Hoje será o primeiro grande ensaio de união entre os coletes amarelos e uma das principais estruturas sindicais francesas, a CGT, considerada a mais à esquerda em França. Há muito que é pedida pelos coletes amarelos e há mais de um mês que é discutida entre as fileiras da organização sindical, e vai finalmente acontecer, conta o português Nuno Martins, delegado da GGT, ao i.
“Pode ser o início de outra coisa. Uma greve mais alargada, assembleias”, diz. O objetivo, por agora, é manter a pressão nas ruas. Os coletes amarelos apelaram a uma “greve geral ilimitada” e com “bloqueio total” a partir de hoje.
Conhecendo a forma como o presidente francês, Emmanuel Macron, tem lidado com os protestos dos coletes amarelos, ora recusando revogar as políticas já implementadas ora prometendo diálogo e reprimindo manifestações, poucos são os que acreditam que conseguirão obrigá-lo a reverter o rumo com apenas uma greve geral. A de hoje será sobretudo uma demonstração de força a pensar nos próximos passos – mesmo que poucos saibam quais serão – de uma unidade há muito ansiada e um desafio à autoridade do Palácio do Eliseu.
“Macron tenta com a violência quebrar os movimentos sociais. Já existia antes, quando nós, sindicalistas, nos manifestávamos, mas contra os coletes amarelos a violência é mais dura”, explica ao i Philippe Guilleret, funcionário da CGT, de 51 anos, acrescentando que “a violência se assemelha à vivida no Maio de 68, senão maior”. O número de feridos, continua Guilleret, deve-se tanto à violência policial como ao facto de os “coletes amarelos não estarem organizados” quando marcham nas ruas, não terem um “sentido de ordem”. Ao contrário das centrais sindicais, os manifestantes não conseguem criar fileiras e organizar-se para se protegerem das ações da polícia e muito menos evitar que a violência se torne a principal forma de expressão política com infiltrações no movimento. “Aquela parte das pessoas que vêm claramente para criar problemas, bater na polícia ou simplesmente destruir montras e pilhar”, como refere Hermano Sanches, vereador da Câmara de Paris.
Ainda que profundamente heterogéneo e inorgânico, o movimento dos coletes amarelos tem conseguido manter a pressão política sobre Macron ao longo das últimas 12 semanas. E, como consequência, retirou algum destaque ao sindicalismo clássico, mesmo que muitos membros da CGT também sejam coletes amarelos desde o início. O movimento sempre mostrou uma enorme desconfiança em relação aos sindicatos e partidos políticos, preferindo seguir o seu próprio caminho no combate a Macron.
Neste sentido, diz Hermano Sanches, a união de hoje é também uma forma de a central sindical não perder a hegemonia na contestação social e de marcar posição face às suas congéneres, a Força Operária e a CFDT. “Tenta recuperar o terreno sobre duas temáticas, que também são as dos coletes amarelos, a do aumento dos salários e o peso da fiscalidade, reivindicando uma maior distribuição da riqueza e o regresso do imposto às grandes fortunas”, explica o vereador parisiense. Questionado sobre quais as reivindicações da organização sindical, Guilleret refere isso mesmo: “Maior distribuição da riqueza, mais justiça fiscal, aumentos salariais”.
Convocar a greve geral não foi apenas uma decisão para manter o seu espaço político na contestação a Macron, serve também para a central sindical manter as suas fileiras unidas, que há muito pediam uma posição mais dura. “A CGT tem uma base social mais forte [que as outras duas] e um hábito de reivindicações fortes, olhou para as suas fileiras e percebeu que não tinha de esperar pelos outros sindicatos”, explica Sanches, acresce+ntando: “É também uma forma de marcarem posição e de responderem à base da CGT que não estavam a deixar o seu espaço ser ocupado por movimentos de fora do sindicato”.
Até ao momento, não se esperando que mais organizações se juntem, a greve geral conta com o apoio da França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, do Novo Partido Anticapitalista (NPA) e de uma central sindical mais pequena, a Federação Sindical Unitária da França (FSU). As outras duas grandes centrais sindicais, a Força Operária e a CFDT, recusaram-se a aderir à convocatória. “Acham que conseguem mais conquistas pela via das negociações, que as suas reivindicações serão aceites. A CGT apresentou uma lista de reivindicações ao governo para negociar. A grande diferença entre nós e elas é que elas querem essencialmente negociar”, explica Guilleret.
A ocupação do espaço dos sindicatos pelos coletes amarelos estava a acontecer essencialmente fora da capital parisiense, onde o movimento é muito mais forte. Em Paris, as manifestações aos sábados não tendem a ultrapassar a dezena de milhar de pessoas, ainda que sejam das mais violentas, e prevê-se que a maioria dos manifestantes de hoje nas ruas parisienses pertençam à CGT. “Em Paris, com certeza que vai haver mais pessoas que vêm por ação sindical do que pelos coletes amarelos, de certeza”, garante Martins. Muito porque os coletes amarelos olharem para a capital como o centro nevrálgico do poder que contestam nas ruas do resto do país.
Ninguém afasta a possibilidade de violência, à semelhança de tantas manifestações anteriores convocadas quer pelos sindicatos quer pelos coletes amarelos. A polícia, responsável pela segurança, começou no domingo, viu o i, a colocar barreiras de betão na Avenida dos Campos Elísios e já delineou planos de segurança.
Para acalmar a contestação, Macron pondera avançar com a convocação de um referendo para o dia das eleições europeias, a 26 de maio, segundo o “Le Journal du Dimanche”. Todavia, e tendo em conta que são poucos entre os sindicalistas e os coletes amarelos que depositam fé na iniciativa do “grande debate nacional” para se redigir um “novo contrato para a nação” de Macron, é possível que esta última tentativa de desarme não surta o efeito que o Palácio do Eliseu esperava. “Tudo depende da questão no boletim, não é?”, responde Guilleret quando questionado sobre como via a nova aposta de Macron.
Em causa poderão estar as propostas, diz o jornal francês, de se reduzir os 577 deputados da Assembleia Nacional e a imposição de limitações de mandatos aos parlamentares. Além disso, o Eliseu está a ser aconselhado por elementos da direção do partido de Macron, o República em Marcha, a colocar várias questões no boletim de voto, permitindo ao chefe de Estado reivindicar vitória com qualquer resultado eleitoral. Uma possibilidade estratégica que só pelo facto de estar a ser noticiada desperta desconfiança em quem ainda poderia pensar que Macron iria aceitar dialogar, vendo-a como uma tentativa de embuste.