Os partidos pediam clareza ao governo na proposta para rever a lei de Bases da Saúde e o debate arrancou ontem no Parlamento com Marta Temido a lembrar a história. “Importa não esquecer a história, não para remexer as feridas ou reclamar louros, mas para não cometer erros”, disse a ministra da Saúde. “Com a oposição do PSD, CDS e deputados independentes, que então declararam lamentar ‘esta doença infantil da nossa democracia’, foram os votos do PS e do PCP que permitiram aprovar na AR a lei do SNS. Com oposição do PS e do PCP, foram o PSD e o CDS que, em 1990, aprovaram uma Lei de Bases que o então ministro da Saúde apresentou como tendo o intuito de revogar o verdadeiro subproduto de um falso romantismo que era a lei de Dr. Arnaut. Estou certa de que esta câmara saberá colocar-se do lado certo da história.”
As propostas de lei dos diferentes partidos (além da proposta do governo foram ontem apresentadas as propostas do PCP, PSD e CDS-PP) não serão votadas para já e, se o governo não fecha portas a consenso alargado, torna-se cada vez mais provável um acordo à esquerda. A questão foi colocada diretamente nas primeiras intervenções no plenário. Paula Santos, do PCP, perguntou se o “governo vai estar do lado certo da história, ou se quer manter e aumentar PPP e transferir cuidados e serviços para os privados.” Moisés Ferreira, do BE, lembrou decisões recentes como o novo concurso para continuar o modelo de gestão de parceria-público privada no Hospital de Braga e insistiu que a proposta apresentada pelo executivo é dúbia. “Está o governo disposto a alterar a proposta? Se sim, não faltaremos à chamada”, disse.
PSD e CDS também pediram clareza. A deputada centrista Ana Rita Bessa acusou Marta Temido de estar isolada no partido ao apresentar um diploma estatizante, “que parece nem ter força para ser levado a votação”. Pelo PSD, Ricardo Baptista Leite criticou uma proposta demasiado vaga e minimalista. “Ao mesmo tempo que tentou agradar à esquerda estatizante, reconhece vantagens da cooperação entre setores. No fundo, o governo tentou agradar a deus e ao diabo e foi assim que cometeram o pecado original”, declarou. “A ideologia não dá saúde e, que se saiba, não cura doenças. Qual é a prioridade do governo, é ideologia ou são as pessoas?”, interpelou o social-democrata na ronda de intervenções que abriu o debate.
Na hora da resposta, e depois de Maria Antónia Almeida Santos declarar que o grupo parlamentar do PS se revê “convictamente na proposta de lei do governo”, Marta Temido clarificou. “A opção desta lei é pelo cidadão, só não vê, quem não quer ver. São os serviços públicos que melhor defendem o cidadão, nesta lei está claro o reforço do Estado”, disse a ministra, rebatendo críticas da oposição sobre o aumento das dívidas do SNS nos últimos anos com o anúncio de que ficaram, em 2018, abaixo dos 500 milhões de euros. “Aquilo que defendemos é o reforço dos serviços públicos, mas não hostilizamos o setor privado e social. Precisamos de trabalhar com esses setores, mas com total transparência (…) Este setor vale 10% do PIB e envolve muitos negócios e é relativamente aos negócios que não estamos dispostos a transigir”.
Certo é que nada está fechado e não deverá estar tão cedo. “Esta câmara tem longo trabalho de melhoria para fazer”, disse Marta Temido.