Mulheres ganham espaço e protagonismo no desporto em portugal
Analisando o número de mulheres a praticar desporto federado em Portugal, não se pode dizer que estejamos perante um cenário muito marcado pela igualdade. No entanto, é inegável que assistimos a uma trajetória ascendente nos últimos anos.
No final do ano passado, o Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) fazia saber que, em 2017, a percentagem de atletas femininas federadas tinha atingido já os 30%, uma grande subida em comparação com os 26% que se registavam, por exemplo, em 2014.
Em termos mais concretos, dizem os números, na altura foi divulgado pela Lusa que, entre os 624 001 atletas registados nas federações desportivas, 185 280 eram do sexo feminino, evidenciando um salto face às 141 629 mulheres federadas nos anos anteriores. Os números mostram ainda que há modalidades que conquistam mais as mulheres portugueses. Entre as preferências estão atividades como a natação (com 36 272 mulheres), voleibol (24 365), andebol (19 844), basquetebol (17 038) e ginástica (15 899). Pode mesmo dizer-se que, em termos absolutos, a modalidade onde o número de mulheres mais cresceu foi a natação (passou de 10 597 mulheres em 2014 para 36 272 em 2017).
No caso do futebol, que é o desporto-rei em Portugal, a fasquia passa os cem mil atletas federados (167 986); destes, 8363 são mulheres. Em 2014 eram 6007.
Os dados mostram ainda que o número de mulheres ligadas a outras áreas, como na condição de árbitras, treinadoras ou dirigentes, também tem vindo a aumentar. Um estudo da consultora Nielsen, também publicado no final do ano passado, mostrava que a velocidade da mudança no desporto feminino tem vindo a transformar-se numa das mais relevantes tendências da indústria desportiva.
No entanto, ainda há muito a fazer. De acordo com a Associação Portuguesa Mulheres e Desporto, muito pode mudar se o desporto escolar for um pilar na luta pela igualdade.
As mulheres ganham milhões mas bem menos do que os homens
A questão é antiga, aplica-se a vários setores, mas são muitas as formas de olhar para ela. As mulheres consideram que ganham bem menos do que os homens mesmo quando brilham no mundo do desporto, em muitas das modalidades. É certo que conseguem ganhar milhões, mas longe do que encaixa um profissional do sexo masculino.
A lista da “Forbes”, por exemplo, mostrava em 2017 que, dos 100 desportistas mais bem pagos do mundo, apenas uma era mulher: Serena Williams. Tinha conseguido somar 21 milhões de euros, entre participações em torneios e patrocínios. Mas os números são baixos quando comparados com as grandes estrelas do sexo masculino.
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Recorde-se que esta questão tem levantado muita polémica e já foi alvo das mais variadas discussões, algumas delas muito mediáticas. Em junho de 2018, o tenista espanhol Rafael Nadal assumia que pensava ser justo que os tenistas do sexo masculino ganhassem mais dinheiro. “É justo que, no ténis, as mulheres ganhem tanto quanto os homens?” Foi esta a pergunta feita a Nadal que fez o verniz estalar com a resposta: “É uma comparação que nem sequer devia ser feita.” Porquê? Segundo Rafael Nadal, “as modelos ganham mais que os colegas [do sexo masculino], mas ninguém diz nada (…) porque elas têm mais seguidores”.
A questão foi colocada depois de nenhuma mulher ter conseguido ficar na lista da “Forbes” em 2018. Pela primeira vez em oito anos, não houve uma única mulher na lista dos 100 desportistas mais bem pagos.
As polémicas declarações tiveram tanto eco que o “New York Times” chegou mesmo a escrever: “Dececionante, mas não surpreendente por parte de Nadal.”
Os resultados levantaram, nesta altura, várias e duras críticas entre os utilizadores do Twitter, que questionaram as diferenças salariais entre homens e mulheres no mundo do desporto.
No entanto, importa dizer que muitos também defenderam a posição de Rafael Nadal.
