Mudança de sexo. “Um diagnóstico errado pode ter consequências muito graves”

Mudança de sexo. “Um diagnóstico errado pode ter consequências muito graves”


O médico Décio Ferreira refere que, num processo de mudança de sexo, um diagnóstico bem feito é essencial. Caso isso não aconteça, pode haver “consequências muito graves”, como a pessoa querer fazer uma reversão, ou seja, voltar a mudar de sexo novamente. Na lei isso é permitido, mas mediante uma autorização judicial.


Há quase um ano, foi conhecida a história de James Cohen, um britânico de 36, casado e com duas filhas, que mudou de sexo. Fez a operação em abril do ano passado e tornou-se Kara Cohen. Cerca de sete meses depois, quis voltar atrás. Deixou as roupas de mulher, a cabeleira loira e parou de tomar hormonas, para voltar a ser homem. Agora, já de cabelo curto e barba, o inglês está a fazer uma nova vida em Portugal. Serão casos destes comuns?

Segundo o cirurgião plástico João Décio Ferreira, um dos maiores especialistas portugueses em casos de mudança de sexo, a reversão só acontece quando o diagnóstico é mal feito. “Em sítios em que não são feitos diagnósticos corretamente e onde o processo é feito em cima do joelho acontecem problemas desses”, explica ao i. Décio Ferreira acompanha processos de mudança de sexo há quase 20 anos e garante que, das pessoas que foram operadas em Portugal, não conhece nenhum caso que tenha decidido fazer uma reversão. Pelas suas mãos, passou apenas um homem que mostrou essa vontade, mas que não levou o processo para a frente. “Tinha sido acompanhado na Tailândia, onde o diagnóstico foi mal feito e a operação foi realizada de forma errada”, refere.

Em termos técnicos, é possível mudar de sexo e depois reverter o processo? O cirurgião plástico garante que sim. Contudo, “não se consegue que o corpo volte ao que era”, sublinha. “Não dá para reconstruir um útero ou um pénis e ficar como estava. É possível fazer a reconstrução, mas nunca fica a mesma coisa”, justifica. 

Um acompanhamento pormenorizado, para que o diagnóstico seja feito corretamente e se defina o procedimento mais adequado a cada caso, deve ser a principal preocupação, alerta o cirurgião, explicando que as reversões não são a pior das consequências. Quando o processo falha, alerta João Décio Ferreira, pode haver “consequências muito graves”, como depressões ou, em casos mais graves, suicídios.

Em Portugal, um processo de mudança de sexo é complexo. Inicialmente é obrigatório que seja feito um acompanhamento, que incluiu diversas consultas, por três especialistas: um psicólogo, um sexólogo e um psiquiatra. E, para a realização da cirurgia final de reatribuição de sexo, é necessário um parecer da Ordem dos Médicos.

 

O que diz a lei

Após um veto inicial, em julho do ano passado foi aprovada no parlamento e depois promulgada pelo Presidente da República uma lei que reforça o direito à autodeterminação da identidade de género. Permite que uma pessoa altere a menção do sexo no registo civil e o nome próprio, mediante requerimento. Menores entre 16 e 18 anos passaram a ter essa possibilidade, desde que o pedido seja feito através dos seus representantes legais, como os pais por exemplo, mas é obrigatório que apresentem  um relatório de um médico ou de psicólogo, “que ateste exclusivamente a sua capacidade de decisão e vontade informada sem referências a diagnósticos de identidade de género”. E, caso uma pessoa faça todo este processo e mais tarde queira revertê-lo, a lei não o impede.

Quando à reversão de uma mudança cirúrgica, não há uma lei específica, mas nada o impede. “Não vejo que a lei crie obstáculos à alteração sucessiva das modificações ao nível do corpo e das características sexuais da pessoa, ou seja, a uma reversão”, explica ao i a advogada Magda Fernandes. Contudo, como essa situação implicaria à partida alterar de novo o género no registo civil, o interessado teria de recorrer à justiça. Isto porque não havendo limites para a pessoa mudar de sexo, se for pedido um segundo requerimento para alterar a menção do género no registo civil, ou seja, para que seja feita uma reversão, este está dependente de “autorização judicial”, diz a advogada.

Magda Fernandes explica que o diploma não regula “em que condições é que se deve processar a intervenção médico-cirúrgica de mudança de sexo, nomeadamente, a extensão, grau ou os efeitos da repetição dessa intervenção”. A lei refere-se apenas à autodeterminação da identidade de género no registo civil. Quanto ao procedimento médico, o diploma estabelece apenas que “o Estado deve garantir o acesso a serviços de referência ou unidades especializadas no Serviço Nacional de Saúde, designadamente, para tratamentos e intervenções cirúrgicas”.