Os quatro dérbis consecutivos de 1954 deram pano para mangas. Vivíamos uma fase muito intensa da teorização do futebol e jogos como esses eram utilizados pelos especialistas como experiências quase científicas.
Benfica e Sporting estavam em fases de alteração. Os encarnados ainda tinham Rogério Pipi ou_Palmeiro, por exemplo, mas já vinha aí a geração de José Águas. A equipa vencedora da Taça Latina (1950) não tardaria a dar lugar aos campeões europeus. Os leões ainda tinham Violinos como Travassos, Vasques e Albano, mas a famosa equipa de 1948 (finalista da Taça Latina) desvanecera-se a pouco e pouco.
Explicámos na edição de ontem como depois do Sporting-Benfica da última jornada do campeonato, com vitória leonina por 3-2, o sorteio fez com que os rivais de Lisboa tivessem de se bater na segunda eliminatória da Taça de Portugal, novamente com jogos a duas mãos, depois de um período em que apenas um decidia o vencedor. A_Taça jogava-
-se integralmente, de seguida, após o fim do nacional. Pelo que se explica esta sequência vertiginosa de dérbis.
O Estádio Nacional era o palco privilegiado de todos os encontros importantes, obra imponente do Estado Novo, e tanto o jogo do campeonato como as duas mãos da Taça tiveram lá lugar.
Curiosamente, a assistência foi decaindo. Talvez por excesso de Benficas-Sportings; muito provavelmente pelo facto de as disputas, embora acesas de tal ordem que chegou a haver tranquibérnias entre jogadores de ambos os conjuntos, terem sido de medíocre qualidade técnica. Apesar de tudo, o povo que foi ao Jamor não se pôde queixar de falta de golos. Dia 16 de maio: Sporting, 3 – Benfica, 2; dia 23 de maio: Sporting, 3 – Benfica, 2; dia 30 de maio: Benfica, 2 – Sporting, 1.
Com uma vitória para cada lado, ainda sem a regra de desempate por golos, o regulamento estabelecia que um jogo extra seria disputado nas 48 horas posteriores. Ninguém foi de modas. Marcou-se a contenda para o fim da tarde do dia seguinte. Desta vez já não no Jamor, mas na Tapadinha, casa do Atlético.
Vitória do físico Mais disponível fisicamente, o Sporting levou a melhor sobre o Benfica por 4-2. Golos de Travassos (penálti), Albano, Vasques e Martins contra dois de Arsénio.
Interessante consultar os jornais da época e prestar atenção ao que foi escrito por sumidades como Tavares da Silva, por exemplo, um dos grandes mestres da imprensa desportiva, o autor da eterna expressão Cinco Violinos. Numa série de artigos publicados no “Diário de Lisboa” procedeu à análise exaustiva do que se passara nos dérbis consecutivos à luz do que chamou “espírito criador”. Tendo em conta um pormenor importante: a vitória do Benfica na segunda mão da eliminatória da Taça de Portugal acabou com um ciclo de 19 jogos seguidos sem derrotas para o Sporting.
Vingaram-se, como já vimos, os leões na Tapadinha. E viriam a juntar ao seu título de campeão a vitória na prova, batendo o Vitória de Setúbal na final do Jamor.
Tavares da Silva não teve dúvidas em considerar que a questão atlética teve um papel fundamental na decisão do pleito: “Foi na segunda parte que o fôlego do Benfica começou a ceder, e a equipa leonina apoderou-se então da situação. Cremos que os factos se passaram deste modo (foi o Benfica que cedeu) por nos parecer que o Sporting conservou, do princípio ao fim, o mesmo ritmo. Não deixa de ser curioso verificar – o jogo da bola tem destes imponderáveis! – que os benfiquenses conquistaram o triunfo no seu trecho menos generoso, ou melhor, menos produtivo. Se a defesa vermelha teve capacidade para, em média regular, de qualquer modo, suportar as exigências da partida, o ataque (no seu todo) acabou por esgotar-se e mal poder com a bola.”
Em maio de 1954, o Sporting saiu da sessão contínua de dérbis com o peito enfunado de orgulho como vela de galeão, tal como o Raposão do Eça. Em fevereiro de 2019 começou por sofrer um doloroso KO em casa, no primeiro round, com esta recente derrota por 2-4. Volta hoje a ter a palavra. Sabendo-se que o próximo dérbi, por bizantinices federativas, só virá em abril. Segunda mão atirada para as calendas.