As pioneiras de mundos que estavam completamente vedados
De acordo com um estudo publicado no ano passado, cerca de 40% das mulheres ligadas ao desporto já sofreram algum tipo de discriminação de género. Segundo os dados da análise “Beyond 30 per cent: Workplace Culture in Sport”, é de destacar que um número muito inferior de homens experimentou situações semelhantes. À margem disto, 40% das mulheres acreditam mesmo que o género tem um impacto verdadeiramente negativo na forma como as carreiras são avaliadas e as percentagens continuam a impressionar quando o assunto é terem sido alvo de comportamentos inapropriados por parte de um colega do sexo oposto: 30%. O estudo mostra ainda que 72% dos homens ouvidos acreditam que a questão não faz sentido e que as mulheres e os homens são tratados de forma igual.
Números à parte, a verdade é que as mulheres têm vindo a ganhar terreno em várias modalidades, um pouco por todo o mundo. Na Fórmula 1, por exemplo, a colombiana Tatiana Calderón conseguiu ser anunciada como piloto de testes da Alfa Romeo Sauber. Em Portugal, também muita coisa foi e continua a ser conquistada. Exemplos, existem muitos. Dos mais antigos aos mais recentes. A portuguesa Inês Henriques, por exemplo, conseguiu sagrar-se campeã europeia nos 50 km marcha no Campeonato da Europa. A atleta juntou este título ao Mundial, que tinha conquistado um ano antes. Mas podemos continuar. Elisabete Jacinto foi uma das mulheres que conseguiram quebrar barreiras importantes. Apesar de ser uma mulher solitária “num mundo que é de homens”, a piloto portuguesa espera que a vitória na categoria de camiões da Africa Eco Race possa ajudá-la a ganhar ainda mais espaço. “Nós, mulheres, precisamos muito de exemplos. (…) Não nasci com dotes especiais, não sou uma supermulher, a única coisa que me distingue é que lutei pelos meus sonhos.” O que não faltam são exemplos.
O assédio tomou 2018 de assalto e chegou ao desporto
O #MeToo ganhou força em todas as áreas. A hashtag MeToo tornou-se viral no final de 2017, mas há quem defenda que 2018 é que foi o ano deste movimento – figuras de vários setores, como o entretenimento, a política e o desporto, foram obrigadas a assumir as suas atitudes e a pedir desculpa publicamente pelos atos de assédio sexual que tinham cometido no passado.
A campeã olímpica Biles, por exemplo, é apenas o nome mais sonante entre as vítimas dos abusos praticados ao longo de vários anos por Nassar, que viu centenas de atletas denunciarem os abusos por que passaram. Mas como foi possível que eles se tenham prolongado por tanto tempo? Num editorial, o “New York Times” sublinhava que muito tinha de ser investigado: “Condenar Larry Nassar é apenas o começo.”
Um trabalho sobre as mulheres e o desporto, disponibilizado no site Cidadania em Portugal, destaca que “a UNESCO, tendo avaliado como insuficientes os esforços para integrar a dimensão de género nas políticas de desporto, propõe que ações mais concretas devam ser tomadas de forma a reduzir a marginalização das mulheres nos processos de desenvolvimento desportivo: difusão de uma informação positiva pelos média; estabelecimento de programas de educação física de qualidade para uma iniciação das jovens às competências que se podem adquirir através da prática do desporto; a garantia de um ambiente seguro e saudável onde todas as formas de assédio e violência sejam proscritas; apoio essencial à investigação no domínio do desporto feminino; feminização das instâncias dirigentes”.
Nesta publicação é ainda dado destaque ao facto de as investigações evidenciarem que “o assédio e abuso sexuais acontecem em todos os desportos e a todos os níveis. A prevalência parece ser maior no desporto de elite. As pessoas que rodeiam a/o atleta e que estão numa posição de poder e de autoridade parecem ser as principais autoras destes atos. Atletas pares têm também sido referenciados como autores. Os homens são mais referidos como autores do que as mulheres”.