guterres, acabou ainda por confirmar que foi devido ao caso Face Oculta e ao grande escrutínio a que estava sujeito que terá passado tudo para o nome da filha, mas que esta não sabia de nada das operações.
A Vama Holdings e a casa da filha que passou a ser sua Durante o interrogatório o antigo ministro confessou que foi na offshore Vama Holdings que recebeu os montantes auferidos como consultor – uma conta na Suíça, que foi investigada na Operação Marquês.
Vara – que está acusado neste caso de um crime de corrupção passiva em regime de co-autoria com José Sócrates, de dois crimes de fraude fiscal qualificada e de dois crimes de branqueamento de capitais – admitiu ontem ter praticado este último tipo de crime.
Ao que o i apurou, num dos casos está a permuta da casa da sua filha, Bárbara Vara. O Ministério Público acredita que esta foi a forma que o antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos arranjou para começar a branquear as contrapartidas guardadas na Suíça.
Em setembro de 2009, Bárbara Vara efetuou uma escritura de permuta de imóveis, com a sociedade Portbuilding Investimentos. Em novembro, a mesma casa foi vendida pelo mesmo valor – 390 mil euros – à sociedade Citywide (criada em 2008). Esta tem como única sócia a sociedade Desrel – o MP afirma que o dinheiro que chega à Desrel provém da Vama Holdings. Para efetuar a compra, é dado um sinal de 290 mil euros, ou seja, 75% do valor total do imóvel. Os restantes 100 mil foram pagos na altura da escritura.
Recorde-se que Armando Vara tinha sido chamado como testemunha da sua filha, mas a partir do momento em que é arguido e se disponibilizou para falar, o juiz pode questioná-lo sobre o que consta na acusação.
Vara foi respondendo às questões do juiz de instrução, mas quando chegou à parte do procurador Rosário Teixeira fazer perguntas, o arguido disse que não queria falar, o que levou o magistrado do Departamento Central de Investigação e Ação Penal a perguntar se só lhe merecia respeito o juiz.
À saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, o advogado do ex-ministro, Tiago Rodrigues Bastos, explicou que o seu cliente respondeu a todas as questões que foram colocadas e admitiu estar disponível para pagar as dívidas fiscais: “Ele já assumiu que há um problema fiscal e admite pagar o que tem a pagar em termos de impostos”, disse aos jornalistas.
Bárbara não sabia de nada No primeiro dia de instrução da Operação Marquês, o juiz Ivo Rosa questionou a filha de Armando Vara sobre os montantes que passaram na Vama Holdings – fundos, que segundo o MP, são ilegais, mas a arguida negou sempre qualquer conhecimento, adiantando que dava carta branca ao pai, por uma questão de confiança. E garantiu que sempre pensou que o dinheiro que o seu pai movimentava era legal, proveniente dos seus rendimentos.