Bandeiras esvoaçam no ar, palavras de ordem são gritadas e a “Marselha” é cantada. Vive-se um ambiente de festa. Os trabalhadores franceses da CGT saíram às ruas em união com os coletes amarelos. A rua Rivoli, em Paris, França, é pequena para tantas pessoas. Milhares estão nas ruas contra o presidente francês, Emmanuel Macron, e o seu ministro do Interior, Christophe Castaner. Querem o fim da austeridade, investimento nos serviços públicos, aumentos salariais e, sobretudo, mais democracia. Uma onde, no final do mês, não tenham de escolher a próxima refeição entre a pouca comida que têm num frigorifico já quase vazio.
“Terrível, violência contra as pessoas, mas também contra a sociedade”, é assim que Lisa Le Texier, de 47 anos e colete amarelo desde o início do movimento, carateriza a presidência de Macron e as suas políticas. Uma batalha contra o governo que Le Texier sabe que sozinhos os coletes amarelos não conseguirão ganhar, precisando do apoio de sindicatos e partidos, mas, diz, não das suas direções, focando-se essencialmente nas suas bases: “Acho que a base dos sindicatos se deve unir aos coletes amarelos, não às suas direções, não acredito nelas, nem nos partidos políticos”. O descrédito dos partidos e sindicatos é uma das colas que une o movimento, heterogéneo e que se organiza nas redes sociais. Tem sido a maior dor de cabeça de Macron e quem lhe pertence diz que não vai parar até serem ouvidos.
A poucos metros de distância está Rosseau Roseme, secretária-geral da USAP CGT, o sindicato dos enfermeiros, que, ainda que seja alvo da desconfiança dos coletes amarelos, vê nesta união um sinal positivo na luta contra as políticas de austeridade de Macron. “Temos os coletes amarelos connosco, e isso é bom”, garante. “Queremos mais investimento nos hospitais, aumentos salariais e melhores condições laborais”, acrescenta a sindicalista, explicando que as condições dos profissionais de saúde são tão más que no início desta semana “um médico vestiu a sua bata de cirurgião e atirou-se do último andar de um hospital”. Um caso que escandalizou a sociedade francesa, dando também mais força aos médicos e enfermeiros para saírem à rua.
Aos poucos, devagarinho, o desfile arranca e vai percorrendo o seu caminho da Praça Hotel de Ville até à Praça Concorde, e se no começo os coletes amarelos estão no final da marcha, rapidamente recebem ordem da CGT para a encabeçarem. Avançam, destemidos, gritando “Macron, demissão! Castaner à prisão!” até chegarem ao seu começo, onde se juntam, num movimento fluído e desorganizado, aos black block e antifa.
A cada passo que se dá sente-se o ambiente a mudar. Torna-se mais combativo, mais contestatário, mais conflitual. A multidão de amarelo e de preto ganha ímpeto e uns quantos começam a acender very-lights vermelhos e amarelos. O fumo, esse, compõe o cenário entre tantas pessoas, sobretudo jovens, de negro e mascaradas – a lei francesa que proíbe o uso de máscaras é letra morta nas ruas. Lá atrás, onde a CGT está, o ambiente é diferente. Não deixa de ser contestatário e de combate, mas é mais pacífico e de festa, mais ordeiro, muito mais. A polícia mantém a distância, sabe que do outro lado estão os sindicatos, bastante organizados e com o seu próprio dispositivo de segurança – usam braceletes, capacetes e óculos para se identificarem e marcham em fileira. Há um certo respeito entre ambas as partes.
“Há aqui anti, anticapitalistas!”, gritam os black blocks em coro com alguns coletes amarelos, para depois os primeiros gritarem palavras de ordem antifascistas. Batem palmas e preparam-se para entrar na Praça Concorde, onde sabem que a polícia os aguarda. As autoridades fazem algumas movimentações, mantendo-se sempre à distância. Mostram aos black blocks que estão presentes, que os estão a ver. E, em resposta, recebem apupos aqui e ali. “Toda a gente odeia a polícia”, ouve-se sempre que surge numa ou noutra rua.
A tensão continua a subir até que montras e uma caixa de multibanco começam a ser destruídas e incendiada pelos black blocks, com os coletes amarelos a assistirem e uns quantos a aplaudirem. A rua da marcha pertence a uma zona rica, com hotéis, lojas e prédios de luxo e o ódio a quem não vive as mesmas dificuldades económicas numa França cada vez mais desigual é o suficiente para atear o rastilho. Em cartazes pode-se ler: “Classe contra classe”. Macron é apelidado o “Presidente dos ricos” e “Presidente-banqueiro” e é odiado por isso – aboliu o imposto sobre as grandes fortunas e aumentou os impostos à classe média e baixa.
“Nunca entro em confrontos com a polícia. Fico a ver ao longe. Às vezes, quando vejo a polícia a atacar injustamente alguém, sinto vontade de entrar nos confrontos, mas controlo-me e não o faço”, diz Marco Montenegro, empresário português que vive há sete anos em França e aderiu ao movimento desde o início. Está animado e garante que a violência nunca parte dos coletes amarelos, mas sim da polícia.
Continuam a avançar e em poucos minutos enchem a Concorde. Numa das suas saídas, na Rua Royale, a polícia, com escudos, lançadores de granadas, LBD-40 e até espingardas automáticas G36 – usadas em cenários de guerra – mantém a postura. Uma jovem rapariga, na casa dos 20 e poucos anos, interpela a polícia. Pede-lhe satisfações pela crescente violência policial e, num ato de desafio que poucos têm a coragem de fazer, diz para um agente: “Vá dispare, mas dispare para a cara!”. Manifestantes acercam-se e ouve-se qualquer coisa no rádio da polícia, com esta a disparar. Os manifestantes devolvem, com as mãos e os pés, as granadas. Atiram-se algumas pedras e a polícia responde com bolas de borracha e gás lacrimogéneo.
Pouco depois, os confrontos acalmam. Os manifestantes sentam-se à frente da polícia que antes tanto temiam e cantam. A CGT dá ordens para se ir abandonando o local e assim é. No final, os coletes amarelos, cerca de 300, ficam sozinhos e, num ímpeto que poucos sabem de onde veio, dirigem-se para o parlamento, no lado oposto da rua Royale. Lá chegados, cantam, brincam, conversam, tudo em frente a mais uma barreira policial. Depois, já a anoitecer e a fazer frio, decidem dirigir-se para o jornal Mediapart, que revelou o escândalo Benalla que tanto fragilizou Macron. E assim o fizeram, sozinhos. Coletes e CGT manifestaram-se unidos, mas a união foi pouco mais do que estarem no mesmo local, à mesma hora.